Acórdão nº 940/10.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I - AA intentou contra BB - Soc. Imobiliária, SGPS, SA (actual designação de CC - Imobiliária, SGPS, SA) acção declarativa pedindo a condenação desta:
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A pagar-lhe a quantia de € 137.169,42, acrescida de juros de mora vencidos desde 16-07-09 até àquela data, no montante de € 7.365,81, bem como juros vincendos até integral pagamento; b) A pagar-lhe a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, correspondente às margens de lucro e bónus que se vierem a apurar no termo da execução do projecto de investimento imobiliário referido no art. 32º da petição.
Alegou, para tanto que celebrou com a R. um contrato-promessa escrito, através do qual prometeu ceder e esta adquirir uma quota que detinha na sociedade DD, Ldª, pelo preço de PTE 177.500.000$00. Acordaram, ainda, que a parte que ficou em dívida de tal preço (PTE. 27.500.000$00 ou € 137.169,42) seria paga no prazo de 10 dias a contar do conhecimento pela R. de que a licença de obras de certo prédio rústico se encontrava a pagamento. Mais acordaram, noutro documento, também de 12-01-00, fazer depender o pagamento de parte do preço devido pela cessão de quotas dos resultados que adviessem de um projecto imobiliário a implementar num terreno, em Gaia, da dita DD, Ldª, sendo o valor de PTE 50.000.000$00 caso nele se verificasse um lucro superior a 10% e mais um “bónus” de PTE 37.500.000$00 se aqueles lucros superassem em 20% a margem de lucro do projecto.
Numa declaração escrita com data de 13-03-01, a R. confirmou tais compromissos e em 16-03-01 foi celebrada a escritura do contrato de cessão de quotas prometido, sendo que a quota prometida foi dividida em duas: uma cedida à R. e outra à EE, SGPS, SA, pelos preços de PTE 85.200.000$00 e de PTE 92.000.000$00, respectivamente.
Porém, a R. não pagou o resto da totalidade do preço (de ambas) conforme contrato-promessa (al. b) da cláus. 6ª e referida declaração (PTE 27.500.000$00), apesar de lhe ter sido comunicado, em 29-12-09, que a licença de obras para o empreendimento no aludido prédio já se encontrava a pagamento, conforme foi informada a DD, Ldª em 16-07-09. Também não pagou os referidos “bónus” nem se interessou pela execução do projecto.
A R. contestou e alegou que a declaração de 13-03-01 (fls. 25) só foi assinada pelo seu Pres. do Cons. de Administração e não por quem, em tal data, tinha poderes para a vincular, pelo que a mesma é ineficaz quanto a si; inexiste deliberação social da R. para emissão da dita declaração e para os demais negócios (contrato-promessa, acordo e escritura de cessão de quotas), todos, por isso, ineficazes; daí que nada esteja obrigada a pagar ao A.
Alegou ainda que a R. fazia parte do universo da conhecida “CC” onde se integrava o “BANCO FF” e este negócio é um dos muitos ilícitos e ruinosos ocorridos com aquela; este resultou de um conluio entre o A. e a “CC” e o outro sócio da DD, Ldª, visando, não as quotas, mas a transferência do imóvel, cujo valor, à data, não ultrapassava PTE 80.000.000$00. O A. actuou como funcionário do próprio “BANCO FF” e o expediente engendrado destinou-se a transferir para si quantia que lhe não era devida e permitir que ele saísse e abandonasse as suas funções.
De todo o modo, conforme resulta do declarado pelo A. e seu outro sócio na escritura pública de cessão, ele recebeu a totalidade do preço devido pela cessão de quotas, antes, portanto, da tal emissão da licença de obras.
Quanto ao projectado investimento imobiliário, impugna a factualidade alegada, refere que ele é inviável e não vai sequer executá-lo.
Conclui no sentido de que devem proceder as excepções arguida, nomeadamente de nulidade do negócio ou, caso se entenda existir algum crédito, deve contra ele proceder a excepção de abuso de direito.
Na réplica, o A. impugnou parte da factualidade, designadamente a relativa ao alegado pagamento da totalidade do preço da cessão de quotas. Mantém que lhe foi paga apenas a parte do preço, por transferência em 13-01-00 e que não recebeu a parte do preço aqui peticionada, tendo sido acordado entre A. e R. que os documentos que “vinculavam o referido negócio” eram o contrato-promessa, o acordo e a declaração. A declaração constante da escritura sobre o recebimento da totalidade do preço da cessão não corresponde à verdade, não pode servir de prova do pagamento nem de quitação, nem constitui confissão.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de € 137.169,42, com juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.
A R. apelou e a Relação revogou a sentença, absolvendo a R. do pedido.
A R. interpôs recurso de revista em que alegou essencialmente que:
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O acórdão violou, na sua interpretação e aplicação o disposto nos arts. 342º, nº 2, 347º, 352º, 355º, nºs 1 e 4º, 357º, nº 1, 358º, nº 2, 369º, nº l, 370º, nºs 1 e 2, 371º, nº 1, 393º, nºs 2 e 3, 394º, 395º e 787º, todos do CC.
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A escritura pública é um documento autêntico, cuja força probatória material se encontra regulada no art. 371º do CC, sendo que a regra é que o documento autêntico faz prova plena, salvo demonstração da falsidade quanto à verdade dos factos que neles se referem como praticados pela autoridade ou oficial público, bem como quanto à verdade dos factos nele exarados pelo documentador passados na sua presença e por ele percepcionados.
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No entanto, limita-se essa prova plena aos factos praticados pelo documentador e os por ele atestados, não abrangendo a verdade ou sinceridade desses factos, nem a sua validade, nem a sua eficácia jurídica, pois que tais qualidades não estavam ao alcance da percepção do documentador.
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Ora, a escritura outorgada pelas partes, recorrente e recorrida, apenas faz prova plena que o recorrente declarou já ter recebido o preço, pois o Notário não percepcionou nem atestou tal recebimento.
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Se essa declaração foi verdadeira, livremente prestada, não inquinada de erro, dolo ou outros vícios, já não está a coberto da força probatória plena dos factos documentados, pelo que podem ser impugnados por qualquer meio de prova, nos termos gerais, sem necessidade de arguição da falsidade do documento.
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O respectivo pagamento só estaria coberto pela força probatória plena do documento autêntico, se o Notário tivesse atestado esse facto através de percepção sua directa ou seja, que tal pagamento haja sido feito na sua presença, o que não ocorreu.
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Assim, só está plenamente provado pela escritura que o recorrente declarou já ter recebido o preço, e nada mais, designadamente que a declaração corresponda à verdade.
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Com efeito, não veda o regime do art. 371º, nº l, do CC, a possibilidade de demonstração da falta de correspondência à verdade do facto declarado ou estar ele inquinado de vício que o torne inválido, sendo passível de demonstração e impugnação por qualquer meio de prova.
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Na verdade, o que está verdadeiramente em causa é a demonstração de que, apesar do que ficou a constar da escritura outorgada em 16-3-01, e pese embora a outorga da mesma [que foi realizada no prazo de um ano a contar da data da assinatura do contrato promessa, conforme clausula sétima deste], o que realmente regia e continuaria a reger as relações entre os outorgantes quanto ao pagamento do remanescente do preço da cessão de quotas, era o clausulado no contrato promessa celebrado a 12-1-00.
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Que assim é, demonstra-o o articulado inicial e respectivos documentos que o instruíram, com enfoque para o contrato-promessa e a declaração assinada pelo administrador da recorrida, com aposição do carimbo, três dias antes da outorga da escritura, onde refere expressamente que "para os devidos efeitos declaramos que a CC IMOBILIÁRIA, SGPS, S.A. pagará a AA … a quantia de Esc. 27.500.000, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento pela signatária da emissão da licença de obra para o prédio rustico (...) nos termos previstos na alínea b} da cláus. 6ª do Contrato-Promessa de Cessão de Quotas assinado em 12-1-00, (...) entre a signatária e AA”.
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Nos termos do supra exposto, estamos perante um começo de prova escrita, que tornou verosímil o facto a provar, sendo por isso de admitir a prova testemunhal e demais provas nos autos.
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A factualidade provada nos autos demonstra inequivocamente que a declaração confessória de recebimento do preço constante da escritura foi suficientemente contrariada pela prova produzida [documental, testemunhal e pericial], que no seu conjunto e pela sua harmonização tornou verosímil, certo e seguro, que tal declaração não foi verdadeira e que o remanescente do preço não foi recebido pelo recorrente.
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A factualidade provada nos autos demonstra que não foi exibido qualquer comprovativo de pagamento (tendo ta) documento sido requerido pelo recorrente para efeitos de contraprova), nem tampouco as testemunhas confirmaram o recebimento do remanescente do preço da cessão.
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O recorrente e a recorrida celebraram em 12-1-00, um contrato promessa de cessão de quotas da DD, Ldª, tendo sido acordado e estipulado o preço global de 177.500.000$00 (€ 885.366,27, que seria pago ao recorrente nos seguintes termos: O montante de 150.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento do preço, com a assinatura do contrato promessa de cessão de quotas.
O montante de 27.500.000$00, no prazo de dez dias, a contar do conhecimento pela recorrida, de que a licença de obras do prédio rústico, inscrito na matriz sob o art. …, freguesia de …, Vila Nova de Gaia, com área de 19.500m2, descrito na CRP de Vila Nova de Gaia, sob o nº …61, a fls. 60 - V, LB-41, se encontrava a pagamento (cfr. contrato-promessa de cessão de quotas junto aos autos) [doc. 2 da P.I.].
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Assim, acordaram as partes ab initio, dois momentos distintos para o pagamento do preço da cessão de quotas, ocorrendo o vencimento da primeira prestação (a título de sinal e princípio de pagamento do preço) aquando da assinatura do contrato promessa (o que veio a ocorrer); e o vencimento da segunda...
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