Acórdão nº 286/21.7T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO Ação Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Autora M.F.P.S.

Ré F.I.P.S.

Pedido a) Declaração de falsidade parcial da escritura de partilha já celebrada entre as partes na parte em que se refere “que como tornas em numerário recebeu já de sua irmã”; b) Condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de €27.968,39, acrescida de juros moratórios legais desde a data da escritura até ao presente, que se cifram em €16.851,53 c) Condenação da Ré no pagamento dos juros moratórios legais desde a citação para contestar a presente ação até ao efetivo e integral pagamento Causa de pedir A Autora celebrou, em 06-01-2006, com a Ré, sua irmã, e com a falecida mãe, uma escritura de repúdio e partilha de bens da herança aberta por óbito do seu pai M.S., na qual consta que já recebeu de tornas de sua irmã, ora Ré, no valor de €27.968,39, mas que tal não corresponde à realidade.

Mais alega que a escritura pública não faz prova plena do recebimento do valor das tornas por nela não ter atestado o notário que a entrega da quantia foi feita na sua presença.

Contestação Por exceção, alegou a Ré que a Autora age com abuso de direito (na modalidade de supressio), por ter aguardado 15 anos para vir solicitar um pagamento que declarou já ter recebido em escritura pública, pelo que deve ser absolvida do pedido.

Por impugnação, alegou que ela e a irmã já não se falavam na data da escritura de partilhas em causa nos autos, que outorgou a pedido da sua mãe, tendo renunciado a um legado deixado pelo pai para que as irmãs recebessem quantias iguais.

Foi a mãe que tratou de tudo relativo às partilhas. A mesma assegurou-lhe que as contas com a Autora estavam regularizadas, motivo pelo qual esta iria assinar, como assinou, a referida escritura de repúdio e partilhas.

Contestou o pedido de condenação em juros de mora.

Pediu a condenação da Ré como litigante de má-fé, por alegar factos que não correspondem à verdade com o intuito de obter vantagens que bem sabe não lhe serem devidas.

Concluindo, de todo o modo, pela improcedência da ação.

Pronúncia sobre a má-fé A Autora veio pronunciar-se pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé e, em requerimento autónomo, veio requerer a condenação da Ré como litigante de má-fé por bem saber que nunca lhe pagou as tornas.

Respondeu a Ré reiterando o conteúdo da contestação e a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si deduzido.

Designação da Audiência Prévia Por despacho proferido em 27-10-2021 foi ordenada a notificação da Autora para, querendo, se pronunciar sobre as exceções de direito material deduzidas na contestação, sob pena de preclusão desse direito de pronúncia.

[Posteriormente, a autora veio responder às exceções (abuso de direito), pugnando pela improcedência da exceção].

Foi ainda designada audiência prévia ao abrigo do artigo 591.º do CPC, com menção dos fins da mesma.

Audiência Prévia Realizada no dia 02-12-2021. Foi tentada a conciliação, infrutiferamente.

Foi proferido o seguinte despacho: «Notifique as partes, nos termos do disposto nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º3 do C.P. Civil, que o Tribunal pondera proferir Saneador-Sentença nos autos, considerando que é invocada como causa de pedir a falta de pagamento de tornas no âmbito de uma escritura pública de partilhas na qual a ora autora declarou já ter recebido tais tornas, configurando essa declaração uma confissão extrajudicial que só pode ser sujeita a prova em contrário se o declarante juntar documento que configure princípio de prova dessa falta de pagamento ou se houver confissão da parte a quem é pedido o pagamento na contestação, o que não sucede nos autos, (cfr. art.º 371.º, 372.º, e 394.º do C. Civil).» Processado subsequente A Autora pronunciou-se no sentido de estar em causa uma declaração não séria sendo admissível prova testemunhal para averiguação da vontade real dos contraentes cujas declarações se encontram exaradas em escritura pública.

Mais alegando: «(…) encontra-se a compilar documentação, tais como extractos das suas contas bancárias, existentes à data, por forma a provar que tais quantias não foram transferidas nem depositadas.

Tendo já na sua posse documento da conta bancária da CGD, por ela titulada, da qual resulta que nada recebeu à data da escritura de partilha (doc. 1).

Por outro lado, a R. em sede de depoimento de parte poderá vir a confessar os factos alegados na P.I.

Assim, considera a A. que devem os autos prosseguir para a fase de julgamento seguindo-se os ulteriores termos até final.» Juntou o referido doc. 1.

Por sua vez, a Ré pronunciou-se de forma concordante com o sentido indiciado no despacho proferido em audiência prévia, acrescentando: «No mais, a Ré reitera o que já alegou em sede de contestação, que aqui dá por reproduzido e integrado por economia processual.» Saneador-Sentença Foi proferida sentença em sede de saneamento dos autos, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.

Recurso Apelou a Autora, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1.ª Por douto despacho saneador-sentença julgou o Tribunal a quo, de que se recorre, improcedente por não provada a presente ação, absolvendo a Ré do pedido, fundamentando tal decisão no facto de a Autora, não ter apresentado documento que indiciasse a falsidade da declaração exarada na escritura de partilha de 06/01/2006 e tal falsidade não foi confessada em sede de contestação pela recorrida.

  1. Com a devida vénia, a Recorrente não entende assim.

  2. Conforme consta da causa de pedir, a base dos presentes autos consiste numa declaração não séria que foi exarada em documento autêntico, tal como se pode verificar através da análise do pedido formulado.

  3. E isto porque, não obstante constar da escritura de partilha que a Recorrida já liquidou as tornas à Recorrente, tal não corresponde à verdade, uma vez que aquela nunca pagou as tornas.

  4. Somos a entender que a escritura de partilha outorgada em 06/01/2006 não pode fazer prova plena dos factos alegados pelas partes, pois que, nas escrituras notariais, o pagamento de prestação pecuniária declarado pelas partes e que deles constar, apenas faz prova plena se o pagamento tiver sido feito na presença do notário e se este assim o atestar.

  5. Na escritura de partilha não consta que a entrega da quantia em causa ocorreu na presença do Sr. Notário.

  6. Pelo que não pode a referida escritura fazer prova plena apenas e só por se tratar de um documento autêntico.

  7. Mas mais, aquando da outorga da escritura de partilha ora em crise, a declarante emitiu uma vontade, mas sem ânimo de se obrigar e na base de que o destinatário da declaração, in casu, a Ré, lhe conferirá o verdadeiro sentido: falta de seriedade. Pois bem sabe que não pagou.

  8. Assim, considera a jurisprudência maioritária que é admissível o recurso à prova testemunhal na averiguação da vontade real dos contratantes que reduziram as suas declarações negociais a escritura pública, uma vez que se está a interpretar o contexto do documento.

  9. Tal é o que sucede, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/06/2007, processo n.º 0722703, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/03/2021, processo n.º 902/18.8T8GMR.G1.S1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2019, processo n.º 930/12.7TBPVZ.P1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/10/2021, processo n.º 273/14.1T8PVZ.P1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2015, processo n.º 940/10.9TVPRT.P1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/01/2020, processo n.º 902/18.8T8GMR.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

  10. Isto significa que a parte que tem o ónus da prova, in casu, a Recorrente, pode recorrer à prova testemunhal, contudo, apenas “quando existir um princípio de prova escrita suficientemente verosímil” (retirado do saneador-sentença de que ora se recorre).

  11. Ora, em bom rigor, sempre se dirá que foi negada à Recorrente a possibilidade de provar documentalmente, ainda que indiciariamente, que a Recorrida não pagou as tornas e, bem assim...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT