Acórdão nº 207/22.0PBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução08 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de inquérito n.º 208/22...., que começaram por ser tramitados sob a forma de processo sumário – sendo, posteriormente, remetidos para inquérito e apensados aos autos de inquérito n.º 207/22.0PBEVR, que correm termos no DIAP ..., 1ª Secção –, em que é arguido AA, o Ministério Público proferiu despacho, datado de 29/03/2022, decidindo não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do processo sumário e da suspensão provisória do processo, nesse momento, sem prejuízo de nova reapreciação superveniente.

1.2. Notificado de tal despacho, o arguido veio arguir a nulidade do mesmo, em requerimento dirigido ao Senhor Juiz de Instrução Criminal, tendo este último, após pronúncia do Ministério Público – que considerou não existir qualquer nulidade que devesse suprir –, proferido despacho, em 08/04/2022, sob a Ref.ª 31676997, em que se declarou materialmente incompetente para apreciar as nulidades invocadas pelo arguido.

1.3. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões: «A - Foi proposto pelo MP a Suspensão Provisória do Processo por um crime de detenção de arma proibida B - O MP avançou literalmente com a proposta de Suspensão Provisória do Processo C - Impondo em alternativa uma das duas injunções e regras de conduta: «Prestar 90 horas de trabalho a favor da comunidade(…)» ou « entregar 450,00 euros a instituição de utilidade pública da área da residência(…)» D - Como estratégia processual, o arguido remeteu-se ao silêncio, direito previsto no art. 61º nº 1 d) do CPP e art. 32º da Constituição da República Portuguesa E - O art. 281º do CPP não obriga o arguido a partilhar, contar, divulgar a sua versão dos factos, sendo admissível e legal que se remeta ao silêncio, beneficiando simultaneamente da Suspensão Provisória do Processo.

F - Ao Oficial de Justiça do Ministério Público presente no dia do interrogatório, Sr.º BB, foi-lhe comunicado verbalmente (tanto pelo arguido como pelo mandatário) que o arguido não iria prestar declarações ao abrigo do direito ao silêncio, art. 61º do CPP, tendo ainda ficado escrito em acta no auto de interrogatório. Visualizou e presenciou que o arguido se remeteu ao silêncio e de forma consciente e intencional, o Oficial de Justiça do Ministério Público, propôs ao arguido se concordava com a Suspensão Provisória do Processo «Seguidamente foi-lhe proposto se concorda com a suspensão provisória do processo» (Cfr Auto de Interrogatório Refª 31635890) G - O arguido replicou que «(…) concorda com a proposta de suspensão provisória do processo(…)» apresentada pelo Ministério Público. Aceitação essa feita sem qualquer tipo de reservas. (Cfr Auto de Interrogatório Refª 31635890) H - O arguido concordou entregar os 450,00 € indicando a associação “Cantinho dos Animais” para o efeito.

I - A proposta do MP é uma declaração receptícia e oficiosa, art. 224º do CC, mediante a aceitação do arguido ela ganhou eficácia e se tornou insuscetível de revogação. Restando apenas a condordância do Juiz de Instrução Criminal do acordo existente.

J - Para que o Juiz de Instrução Criminal possa concordar com a Suspensão Provisória do Processo, o processo tem que lhe ser, obrigatoriamente, concluso para prolação de decisão K - O MP de forma unilateral e contra legem não remeteu o processo para apreciação do Juiz de Instrução Criminal após o acordo estar já celebrado.

L - Contrariamente e sem sustento legal, o MP decidiu posteriormente “melhor” compulsar os autos M - O MP só “melhor” compulsou os autos, após o arguido se ter remetido ao silêncio N - O MP refere em promoção de 6 de Abril de 2022, Refª 31665174, que foi «levantada a sugestão de SPP ao arguido».

O - Não existe a figura processual da “Sugestão de Suspensão Provisória do Processo”.

P - A Suspensão Provisória do Processo ou é proposta, ou não o é. E no caso sub judice foi proposta e aceite.

Q - Reductio ad absurdum, a existência da figura processual de “Sugestão de Suspensão Provisória do Processo”, permitiria o surgimento de novas figuras processuais no direito português como a “sugestão de testemunha”, passando pela “sugestão de arquivamento” até a “sugestão de arguido”, terminando na “sugestão de acusação”… R - Face à promoção Refª 31637520 de 29 de Março de 2022, o arguido apresentou requerimento no dia 6 de Abril de 2022 no Juízo de Instrução Criminal a arguir diversas nulidades.

S - O despacho do Juízo de Instrução Criminal de ... (Refª 31676997) assenta nos pontos transcritos nas Motivações do presente recurso.

T - São, em sede de recurso levantadas seis (6) objeções relativamente ao despacho supra U - Primeiro, em momento algum é questionada ou levantada a questão da titularidade da acção penal do MP. Nem é ela premente.

V - Segundo, os poderes do Juiz de Instrução Criminal não se limitam aos art. 268º e 269º do Código de Processo Penal. O art. 281º do CPP é disso exemplo W - Há competência do Juiz de Instrução Criminal concordar ou não, e portanto de homologar ou não, o acordo sobre a Suspensão Provisória do Processo entre o MP e o arguido X - Caso os poderes do Juiz de Instrução Criminal fossem limitados aos arts. 268º e 269º do Código de Processo Penal, jamais o Juiz de Instrução Criminal poderia dar a sua concordância à Suspensão Provisória do Processo a que se refere o art. 281º do Código de Processo Penal, tornando o art. 281º letra morta.

Y - Terceiro, o Exmº Juiz de Instrução Criminal cita a «Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº77/XII», a citação utilizada não se aplica ao caso em discussão Z - De facto nem na citação usada nem na «Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº77/XII» é abordada a questão da concordância do Juiz de Instrução Criminal sobre a Suspensão Provisória do Processo, após acordo do MP e do arguido. A exposição é omissa nesta questão.

AA - A exposição de motivos aborda por um lado, a questão da “oportunidade” da Suspensão Provisória do Processo. Portanto, do juízo de vantagem de o MP a ela recorrer. Juízo esse que é realizado a priori, antes da existência de um acordo ou da proposta de acordo. Por outro lado, aborda a questão da sua fiscalização a posteriori, logo, após a concordância do Juiz de Instrução Criminal, num plano de controlo posterior “administrativo” pelo MP do cumprimento das injunções e regras de conduta.

AB - Quarto, o art. 281º do CPP refere que o MP, a requerimento do arguido, do assistente, ou oficiosamente determina a Suspensão Provisória do Processo.

AC - Foi o MP que oficiosamente propôs a Suspensão Provisória do Processo, não foi o arguido.

AD - Se o MP propõe e oficiosamente determina que o processo vá para Suspensão Provisória do Processo, se oficiosamente o arguido o aceita, caberá, oficiosamente, ao Juiz de Instrução Criminal concordar ou não com esse acordo, homologando-o ou não. O processo é como que avocado temporariamente ao poder judicial e é nesse hiato processual e temporal no qual a esfera de actuação do Juiz de Instrução Criminal é soberana.

AE - Quinto, o despacho proferido provoca uma consequência prática, a erosão do poder judicial e em concreto a diminuição dos poderes de decisão em sede de Suspensão Provisória do Processo do Juiz de Instrução Criminal para o MP.

AF - O despacho do Exmº Juiz de Instrução tolera o intolerável, a desautorização do poder do juiz, permitindo que o pseudo “argumento” da titularidade da acção penal se imiscua e sobreponha à reserva de poder do juiz, cuja legitimidade radica do art. 281º do CPP AG - Tolerado o precedente seria permitido ao MP, neste e noutros processos, que em sede da titularidade da acção penal, até mesmo “oficiosamente”, dar o oficioso por não oficioso, ou a proposta como… “sugestão”, com os inevitáveis abusos supervenientes que daí possam advir.

AH - Sexto, tudo somado e apesar de não estarmos em sede de sentença do art. 379º do CPP, na realidade existe uma flagrante omissão de pronúncia às questões suscitadas pelo arguido, e em especial, à questão do não envio ao Juiz de Instrução Criminal da existência de um acordo sobre a Suspensão Provisória do Processo.

Pelo que se requer a V. Exas que: 1º - Seja revogado o despacho Refª 31676997 do Exmº Juiz de Instrução proferido no dia 8 de Abril de 2022 2º - Seja declarada nula a promoção datada de 29 de Março de 2022, Refª 31637520 do Digno Procurador 3º - Seja ordenado o envio do presente processo para o Juízo de Instrução Criminal de ... para apreciação da Suspensão Provisória do Processo pelo Exmº Juiz de Instrução Decidindo assim farão V. Exas…Justiça.» 1.4. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1. Inconformado com a decisão proferida pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal, por d. despacho de 08-04-2022, que decidiu pela incompetência «para apreciar as nulidades invocadas pelo arguido», o arguido vem dele interpor recurso, por considerar existir uma flagrante omissão de pronúncia quanto às questões suscitadas pelo arguido, em especial, à questão do não envio pelo MP ao Juiz de Instrução Criminal da existência de uma acordo de suspensão provisória do processo.

  1. O arguido, em suma, considera que, uma vez proposta a suspensão provisória do processo e uma vez que o arguido a aceitou, caberia, oficiosamente, ao Juiz de Instrução criminal concordar ou não com a mesma, homologando-a ou não, isto, não obstante, o MP ter entendido não ser de aplicar tal instituto.

  2. Contudo, é ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, que compete decidir, em primeira linha, sobre a oportunidade da suspensão provisória do processo.

  3. No caso vertente, tendo o arguido optado por não prestar declarações quanto aos factos que lhe são imputados, no uso da faculdade legal que lhe assiste, o MP entendeu não ser de aplicar a...

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