Acórdão nº 10/21.4GALLE-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo de inquérito nº 10/21.4GALLE, que corre termos na Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 2, após interrogatório judicial de arguido, foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva a Go…ve, melhor identificado nos autos.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): III – Objecto do recurso 1. Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que na sequência de 1º interrogatório judicial de arguido detido, aplicou ao aqui Recorrente a medida de coacção de prisão preventiva, ao abrigo do disposto nos artigos 202.º nº 1, al. a), e 204.º alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.

  1. Salvo melhor opinião, não se conforma o arguido com a douta decisão, por entender que a medida de coacção determinada é excessiva face à factualidade indiciada nos autos.

  2. Entendeu o tribunal “a quo” que surgem fortemente indiciados nos autos a prática pelo arguido/Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º da D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

  3. O douto despacho recorrido alicerça a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva no requisito ínsito no art° 202°, n° 1, al. a) do CPP, e nos perigos a que aludem as alíneas a) b) e c) do artigo 204.º do C.P.P., a saber, perigo de fuga, de perturbação da paz publica e do inquérito e de continuação da actividade criminosa.

    III-B) Dos pressupostos de aplicabilidade da medida de coacção da prisão preventiva 5. Um dos princípios basilares de um Estado de Direito é o princípio da liberdade do cidadão, consagrado no artigo. 27.º, n.º 1, da CRP, pelo que só em situações de maior gravidade e por imperativo social relevante tal princípio poderá ser limitado.

  4. Da conjugação do direito à liberdade com o princípio da proporcionalidade (com sede constitucional no artigo 18º/2, 2ª, parte da CRP), que se desdobra em quatro subprincípios, todos eles corolários do princípio da presunção de inocência: (i) a necessidade (indispensabilidade das medidas restritivas para obter os fins visados, com proibição do excesso – a medida só será legítima se a que se segue na escala decrescente da gravidade não assegurar o fim cautelar visado e for proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas); (ii) a adequação (idoneidade das medidas para a prossecução dos respectivos fins); (iii) a subsidiariedade; e (iv) a precariedade, todos eles corolários do princípio da presunção de inocência, resulta que a aplicação da prisão preventiva está sujeita às condições gerais contidas nos arts. 191º a 195º, do CPP e aos requisitos gerais previstos no art. 204º e ainda aos específicos consagrados no art. 202º, do CPP.

  5. A aplicação de tal medida deve respeitar sempre os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

  6. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de natureza excepcional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o artigo 28.º nº 2, da CRP e o artigo 193º, nºs 2 e 3, do CPP).

  7. No caso concreto, e no que tange à matéria indiciada comunicada ao arguido em sede de 1º Interrogatório Judicial, impõe-se referir que a mesma se reportará (indiciariamente) a um crime de tráfico de estupefacientes, esporádico, de rua, ou de fim de linha.

  8. Ou seja, a factualidade indiciada nos autos e que fundamenta a medida de coacção recorrida poderá, eventualmente, subsumir-se a uma situação de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

  9. Destarte, não se verificando, no caso em apreço, esse pressuposto específico de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva que se traduz em haver fortes indícios da prática de um crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos, a sua aplicação no caso vertente viola directamente o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 202° do CPP, devendo por isso ser revogada e substituída por outra não privativa da liberdade.

    SEM CONCEDER, 12.

    (…) “a aplicação da medida mais gravosa do elenco coactivo, não pode ser encarada como uma pena (por antecipação), nem como uma medida de segurança, porquanto se trata de uma simples medida cautelar, e só pode ser fundamentada em factos concretos que possam preencher os respectivos pressupostos, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º do CPP (princípios e requisitos), não bastando, pois, o mero apelo, em abstracto, a tais pressupostos.” – cfr. douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-01-2020, visitável em www.dgsi.pt 13. Assim, no caso dos autos a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva mostra-se atentatória dessas disposições legais.

  10. Além disso, exige a lei que para aplicação de uma medida de coacção, além da do Termo de Identidade e Residência, se verifique um dos perigos a que alude o art.º 204º do CPP.

  11. «In casu» entendeu o tribunal «a quo» que se verificam os perigos de fuga, de perturbação da paz publica e do inquérito e de continuação da actividade criminosa aludidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 204.º do CPP.

  12. Da jurisprudência dos nossos tribunais superiores resulta que qualquer um dos perigos aí elencados tem de se extrair de factos concretos, evidenciados no processo.

  13. Quanto ao perigo de fuga enunciado na al. a) do aludido preceito legal, que tem por base o risco do arguido se subtrair ao exercício da acção penal, o mesmo deve ser real, objetivo e não meramente hipotético. “A lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade da existência de tal perigo deduzida de abstractas e genéricas presunções, v. g., da gravidade do crime, mas que deve fundamentar-se sobre elementos de facto ocorridos, que indiciem concretamente aquele perigo. (…).” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2009, in www.dgsi.pt.

  14. Esse perigo deve surgir de elementos concretos dos autos.

  15. Ora, da prova indiciária dos autos, não se verificam indícios do aludido perigo.

  16. O que resulta dos autos relativamente à situação social, familiar e laboral do Recorrente é que: a) É casado com uma cidadã portuguesa e tem a seu cargo um filho também de nacionalidade portuguesa b) Tem suporte familiar e apresenta hábitos de trabalho.

  17. Destarte, salvo o devido respeito, tal perigo não surge concretizado no caso dos autos.

  18. Por outro lado, o invocado perigo de perturbação da paz publica e de perturbação do inquérito, salvo melhor opinião, não se encontra suficientemente fundamentado no douto despacho de que se recorre.

  19. Mas a existir, hipótese que se coloca por dever de patrocínio, outras medidas de coacção menos gravosas existem e que igualmente permitem preveni-lo, como sejam, as proibições de contactos e de frequentar determinados locais conotados com o consumo e venda de estupefacientes, prescritos no artigo 200.º do CPP.

  20. No que se reporta ao invocado perigo de continuação de actividade criminosa, este deve ser “aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada – “em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido”, nos termos da alínea c) do art. 204º, do CPP”. Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsi.pt (Proc. n.º 2221/10.9PBAVR-A.C1).

  21. A lei impõe que o perigo de continuação da actividade criminosa seja concreto.

  22. Daqui decorre que o perigo (relevante) de continuação da actividade criminosa, em ordem à aplicação, reforço ou manutenção das medidas de coacção legalmente previstas, designadamente a prisão preventiva, terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica), a significar que o perigo de continuação da actividade criminosa terá de ser apreciado caso a caso em função da contextualidade da cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade criminosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, máxime da prisão preventiva.

  23. “(…), a mera possibilidade de continuação da actividade criminosa não constitui motivo suficiente para caracterizar uma qualquer situação como consubstanciadora de perigo de continuação da actividade criminosa [Acórdão da Relação de Coimbra de 99.06.02 - Recurso nº 1668/99] 28.

    In casu, não foram mencionados factos susceptíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao recorrente, tendo o mesmo assentado apenas em meros juízos abstractos, ecuménicos, não concretizados em factos, como exige o artigo 204.º do CPP.

  24. Sem prescindir e admitindo-se por mera hipótese académica que se verifica algum dos perigos plasmados no art. 204º do CPP, mormente os indicados no despacho, aliás douto, sub judice, sempre se diga que os mesmos, no caso em análise, nunca teriam a carga atribuída pelo tribunal «a quo» para justificar a aplicação da medida mais grave do catálogo coactivo.

  25. De facto, atendendo integração social, familiar e profissional do arguido, as necessidades cautelares que eventualmente existissem podiam ser igualmente satisfeitas através de outras medidas de coacção menos gravosas, nomeadamente e por ordem crescente, as constantes dos arts. 198.º (obrigação de apresentação periódica), 200º (proibição e imposição de condutas) e 201º (obrigação de permanência na habitação) do CPP (quanto a esta última medida, a aplicabilidade resulta do nº 3, do art. 193º do CPP).

  26. Podemos assim concluir que, na aplicação da prisão preventiva ora em causa, não foram observados os princípios e regras que lhe estão subjacentes, designadamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT