Acórdão nº 26/19.0T9STC.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução08 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório Foi proferida decisão instrutória de não pronúncia da arguida AA pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do Código Penal, que lhe vinha imputado em acusação particular do assistente BB.

Inconformado recorre este último, suscitando, em síntese, a seguinte questão: - saber se as expressões proferidas pela arguida, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas, revestem dignidade penal, consubstanciando o tipo de crime de difamação imputado na acusação particular.

* O MP e a arguida responderam ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação o Exº PGA pronunciou-se no mesmo sentido.

* II- Fundamentação Despacho recorrido (parte relevante) “BB constituiu-se assistente nestes autos.

Na qualidade de assistente, BB veio deduzir acusação particular, no qual imputa à arguida AA a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.

º, n.º 1, do Código Penal – fls. 123 a 125, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular – fls. 130 e 131.

Não se conformando com a acusação particular, AA requereu a abertura de instrução, nos termos melhor constantes do respetivo requerimento, constante de fls. 156 e seguintes. Termina peticionando despacho de não pronúncia.

Foi proferido despacho de admissão da instrução.

No inquérito foi produzida prova testemunhal e documental. Na instrução, não se procedeu à produção de prova.

Não se vislumbrando qualquer outro ato instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade material, realizou-se o debate instrutório, mediante a observância dos formalismos legais, nos termos dos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do CPP, cumprindo agora, nos termos do artigo 308.º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória… … Da fundamentação de facto Factos suficientemente indiciados constantes da acusação particular do assistente: - Dão-se como indiciados os factos elencados de 1 a 4 da acusação particular constante de fls. 123 e seguintes.

Não resultam indiciados quaisquer outros factos relevantes para o que cumpre apreciar, ou os mesmos não assumem qualquer relevância no âmbito do objeto destes autos.

Em sede de inquérito, foram realizadas as diligências que se afiguraram úteis para apurar os factos ocorridos, determinar os seus agentes e sua responsabilidade, bem como recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação. De tudo, não restam dúvidas da utilização de tal expressão pela arguida, em conformidade com a prova documental carreada para os autos.

Efetivamente, nestes autos não existe efetiva factualidade controvertida porquanto o essencial que cumpre decidir é se as palavras proferidas pela arguida são suscetíveis ou não de constituírem ilícito criminal. Ou seja, do que se trata nestes autos é tão-só se averiguar se a expressão utilizada pela arguida configura a prática de qualquer ilícito de natureza criminal. Ora, face à prova documental carreada para os autos não restam dúvidas da utilização de tais expressões pela mesma. Da análise da prova carreada para os autos – devidamente articulada e conjugada entre si – dão-se as expressões reproduzidas na acuação particular como suficientemente indiciadas. A questão dos autos é, pois, e acima de tudo, uma questão de Direito.

Da fundamentação de direito BB veio deduzir acusação particular, no qual imputa à arguida AA a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.

º, n.º 1, do Código Penal.

O crime de difamação está previsto nos artigos 180.º e 181.º do Código Penal, resultando a agravação do artigo 184.º e a equiparação está preceituada no artigo 182.

º do mesmo Código, que se transcrevem: Artigo 180.º Difamação 1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.

4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

… São elementos do tipo objetivo do crime de difamação que o agente (I) se dirija a outra pessoa e (II) impute um facto, formule ou reproduza um juízo de valor ofensivo da honra ou da dignidade de terceiro. Esta imputação basta-se com factos desonrosos ou com juízo de valor de carácter desonroso ou ofensivo, admitindo o dolo em qualquer das suas modalidades. Afasta-se a punibilidade quando o facto imputado for verdadeiro a sua divulgação prosseguir interesses legítimos.

Com estas incriminações, a nossa lei procura tutelar o bem jurídico honra e consideração, entendido como um “bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior” – cfr. Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, página 607.

A honra e consideração pessoal têm assento constitucional nos artigos 25.º (direito à integridade pessoal) e 26.º (direito à protecção do bom nome) da Constituição da República Portuguesa.

Nas palavras de Augusto Silva Dias, sobre o conteúdo do artigo 26.º da C.R.P. “Como explicitação directa do princípio da dignidade humana integra este núcleo essencial representativo da dimensão existencial do homem, pelo que, sem a sua proteção perante certas agressões, não é concebível o desenvolvimento social da pessoa.

O seu conteúdo é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição, não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém.

” (cfr. “Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias”, A.D.F.D.L., 1989, pg. 17).

E quanto à noção de honra e consideração, é expressiva a definição dada por Beleza dos Santos, “a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale.

A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público” (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 92.°, págs. 161 e 168).

O preenchimento deste tipo legal de crime implica que sejam feitas imputações directas de 1) factos (ainda que meramente sob a forma de suspeita) que constituem algo objectivo, um acontecimento da vida real, um fenómeno da natureza ou manifestação concreta dos seres vivos, em particular os actos praticados pelas pessoas ou os seus comportamentos, podendo provar-se que aconteceram, uma vez que se tratam de realidades objectivas, ou de 2) juízos que constituem apreciações valorativas ou manifestações de uma opinião de quem os emite, produto de determinada reflexão e da sua perspectiva das coisas e do mundo.

Contudo, tais factos ou juízos devem ser objetivamente ofensivos da honra e consideração de uma pessoa.

De facto, da natureza subsidiária do direito penal, decorrente do princípio da necessidade enquanto matriz orientadora em matéria de direitos fundamentais e princípio jurídico-constitucional previsto no artigo 18.°, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, emerge o princípio da intervenção mínima do direito penal, por via do qual este não deverá intervir quando seja possível proteger o bem jurídico – com idêntica ou superior eficácia - através de distintas e menos onerosas intervenções tutelares (cfr. Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 683).

A conduta, para integrar o tipo legal de injúria e de difamação, deve ser, pois, adequada a produzir a ofensa nos bens jurídicos tutelados.

“A adequação das expressões para atingir o bem jurídico protegido deve ser feita, não de acordo com a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja (o direito penal protege direitos fundamentais dos cidadãos e não particularidades deste ou daquele sujeito), mas sim tendo em conta a dignidade individual a que todos têm direito.

” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 09.02.2011, no processo n.º 831/09.

6TACBR.C1, acessível em www.dgsi.pt).

A par da sua valência subjectivo-individual, os direitos fundamentais têm uma dimensão marcadamente objectiva. Como defende Vieira de Andrade “os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade como valores ou fins que esta se propõe prosseguir” – cfr. Vieira de Andrade, in “Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976”, Almedina, pág. 144.

Ora, nem todo o facto ou juízo que envergonha, humilha e/ou perturba cabe na previsão objectiva do artigo 181.º do C.

P..

Não é qualquer comportamento incorrecto ou indelicado que merece tutela penal, devendo distinguir-se as situações que integram um ilícito penal das demais condutas que serão indelicadas, grosseiras ou reveladoras de má educação do agente, mas que, não obstante, não configuram qualquer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT