Acórdão nº 297/22.5GAVNO-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No processo de inquérito n.º 297/22.5GAVNO, do Juízo de Instrução Criminal (J…) de … do Tribunal Judicial da Comarca de …, o arguido AA interpôs recurso do despacho da Sr.ª Juíza de Instrução Criminal que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva, após 1.º interrogatório de arguido detido

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1 – Vem o presente recurso interposto do douto despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente

2 – O recorrente coloca à apreciação de V. Exas. se deve ou não ser mantida a decisão recorrida de aplicação da medida coação prisão preventiva

3 – No caso concreto, inexistem os fundamentos que justifiquem, por parte da Meritíssima Juiz, a aplicação de prisão preventiva

4 – O recorrente não prestou declarações

5 – Os autos não se encontram dotados de indícios – pelo menos fortes – que permitam cominar o recorrente com a prática do crime de que lhe é imputado

6 – Encontra-se por determinar a participação do arguido/recorrente no cometimento do ilícito que se lhe encontra assacado

7 – Nos termos do artigo 202º, nº 1, al. a), do C.P. Penal, a prisão preventiva só é aplicável se existirem fortes indícios de prática de atividade ilícita

8 – Com fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas, mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objetivadas a partir dos elementos recolhidos

9 – Considera o recorrente não existirem fortes indícios da prática do crime que lhe é imputado, pois deles não resulta uma possibilidade razoável de lhe vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (nº 2 do artigo 283º do C.P. Penal)

10 – A prisão preventiva não tem assim condições para subsistir, pois não tem a apoiá-la uma forte indiciação

11 – A medida de coação imposta ao recorrente e traduzida, nos termos dos artigos 201º e 202º, do C.P. Penal, na prisão preventiva viola o disposto nos artigos 201º, 202º e 204º, todos do C.P. Penal, assim como é violadora dos princípios da legalidade, proporcionalidade e adequação a que se encontra obrigado o julgador na sua ponderação, devendo optar-se pela revogação da medida de coação imposta

12 – Pelo que, deverá a medida de coação imposta ao recorrente ser revogada e o recorrente ficar sujeito á medida de coação de termo de identidade e residência já prestado.” Termina pedindo: “Nestes termos e nos melhores de direito deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!” O recurso foi admitido

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): 1- Pretende o recorrente a revogação do despacho que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, reputando como desconforme ao princípio da proporcionalidade (lato sensu) a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e, principalmente, sustentando a inexistência de fortes indícios da prática do crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código Penal

2- O Ministério Público considera nenhuma razão assistir ao recorrente na sua pretensão, propugnando-se pela manutenção da decisão de aplicação ao recorrente da medida de coacção de prisão preventiva, além do termo de identidade e residência já prestado

3- Resulta já fortemente indiciado o cometimento, pelo recorrente, dos factos elencados na decisão recorrida, juízo esse alicerçado em múltiplos elementos probatórios, de diferente natureza e fonte, que concatenados, se revelam persistentemente e coerentemente incriminadores, não obstante inexistir, por ora, prova directa da autoria dos factos

4- Prius, a documentada circunstância do recorrente residir na mesma localidade (…, …) onde deflagrou o incêndio; 5- Secundu, a documentada circunstância do recorrente ter adquirido um isqueiro, no mesmo dia em que deflagrou o incêndio, enquanto se encontrava num café, denominado “…”, onde consumiu bebidas alcoólicas, conforme resulta do auto de inspecção judiciária

Objecto esse tendente à utilização na deflagração do incêndio, considerando o demonstrado facto do incêndio ter deflagrado através de ignição por “chama directa”, conforme resulta da ficha de determinação de causas de incêndio junta aos autos

6- Tercius, a documentada circunstância do incêndio ter tido origem em dois focos geográficos distintos, mas próximos (cerca de 100 metros), conforme resulta do teor da ficha de determinação de causas de incêndio, do auto de inspecção judiciária e do relatório de exame pericial

O que se harmoniza com o facto – relatado por duas testemunhas, BB e CC, residentes em moradas diferentes, de ruas diferentes -, de terem avistado um individuo – que identificaram como sendo o recorrente - a circular num ciclomotor, precisamente nos dois locais adjacentes aos dois pontos de início do incêndio, momentos antes de terem constatado a deflagração das chamas

7- Quartus, a declaração de ambas testemunhas, que atestaram as características do ciclomotor (motorizada) conduzido, em tudo semelhantes às características do ciclomotor pertencente ao recorrente, objecto de reportagem fotográfica junta aos autos

8- Quintus, o facto de o recorrente ter já sido condenado pela prática do mesmo crime, conforme resulta do seu certificado de registo criminal, o que – pelo menos – é indiciador de uma personalidade contrária ao Direito

9- Sextus, a ausência de qualquer alegação ou demonstração de uma versão alternativa dos factos ou hipótese subjectiva alternativa, que fosse susceptível de abalar a mais que certeira, razoável e objectiva inferência da visão global de toda a prova indiciária recolhida: a forte indiciação de que o recorrente cometeu os factos descritos

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que ao recurso interposto deve ser negado provimento

Procedeu-se a exame preliminar

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1)

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: “Interrogado o arguido e analisados os elementos de prova concretamente indicados na promoção constante de fls. 120 a 123, julgam-se fortemente indiciados, os seguintes factos: 1. No dia 10-07-2022, momentos antes das 19h10m, o arguido AA dirigiu-se a terreno florestal, composto por mato, vegetação rasteira e árvores de variada natureza, sito numa estrada de terra batida na Rua…, em …, … conduzindo a sua motorizada …

  1. Aí chegado, o arguido dirigiu-se para o interior do espaço florestal, junto à berma da referida estrada rural, e de forma não concretamente apurada, ateou fogo à vegetação rasteira e seca que aí se encontrava, que, de imediato começou a arder

  2. Em seguida, o arguido abandonou o local, utilizando o seu ciclomotor, altura em que foi avistado por BB

  3. O ateamento realizado pelo arguido provocou chamas, tendo ardido uma área de 0.1994 hectares de mato e árvores

  4. Porquanto, a propagação do fogo foi impedida pela imediata dos populares e pela rápida intervenção dos Bombeiros Voluntários de … que se encontravam nas imediações no combate a outro incêndio

  5. Evitando, deste modo que as chamas se propagassem ao restante espaço florestal e às habitações contíguas, evitando prejuízos materiais e pessoais. 7. O local do incêndio é composto por vegetação arbustiva abundante, árvores e mato e está inserido numa mancha contínua de terreno florestal, sendo confinante com habitações, que distam cerca de 30 metros do local

  6. Naquela data e hora, o tempo estava seco, com elevadas temperaturas (máxima de 41ºC), baixa humidade (cerca de 11% nos combustíveis finos) e vento moderado, condições propícias à rápida propagação do incêndio

  7. Nesse dia, o risco de incêndio no concelho de … era de nível máximo, decorrendo o período crítico de risco de incêndios rurais

  8. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente com propósito concretizado de atear fogo em pleno verão, sabendo existirem, naquele dia, temperaturas elevadas e condições climatéricas adversas e, em consequência, queimar e destruir as árvores e vegetação existentes e contíguas ao local

  9. O arguido conhecia bem as características daquele terreno florestal e a sua densa vegetação arbustiva, e bem sabia que ao produzir fogo sobre aquelas vegetações, produzia as condições necessárias à propagação das chamas ao mato, arbustos e árvores ali existentes, o que veio a suceder, e que só não teve consequências ainda mais gravosas devido à pronta intervenção dos Bombeiros

  10. Mais sabia que que o local se encontrava próximos de habitações e que assim as chamas que ateou poderiam atingi-las, causando danos para as mesmas e perigo para as vidas e para a integridade física dos seus habitantes

  11. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei

    Mais resultam indiciados os seguintes factos: 14. O arguido é solteiro e reside com os pais

  12. O arguido é …, auferindo a título de remuneração o valor de €40,00 por dia

  13. O arguido tem o 5.º ano de escolaridade 17. O arguido já foi condenado por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 502/13.9GAVNO, que...

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