Acórdão nº 1534/21.9T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1534/21.9T8BJA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Central de Competência Cível e Criminal de Beja – J4 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por S... Limited contra “S1... Limited”, a Autora veio interpor recurso do despacho saneador, que decidiu que a demandada S2... Limited não estava dotada de personalidade jurídica para os termos da causa. * A presente demanda está intentada contra a S2... Limited, representação permanente em Portugal, da S1... Limited, sociedade de direito inglês com sede no ....

* A sociedade Autora pedia que fosse: I – reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o prédio misto designado “...” sito na freguesia ..., ..., inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo ... da secção R e na matriz urbana sob o artigo ...98, o qual proveio do artigo ...60 da freguesia ... e ... e este por sua vez do artigo ...10 da freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ..., com 234.750 m2.

II – reconhecida a ocupação pela Ré de 15.779 m 2 do terreno da Autora.

III – ordenada a restituição do prédio misto designado “...” sito na freguesia ..., ..., inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo ... da secção R e na matriz urbana sob o artigo ...98, o qual proveio do artigo ...60 da freguesia ... e ... e este por sua vez do artigo ...10 da freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... da freguesia ..., com 234.750 m2 livre de pessoas e bens.

IV – ordenada a demolição das casas e cerca ali existentes, suportando a Ré todos os custos com a restituição e demolição das construções ali implantadas.

V – condenada a Ré ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsiva por cada dia de atraso na entrega do imóvel, não inferior a € 500,00 dia.

VI – condenada a Ré ao pagamento de todos os custos inerentes à restituição.

VII – condenada a Ré a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da Autora do prédio em causa.

* S2... Limited” apresentou contestação, afirmando a sua ilegitimidade para os termos da acção, por a proprietária do prédio que confina com o prédio a Autora ser a sociedade de direito inglês, denominada “S1... Limited”.

Na defesa apresentada invoca ainda a aquisição da faixa de terreno em causa por usucapião e o abuso de direito, apresentando ainda pedido reconvencional.

* O pedido reconvencional tem a seguinte configuração: i. Ser S1... Limited declarada a única e exclusiva proprietária do prédio ... R, conforme demarcação existente, dada a sua aquisição por usucapião.

ii. Condenada a Autora no reconhecimento desse direito.

iii. Seja ordenado o registo na Conservatória do Registo Predial do referido prédio e inscrito na matriz predial rústica, conforme demarcação existente a favor da Ré.

* Em 15/01/2022, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Afigurando-se-nos que a contestação foi apresentada quando já se mostrava decorrido o prazo de trinta dias para o efeito [citação datada de 29/11/2021], Notifique-se a Ré para, querendo e no prazo de cinco dias, se pronunciar [artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.]».

* Em 31/01/2022, a Ré pronunciou-se, dizendo, em síntese, que é uma mera representação permanente de uma sociedade de direito ... e que o local da representação é efectivamente o domicílio profissional da sociedade civil de responsabilidade limitada “...”.

Adianta também que a citação foi recebida por uma funcionária administrativa da signatária e, por isso, ao ter sido efectuada em pessoa diversa do Réu, que não tem uma relação de subordinação hierárquica e funcional à administração, gozava do período de dilação de 5 dias.

* Em 11/02/2022, o Meritíssimo Juiz de Direito prolatou despacho em que dizia: «Nada por ora a determinar, além da notificação da contestação ao Autor».

* Em 21/02/2022, a Autora veio, ao abrigo do princípio da cooperação, pedir a clarificação do despacho nos seguintes termos: «se na verdade a notificação ordenada respeita à contestação ou, se tal se deveu a um manifesto lapso – como julgamos ser o caso, pretendendo o despacho referir-se ao requerimento da Ré pugnando pela tempestividade da contestação, e no caso do despacho respeitar à contestação qual o fundamento legal para o mesmo».

* Em 25/02/2022, o Julgador a quo esclareceu que não existia qualquer lapso de escrita e concluiu dizendo que: «Se o tribunal não se pronunciou ainda, foi porque entendeu não o poder fazer.

Não cabendo aqui, naturalmente, fazer qualquer tipo de pré-anúncio sobre as razões que tanto motivam; no momento considerado o adequado pelo Tribunal, que não o presente, haverá pronúncia».

* Em 07/03/2022, a Autora “S... Limited” insistiu no pedido de declaração da intempestividade da contestação e do respectivo desentranhamento.

* Em 11/03/2022, o Tribunal pronunciou-se no sentido de aguardar o exercício do contraditório.

* Em 31/03/2022, a Autora “S... Limited” apresentou terceiro articulado, no qual toma posição relativamente à defesa por excepção e ao pedido reconvencional, concluindo nos seguintes termos: I – ser a contestação desentranhada por extemporânea, com as devidas e legais consequências legais sem prescindir, por cautela.

II – admitir a intervenção provocada da sociedade “S1... Limited”, devendo a mesma ser citada contestar, querendo; III – considerar improcedentes por não provadas as excepções deduzidas.

* Em 06/04/2022, o ... despachou o seguinte: «Lido o teor da petição [a causa de pedir: ato lesivo da propriedade com a ocupação da mesma], entendido o objeto da demanda [ação real de defesa da propriedade] e não sendo imputada qualquer conduta à entidade S2... Limited [na verdade, tampouco foi a ré assim apelidada], concede-se contraditório a ambas as partes quanto à falta de personalidade judiciária da Ré S2... Limited e convida-se a Autora a, querendo, sanar tal falta de pressuposto processual fazendo intervir a administração principal [podendo manifestar vontade de convolação do incidente de intervenção já intentado em sede de réplica para tais efeitos, devendo, não obstante, proceder à liquidação da taxa de justiça devida]».

* Em 26/04/2022, a Autora “S... Limited” renova o entendimento que a extemporaneidade da contestação, a qual precede a apreciação de qualquer outra questão e entende que é manifesta a personalidade judiciária da Ré.

* Em 31/05/2022, foi proferida decisão que considera o articulado de contestação extemporâneo, indefere a intervenção de “S1... Limited” a título de pluralidade subjetiva subsidiária e julga verificada a excepção de falta de personalidade judiciária da Ré.

* Após discorrer sobre os aspectos teóricos do pressuposto processual, em termos latos o Meritíssimo Juiz de Direito sufraga a posição que a acção real de defesa da propriedade não se subsume ao n.º 2 do artigo 13.º do Código de Processo Civil e na sua parte mais relevante a decisão ficou assim fundamentada: «(…) A S2... Limited não tem esfera jurídica.

A relação é sempre com a sociedade representada.

A S2... Limited, não tendo personalidade jurídica, pode ter personalidade judiciária, coloquialmente dizendo: vida no processo.

Tal será aferido nos termos do artigo 13.º do CPC.

Representará neste caso a sociedade em causa, sobre cuja esfera jurídica se irão produzir os efeitos a assacar pela sentença judicial.

Quando, além de não ter personalidade jurídica, também não tenha personalidade judiciária, então é um ente sem existência jurídica, fora ou dentro do processo.

Por não ser a sucursal dissociável da sociedade que representa, quando indevidamente for demandada, por não ter personalidade judiciária, permite o legislador a sanação de tal falta de pressuposto processual mediante a intervenção com ratificação ou repetição do processado, nos termos do artigo 14.º do CPC.

E pela mesma precisa razão, carece de sentido a demanda simultânea da sucursal e da administração principal, seja em que termos for, designadamente a intervenção a título de pluralidade subjetiva subsidiária ao abrigo do artigo 39.º do C.P.C.: nunca pode haver dúvida sobre o sujeito da relação jurídica: é sempre a sociedade representada – a administração principal.

Ora, ante o supra exposto, forçoso é concluir, carecer a Ré de personalidade judiciária.

O que constitui exceção dilatória [artigo 577.º, alínea c), do C.P.C.] de conhecimento oficioso [artigo 578.º do C.P.C.].

Foi a Autora convidada a sanar tal pressuposto processual, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2, do C.P.C., fazendo intervir a administração principal, por requerimento autónomo ou ainda, por apelo à simplificação e agilização processual nos termos do número 1 do mesmo artigo, mediante vontade de convolação da intervenção requerida a título de pluralidade subsidiaria em sede de réplica para os efeitos agora em causa.

A Autora não respondeu afirmativamente ao convite, num modo ou noutro.

Assim, e nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea c) e 576.º, n.º 2, do C.P.C., deverá a Ré ser absolvida da instância».

* A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações apresentam as seguintes conclusões: «A. A causa de pedir tem em vista a defesa da propriedade da Recorrente a qual alega a ocupação da mesma pela Recorrida.

  1. O Tribunal a quo decidiu que a parte não era legitima por entender que a sociedade S2... Limited não era proprietária do terreno continuo à Recorrente, e por não ser a proprietária, no seu entendimento não seria a pate legitima.

  2. Tal entendimento está errado desde logo porque a...

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