Acórdão nº 1265/21.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1265/21.0T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – Relatório 1.

Herança Jacente de AA, representada pela cabeça-de-casal BB, veio instaurar a presente ação declarativa de condenação com processo especial de prestação de contas, contra CC, pedindo que a Ré seja citada para, ao abrigo do disposto no artigo 942.º do Código de Processo Civil, apresentar, no prazo de 30 (trinta) dias, as contas pedidas ou contestar a presente ação, sob pena de não poder deduzir oposição às apresentadas pela Autora.

Em fundamento da deduzida pretensão, alegou, em síntese, que AA faleceu em .../.../2016, nos Estados Unidos da América, no estado de casado com a ora cabeça-de-casal; o falecido e o irmão eram herdeiros de um vasto património por óbito dos respetivos pais, entre o qual se incluem duas frações autónomas, sitas em Faro; por instrumento de procuração de 20.05.2015, o falecido AA instituiu a Ré sua procuradora; após o óbito de AA, os herdeiros deste tomaram conhecimento que a Ré vendeu, em nome daquele, as referidas frações, em 4.04.2016 e 15.06.2016, sem que tivesse dado prévio conhecimento ao falecido; por essas vendas a Ré recebeu, em nome do falecido, 30.000,00€ e 103.000,00€, dos quais metade pertencia ao referido AA; apesar de várias vezes interpelada até à data, a Ré não entregou o montante de 66.500,00€ à herança do falecido, que ainda não foi aceite por todos os sucessíveis, nem declarada vaga para o Estado.

  1. A Ré foi citada em 19.05.2021 (cfr. aviso de receção junto a fls. 22 dos autos) e não apresentou contestação.

  2. Em 04.11.2021, foi proferido despacho a declarar verificada a obrigação da ré, enquanto mandatária, de prestar contas à herança do mandante, e a considerar devolvida à A. a possibilidade de as apresentar.

  3. Por requerimento apresentado em 13.12.2021, a Autora veio apresentar contas, em forma de conta corrente, conforme consta de fls. 24v.º e 25., indicando um saldo a favor da herança de AA no valor de 81.144,44€ e requerendo a notificação da Ré nos termos e para os efeitos previstos no artigo 944º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

  4. Após, o tribunal a quo declarou não vislumbrar outras diligências a realizar, importando julgar as contas apresentadas, tendo em 11.05.2022 proferido sentença, com o seguinte dispositivo: «julgo a presente acção procedente e, em consequência, julgo prestadas as contas da administração da Ré CC relativamente às fracções autónomas designadas pela letra J, correspondente ao segundo andar frente direito, destinada a habitação, do prédio denominado Urbanização ..., em Gambelas, Faro, e pela letra E, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar direito do prédio sito na Rua ..., em Faro, que pertenciam, na proporção de metade a AA, considerando apurado o montante de receitas de 66.500,00€, e verificado o saldo final nesse valor, condenando-se a Ré no pagamento dessa quantia ao Autor, acrescida dos juros de mora vencidos à taxa legal desde .../.../2016».

  5. Notificada da sentença em 13.05.2022, e não se conformando com a mesma, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1. A doença da Recorrente impediu que esta cumprisse a apresentação da contestação no prazo legal e mesmo após a sua alta hospitalar, sendo este incumprimento resultante de facto que não lhe pode ser imputado, tratando-se de um justo impedimento, conforme prevê o nº 1 do artigo 140º do Código de Processo Civil.

  6. A Autora/Recorrida intentou esta acção especial de prestação de contas contra a ora Recorrente, alegando a sua qualidade de cabeça-de-casal da herança do falecido AA, por ter sido casada com o mesmo, sem comprovar essa qualidade; 3. A Autora apenas juntou um certificado de óbito de AA, que foi emitido por uma autoridade dos Estados Unidos da América, 4. Óbito que não comprova ter sido registado em qualquer posto consular daquele país e não se mostra transcrito para a ordem jurídica portuguesa até à presente data, uma vez que este não tem qualquer averbamento no seu assento de nascimento.

  7. Assim como também não se mostra transcrito qualquer casamento com a Autora, 6. tendo o AA falecido no estado de divorciado de DD.

  8. Cabia à Autora apresentar a certidão do assento de casamento com o falecido AA, 8. E comprovar a transcrição para a ordem jurídica portuguesa, quer do seu casamento com o falecido, quer do óbito.

  9. Assim, não tem sido transcrito o óbito do AA para a ordem jurídica portuguesa, não se produziram quaisquer efeitos jurídicos decorrentes do seu falecimento, nomeadamente, os seus efeitos sucessórios.

  10. Para além disso, a Autora intentou a presente acção de prestação de contas desacompanhada dos herdeiros do falecido AA, nomeadamente as suas duas (2) filhas.

  11. A actuação em juízo de uma herança para pedir prestação de contas pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, por se tratar de uma situação de litisconsórcio necessário activo, como decorre do nº 1 do artigo 2.091º do Código Civil e em conformidade com o nº 2 do artigo 33º do Código de Processo Civil.

  12. A herança do falecido AA não tem qualquer direito a pedir prestação de contas à Recorrente, porque esta actuou no exercício de um mandato que terminou antes do seu falecimento, e só o falecido poderia exigir contas, que lhe foram prestadas em devido tempo pela Recorrente, em cumprimento pelo disposto na alínea d) do artigo 1.161º do Código Civil.

  13. Nos termos conjugados da alínea e) do nº 1 do artigo 577º, com o artigo 578º, ambos do Código de Processo Civil, a ilegitimidade é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso.

  14. Por isso, cabia ao Tribunal “a quo” conhecer oficiosamente a mencionada excepção dilatória de ilegitimidade activa da Autora/Recorrida.

  15. Bem como conhecer as demais questões relativas à existência do direito da herança a pedir contas à Recorrente que actuou numa relação de mandato, que findou antes do falecimento do mandante.

  16. Mostram-se, deste modo, violadas as disposições legais constantes da alínea d) do artigo 1.161º e do nº 1 do artigo 2.091º, ambos do Código Civil, bem como do nº 2 do artigo 33º, da alínea e) do nº 1 do artigo 577º e do artigo 578º, todos do Código de Processo Civil.

  17. O que determina que se verifique uma das causas de nulidade de sentença, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, por violação do disposto no nº 2 do artigo 607º do mesmo Código de Processo Civil, porquanto existe omissão de pronúncia em questões que são do conhecimento oficioso e tinham de ser apreciadas.

  18. A Autora não apresentou contra-alegações.

  19. No despacho de admissão do recurso, a Senhora juíza declarou entender que a decisão proferida não padece de qualquer nulidade.

  20. Observados os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objeto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, vistos os autos, as questões colocadas no presente recurso de apelação, pela sua ordem lógica de apreciação são as de saber se: i) se verifica o invocado justo impedimento para a não apresentação de contestação; ii) a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia; iii) a cabeça-de-casal não comprovou documentalmente a sua qualidade e legitimidade para instaurar a presente ação; iv) em qualquer caso, a autora não é parte legítima por preterição de litisconsórcio necessário ativo, com os demais herdeiros; v) não assiste à herança o direito de pedir a prestação de contas, por haverem sido prestadas ao falecido mandante.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto: 1.

    Para além do que consta no relatório, após prolação de despacho onde foram tabelarmente julgados verificados os pressupostos processuais, declarando-se a legitimidade da autora, a fundamentação expendida pela Senhora Juíza na sentença recorrida, na parte atinente à condenação da Ré, foi a seguinte: «III - Fundamentação Atendendo à falta de contestação e impugnação das contas apresentadas, consideram-se provadas as verbas apresentadas pela A. a título de receitas e despesas sob a forma de conta corrente no requerimento de 13.12.2021.

    1. Do Direito É com fundamento no disposto nos artigos 1161º, alínea d), do Código Civil e 941º, do Código de Processo Civil, que a A. demanda a R. enquanto procuradora do autor da herança, falecido em .../.../2016, para apresentar as contas da sua administração de duas fracções autónomas que, na proporção de metade, integravam património daquele e que a Ré vendeu.

    Com base no mandato que lhe foi conferido, a Ré outorgou dois contratos de compra e venda relativos às duas fracções, um em 4.04.2016 e outro em 15.06.2016, tendo recebido as respectivos preços no valor de 30.000,00€ e 103.000,00€, do qual metade pertencia e deveria ter sido entregue ao falecido e por morte deste à respectiva herança, ora Autora.

    Como se provou, com o óbito de AA caducou o mandato (art. 1174º, al. a), do CC), encontrando-se a Ré obrigada a prestar contas desde aquele óbito e a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste (art. 1161º, als. d) e e), do CC).

    Das contas apresentadas pela Autora, resulta um saldo final de 81.144,44€, correspondente à soma das quantias de 15.000,00€ e 51.500,00€, respectivamente acrescidas dos juros de mora calculados à taxa legal e que a autora liquidou desde a data da outorga dos contratos de compra e venda (04.04.2016 e 15.06.2016).

    Acontece, porém, como já antes referimos, apenas com a caducidade do mandato era...

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