Acórdão nº 12/15.0GBSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 1, em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, foi submetido a julgamento o arguido AA.

* Na sessão de julgamento de 19 de janeiro de 2022 foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição): “O tribunal tem vindo a diligenciar na medida das suas possibilidades, com vista a localizar as testemunhas cuja a inquirição foi solicitada pelo arguido, sem qualquer sucesso -, como resulta da leitura dos autos.

Em resultado as aludidas diligencias sabe-se nesta ocasião, que a empresa para a qual alegadamente terão trabalhado tais testemunhas, cuja a identificação nem se conhece qual seja, foi declarada insolvente. Nessa exata medida, e como resulta do conhecimento de todos nós, o administrador de insolvência não terá com facilidade acesso à informação de uma orgânica operativa que, presentemente, não existe. Por essa razão, afigura-se-nos que a realização das requeridas diligencias retardaria, para além do que já retardou, o andamento do processo de forma que, nesta ocasião, já se reputa como intolerável.

Acresce que, tendo o arguido requerido na abertura de instrução, poderia ter atempadamente diligenciado ou suscitado tal inquirição nesse momento, não aguardando tal ensejo para julgamento. Finalmente, a questão suscitada para a qual do ponto de vista da defesa relevam as testemunhas a inquirir, já foi suscitada e decidida em sede de instrução, e tendo presentes as declarações prestadas pelo arguido, que na sua essencialidade e quanto à materialidade de fáctica, a confessa (ainda com reserva de ter atuado sob coação), consubstancia essencialmente, a nosso, ver uma questão de direito para cuja solução não se antevê qual o contributo das testemunhas que o arguido visava inquirir. E por todas essas razões se decide pela prossecução do julgamento o qual, nesta fase, transitará de imediato para alegações.” * Inconformado com tal decisão, o arguido, em 18 de fevereiro de 2022, interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O Recorrente não pode de modo algum conformar-se com o despacho em crise; 2. O tribunal, desde que o arguido arrolou as testemunhas nos meios de prova, entendeu sempre que as mesmas eram essenciais à defesa do arguido e, por isso, deviam comparecer em julgamento; 3. Para o efeito, ordenou a respetiva notificação: 4. No despacho proferido no fim da audiência de julgamento inicial de 09-09-2021, já o arguido havia prestado declarações e tal facto não foi impeditivo de ter sido deferido o requerimento do arguido no sentido de se efetuarem as diligências necessárias no sentido das testemunhas virem a ser notificadas; 5. À data em que foi proferido o despacho em crise, as diligências levadas a cabo tinham tido progressos notórios uma vez que, finalmente, era possível obter a informação necessária diretamente de quem representava a sociedade para quem as testemunhas arroladas trabalhavam; 6. Essa informação podia ser positiva ou negativa. Mas era necessário tentar obtê-la; 7. Daí a perplexidade que o proferimento de tal despacho, por inesperado, produziu na mente do arguido; 8. Os factos que sustentavam a acusação correspondentes ao teor dos telefonemas estão descritos naquela peça processual; 9. Mas sem ter a possibilidade de inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido não é possível conhecer, além dos factos descritos na acusação, outros factos que pudessem beneficiar, atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade do arguido; 10. Até porque o arguido se propôs provar factos que alegou na acusação nos quais as testemunhas arroladas participaram e que poderiam ser esclarecidos na inquirição das testemunhas que arrolou; 11. Inquirições essas que, por essa razão, eram essenciais à descoberta da verdade.

  1. Não sendo possível antever, como fez o despacho em crise, de que não seria possível obter do administrador de insolvência a informação pretendida; 13. Sendo que o momento fundamental em processo penal é o julgamento com a produção de todas as provas indicadas, o que não aconteceu; 14. Quanto aos fundamentos do despacho em crise, um primeiro fundamento, foi pôr em dúvida se o administrador de insolvência poderia fornecer a informação pretendida; 15. O que não é aceitável, uma vez que, nos termos do art.36º,f), e do art.24º, do CIRE, a empresa insolvente tem que fornecer ao administrador da insolvência os documentos relevantes; 16. designadamente, os relativos aos três últimos exercícios, isto é, desde 2014 até à data da apresentação à insolvência. -- vide art. 24-1-f), do CIRE; 17. Tais documentos abrangem a data em que os factos constantes da acusação foram praticados pelo que desses documentos, certamente, constarão a identificação das testemunhas que se pretende sejam ouvidas em julgamento; 18. Dir-se-á, por isso, salvo melhor opinião, que só é possível saber se a informação poderia ser prestada se essa informação lhe fosse pedida; 19. Pelo que tal fundamento não pode, de modo algum, ter acolhimento; 20. Um segundo fundamento, foi o retardamento do andamento do processo; 21. Ora, a função principal e única do tribunal é julgar em consciência os fundamentos da acusação que lhe é submetida produzindo e apreciando todas as provas que lhe são indicadas não sendo relevante o argumento do retardamento do andamento do processo ainda para mais considerá-lo intolerável, como fez o despacho em crise; 22. Sendo certo que o arguido é completamente alheio ao retardamento do processo; 23. Um terceiro argumento, isto é, as testemunhas poderiam ter sido indicadas na instrução também não colhe uma vez que, na fase instrutória, só foi levantada uma questão de direito que, se fosse procedente, obviaria a que o julgamento se efetuasse; 24. Finalmente, um quarto argumento, a confissão do arguido, situação que já se verificava no final da audiência de julgamento de 09-09-2021 também não colhe, até pela falta de coerência entre o despacho final nela proferido e o despacho em recurso; 25. As testemunhas arroladas, participantes em factos descritos na acusação nunca poderiam ser consideradas irrelevantes ou supérfluas; 26. O despacho em crise interpretou incorretamente os factos e o direito violando, entre outros, o art.32-1, da Constituição e o art.120-2-d), CPP, cometendo assim a nulidade prevista nesta última disposição legal.

    Pelo exposto e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, e em conformidade deve declarar-se ter sido cometida nulidade por omissão de diligências que levassem à notificação das testemunhas arroladas pelo arguido o que importa a anulação de todos os atos subsequentes, designadamente, as alegações proferidas em julgamento e o acórdão condenatório entretanto proferido, substituindo-se o despacho em crise por outro que ordene as diligências omitidas, isto é, que seja notificado o administrador de insolvência da sociedade para quem trabalhavam as testemunhas arroladas, a fim de este indicar a morada para onde possam ser notificadas.

    Porque só assim se fará J U S T I Ç A ! * O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

    * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões: 1. Pese embora as testemunhas possam e devam ser indicadas pelo arguido com a contestação e até ao momento previsto no Artº , se as mesmas não estiverem correctamente identificadas e não se souber quais os factos dos quais têm conhecimento, as mesmas devem devidamente identificadas e inquiridas na fase de inquérito, momento processual em que procede à recolha de prova; 2. As testemunhas em causa apenas têm conhecimento dos factos com os quais contactaram através dos telefonemas em que participaram enquanto funcionários da linha telefónica bancária e das regras a que estavam sujeitas no exercício dessas funções; 3. As referidas chamadas telefónicas foram gravadas e encontram-se transcritas nos autos tendo também sido junto aos autos o manual de procedimentos ao qual as referidas pessoas estavam obrigadas no exercício das respectivas funções; 4. A inquirição das referidas testemunhas não constitui a realização de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, uma vez que os factos dos quais terão conhecimento podem ser demonstrados através de outros meios de prova que constam dos autos e foram apreciados.

    Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

    * Concluído o julgamento, foi proferido Acórdão, no qual se decidiu condenar o arguido AA pela prática, como autor material na forma tentada, e como reincidente, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 202º, alínea b), 217º, nº 1, 218º, nº 2, alínea a), 75º e 76º, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

    * Inconformado com o Acórdão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O Recorrente não pode de modo algum conformar-se com o acórdão em crise despacho em crise que o condenou na pena de 5 anos e 2 meses de prisão; 2. Não foram elencados, como deviam, no acórdão em crise quer nos FACTOS PROVADOS quer na rúbrica NÃO SE PROVOU, factos alegados na contestação, designadamente: 3. - que os funcionários da SuperLinha têm formação adequada para não procederem às transferências bancárias solicitadas pelo arguido; 4. - que o arguido tentou substituir o número de telefone pelo do Cliente do Banco por aquele que usou para telefonar não lhe foi permitido pelos funcionários em obediência ao manual de procedimentos do banco; 5. - que a falta de resposta aos esclarecimentos solicitados ao arguido pelos funcionários da SuperLinha despoletaram o alerta da supervisão da mesma; 6. - que as...

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