Acórdão nº 128/20.0JELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

No processo n.º 128/20.0JELSB da Comarca de Setúbal – Juízo Central Criminal – Juiz 3, e na sequência de acusação deduzida pelo Digno Mº Pº, foi proferido Acórdão, condenando os arguidos, AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nacional da República ..., nascido em .../.../1968, solteiro, empresário, residente na Rua ..., nº ..., Apartamento ..., ..., ..., atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 10 (dez) anos de prisão; DD, filho de EE e de FF, natural de ..., nacional da República ..., nascido em .../.../1985, casado, diretor operacional de armazém, residente na Avenida ..., nº ..., ..., atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 9 (nove) anos de prisão ; e GG, filho de HH e de II, natural de ..., nacional da República ..., nascido em .../.../1978, casado, empresário, residente na Rua das ..., nº 2, ..., ..., ..., atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ..., em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, por referencia à tabela I-B anexa ao citado decreto-lei, na pena de 9 (nove) anos de prisão; 2.Inconformados com o decidido, recorreram:

  1. Os arguidos AA e GG, concluindo: (transcrição) 1. A Polícia Judiciária desde 9 de março de 2020 até 8 de abril do mesmo ano levou a cabo um conjunto de diligências processuais à revelia do Ministério Público; 1.1. A verdadeira questão a dirimir prende-se em saber se um fax enviado pela Polícia Judiciaria para a secretaria dos serviços do Ministério Público (fls.39) foi ou não entregue ao respetivo Magistrado e se este proferiu despacho a pronunciar-se sobre o expediente que recebeu; 1.2. A comunicação é enviada via fax, proveniente do número ...40 e destinou-se ao número ...78. Consultando estes números, através das fontes abertas – ao dispor de todos os cidadãos –, o último dos números pertence à secretaria dos serviços do Ministério Público do .... Ou seja, como é do conhecimento comum, este número é o local para onde todos os intervenientes processuais enviam o expediente processual para se comunicarem com o Ministério Público; 1.3. De fato o expediente é recebido na secretaria do DIAP, mas não há sinal de que tenha sido levado ao conhecimento do Ministério Público; 1.4. A expressão utilizada pelo tribunal, “...que determinou a sua consideração pelo Ministério Público...” à luz de uma linguagem jurídica, diríamos, é completamente impercetível! 1.5. Na verdade, tendo o expediente sido rececionado na secretaria do Ministério Público, como é possível dar o salto para o mesmo ter sido concluso ao respetivo Magistrado e, ainda, que o Ministério Público tenha proferido despacho no sentido de se compreender que tomou conhecimento da existência das referidas diligências e ainda que ordenou o prosseguimento das mesmas; 1.6. Não se diga que o ministério Público podia ter proferido decisão verbal, pois, para além de não existir nos autos qualquer sinal nesse sentido, a mesma teria de ser consignada no auto sob pena da sua inexistência; 1.7. Ao invés, dos autos resulta que o Ministério Público não teve nenhuma intervenção. Assim de fls.1 constam duas assinaturas da Sra. funcionária que recebeu o expediente proveniente da Polícia Judiciária. Com efeito, é esta funcionária – ao que parece de nome JJ – que procede à catalogação do ilícito investigado como de “tráfico de estupefacientes”; 1.8. Como resulta claríssimo, das duas primeiras folhas dos autos pode constatar-se a identificação das Magistradas a quem foi distribuído o processo: Dra. KK e Dra. LL e ainda o Juiz de instrução Dr. MM; 1.9. Se duvidas existissem a data de autuação dos autos ocorreu no dia 7.4.2020 tendo os autos sido distribuídos à Magistrada do MP Dra. LL, conforme resulta das referidas duas primeiras folhas (capas) dos autos; 1.10. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 48º, 55º, 96º, 99º, 100º, 118º, 119º, 241º, 248º a 253º e 262º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a comunicação dos órgãos de polícia criminal ao Ministério Público, para os efeitos constantes do artigo 248º do mesmo diploma legal, não carece de despacho escrito donde resulte que o MP recebeu, ponderou e tomou uma decisão sobre o expediente enviado inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por violação dos artigos 32º e 219º da Constituição da República Portuguesa.

  1. A busca realizada às instalações da firma R..., Lda. sita em ... deve ser considerada domiciliária; 2.1. Contrariamente ao defendido no acórdão, o conceito de domicílio, para efeitos processuais penais, é mais abrangente que o conceito de domicílio civil; 2.2. É indiscutível que, pelo menos, um indivíduo – NN – durante a noite permanecia naquele espaço onde desenvolvia atos atinentes à sua vida íntima e privada; 2.3. O local onde praticava estes atos repartia-os pelas instalações onde se localizava o armazém e o contentor, que faziam parte do mesmo espaço e nesse sentido, tal como se exarou no acórdão, esse indivíduo praticava atos da sua vida íntima e privada naqueles dois locais; 2.4. A circunstância de este indivíduo ter a sua morada no ... não obsta a que não possa ocasionalmente, por períodos temporais, praticar os mesmos atos noutro local, no caso concreto, naquelas instalações; 2.5. Se alguma dúvida existisse o próprio tribunal decidiu que a busca às referidas instalações foi realizada ao abrigo do disposto do artigo 177º do CPP, ou seja, considerou esta busca como domiciliária! Assim, decidiu o tribunal a fls.306 dos autos: “As buscas foram realizadas ao abrigo do disposto no artigo 174, nº5, al. a) e c), e 177º, nº2, al. a) e c), e 3 do CPP, e comunicados em conformidade com o nº6 do referido artigo 174º.” 2.6.O tribunal interpretou as normas constantes dos artigos10º, 12º, 14º, 174º e 177º do CPP com o sentido de que tendo o tribunal em sede de 1º interrogatório classificado uma busca como domiciliaria, volvidos vários meses, sem que houvesse impugnação dessa decisão, o tribunal de julgamento venha a decidir que essa busca não era domiciliaria e por isso não sujeita aos requisitos impostos no referido preceito. Este entendimento viola o estatuído nos artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa; 3. Contrariamente ao propendido pelo tribunal a arguição da nulidade da busca não é extemporânea; 3.1. Apesar de o tribunal não fundamentar essa invocada extemporaneidade, sempre se dirá que a entrada num domicílio de forma ilegal, ou seja, não estando verificados os pressupostos elencados no artigo 177º do CPP: autorização judicial, a verificação de alguma das situações constantes das alíneas previstas no nº2 do mesmo preceito, inquina de nulidade insanável a busca a esse local; 3.2. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 118º, 119º, 126º, 174º e 177º do Código de Processo Penal segundo a qual a apreciação da legalidade da entrada pelo órgão de polícia criminal numa habitação não possa ser suscitada em sede de julgamento inquina de inconstitucionalidade as referidas normas jurídicas por violação dos artigos 18º, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa.

  2. No momento em que a Polícia Judiciária entrou nas instalações da empresa não existia uma situação de flagrante delito; 4.1. De resto é o próprio acórdão a exarar que no momento em que a Polícia Judiciaria detetou os movimentos dos arguidos bem assim como ao conteúdo do contentor, não ultrapassavam as suspeitas, conforme fls. fls.55: “Quanto ao contentor ..., após abertura do mesmo, foi efetuada uma busca sumária à carga bem como à estrutura física do contentor, nomeadamente aparelho de refrigeração, paredes teto e chão, não tendo sido detetado qualquer elemento suspeito (neste aspecto, a prova assenta no Auto de Abertura de Contentor a fls.46).

    (...) Confirmou o depoente que não sendo possível proceder à confirmação das suspeitas sem afetar a integridade do contentor e da carga e por este motivo procedeu-se ao encerramento do contentor, com vista ao desenvolvimento de novas diligências, não tendo havido qualquer contato com a droga.” E a fls.63 prossegue o acórdão: “Foi confrontado com o auto de fls.72. Referiu que no dia, as condições climatéricas eram de chuva. A equipa externa que fazia a vigilância estaria a cerca de 50 metros e era possível ver o local onde a carga estava a ser descarregada. À distância não conseguiam ver com certeza quais as paletes que traziam o estupefaciente, o qual só foi possível pela abordagem.” 4.2. É fora de dúvida que existiam suspeitas de que alguns dos referidos contentores traziam produto estupefaciente e que só após a abordagem dos arguidos verificaram e confirmaram essas suspeitas. Na sequência, os arguidos foram detidos em flagrante delito, conforme conjugação de fls. 72 e seguintes; 4.3. A fls.72 consta a cronologia da intervenção da Polícia Judiciária. No dia da operação policial a Polícia Judiciária iniciou diligências cerca das 9H11 (fls.72) seguiu o contentor até às instalações da empresa e quando se apercebem de movimentos no interior do armazém procedem à abordagem dos arguidos cerda das 17H20 (fls74). Conforme resulta de fls.100 e seguintes após a abordagem dos arguidos e de terem detetado produto estupefaciente ordenaram a detenção dos mesmos em flagrante delito; 4.4. O flagrante delito ocorre no momento em que os elementos da Polícia Judiciária...

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