Acórdão nº 299/17.3PBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução07 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO a. No Juízo Local de Elvas, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal singular de AA, nascido a …, com os demais sinais dos autos, a quem fora imputada a prática, como autor, dos seguintes ilícitos penais: - um crime de maus tratos a animal de companhia, previsto no artigo 387.º, § 1.º e 2.º do Código Penal (CP), com referência ao artigo 388.º-A do mesmo código; - e de um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), com referência ao artigo 2.º, § 1.º, al. a) e § 3.º, als. l), p). ab) e ac), artigo 3.º, § 2.º, als. l) e p) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro

O arguido não apresentou contestação

A final o tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido pela prática, como autor, de: - um crime de maus tratos a animal de companhia, previsto no artigo 387.º, § 1.º e 2.º CP, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 6€; e na pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período de 6 meses (artigo 388.º-A § 1.º CP); - e de um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), com referência ao artigo 2.º, § 1.º, al. ar) e § 3.º, als. l), p). ab) e ac), artigo 3.º, § 2.º, als. l) e p) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de 6€

Operado o cúmulo jurídico das penas correspondentes ao concurso de crimes, a pena única foi-lhe fixada em 300 dias de multa, à razão diária de 6€ e na pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período de 6 meses

  1. Inconformado, veio o arguido interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O Tribunal “a quo”, imputa ao recorrente a autoria do disparo da arma de fogo, somente porque uma testemunha (que não compareceu na audiência de discussão e julgamento, o que impossibilitou o contraditório) o viu no local

    1. Ou seja, não viu quem disparou, como efetuou o disparo que com arma foi efetuado o disparo

    2. Aquela via, EN …, é a que o recorrente todos os dias percorre para a propriedade agrícola que explora em arrendamento

    3. Ao contrário do que resulta da douta sentença, não existe qualquer prova que consolide a imputação ao recorrente do facto danoso

    4. Não estamos mais do que um exercício de probabilidades, sem fundamento e que, forçosamente pretende imputar ao recorrente a prática de um ato, para a qual não foi feita qualquer prova, nem documental, nem testemunhal

    5. Ninguém viu a quem pertencia a autoria do disparo, somente uma testemunha (a tal que faltou), viu o recorrente afastar-se do local

    6. Não viu o autor do disparo, como também não viu na posse do recorrente qualquer arma de fogo que, lhe permitisse deduzir que teria sido perpetrado por este

    7. A arma que posteriormente foi apreendida ao recorrente, não foi sujeita a nenhum exame pericial que permitisse constatar que, teria sido usada para disparar contra o canídeo

    8. Em matéria criminal tudo deve ser certo e preciso.... Uma condenação não pode se basear em indícios, e não existindo provas concretas que tenha sido o acusado o autor do crime, há de ser ele absolvido

    9. Da douta sentença recorrida não releva que a conclusão do tribunal “a quo” se tenha alicerçado em fundamentação de forma coerente que, o recorrente tenha sido o autor do disparo

    10. A simples passagem de um qualquer transeunte por aquele local e aproximando-se do animal, não pressupõe que o mesmo era o autor do disparo

    11. Não se condena ninguém, sob pena do sistema judicial se subverter, com base unicamente em juízos de valor, que não são mais que apreciações subjetivas das regras da experiência, da normalidade e senso comum

    12. No caso concreto, a normalidade é, sem dúvida, um qualquer transeunte, neste caso o recorrente, ao ver um animal naquelas condições, parar o carro e verificar o que tinha acontecido ao animal. Daí a imputar-se a autoria do disparo vai uma grande distância

    13. Talvez a penalização que esteja adstrito, seja de ordem moral e cívica, pois abandonou o local sem precaver o socorro ao canídeo, mas nunca atribuir-se a autoria do disparo, 15. O Tribunal “a quo” condenou o recorrente pelo crime de maus tratos a animais na pena de 100 (cem) dias de multa e pelo crime de detenção de arma proibida em 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa

    14. Entende o recorrente, sem condescender no que concerne à ausência total de provas sobre a sua autoria do crime de maus tratos a animais de companhia, que atenta a moldura penal, a condenação é exageradíssima

    15. O recorrente nada contribuindo para a repetição do julgamento, viu a pena que lhe foi aplicada ser agravada (???), com a mesma prova que tinha sido produzida

    16. O recorrente a ser condenado pelos dois crimes de que vinha acusado, nunca o poderia ser (sob pena de grassa injustiça) em pena superior aquela que havia sido arbitrada no julgamento anterior

    17. Na douta sentença recorrida, condenou-se o recorrente na “… pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia, prevista no artigo 388.º-A, n.º 1 do Código Penal, pelo período de 6 meses.” 20. O recorrente vive da agricultura, tem lavoura, animais de criação (porcos, ovinos e equídeos)

    18. A criação e guarda destes animais, implica e obriga necessariamenteà detenção de canídeos, os quais são preparados para essa tarefa, como também para a guarda da propriedade

    19. Condenar-se alguém que faz da sua vida a agricultura e criação daquele género de animais é desconhecer-se o contexto e a realidade do meio onde se está inserido

    20. Quem aplica a justiça deve, mais tem a obrigação, de conhecer essa realidade sob pena da aplicação da mesma ser desfasada da realidade e por conseguinte inócua em relação ao seu objetivo final: dar a cada um o que é seu

    21. É impensável, em pleno Alentejo, na atividade agrícola, em propriedades isoladas, com gado a apascentar, inibir-se a detenção de animais de companhia, neste caso, canídeos

    22. Pelo que não se pode aceitar, sob pena de grave prejuízo para o recorrente que, a este seja aplicada a pena acessória de privação da detenção de canídeos

      NORMAS VIOLADAS: - art.º 127.º do CPP; art.º 32.º n.º 2 da CRP Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, deve o presente recurso ser considerado procedente e, por via disso, deve a douta sentença recorrida ser parcialmente anulada e decidir-se no sentido da absolvição do recorrente do crime de maus tratos a animais de companhia e da pena acessória da privação de detenção de animais de companhia e/ou caso assim se não entenda reduzir a pena aplicada para os limites da condenação no julgamento repetido e a anulação da pena acessória.» c. O recurso foi recebido. E a ele respondeu o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância, defendendo que: «1. Não foi violada qualquer norma jurídica substantiva ou processual na douta decisão recorrida

    23. Ao recorrer sobre matéria de facto, como é o caso, do recurso do arguido, aplicam-se as regras constantes do artº. 412º nºs. 3, alíneas a), b) e c) e nº. 4 do CProcPenal, regras essas, que o arguido não observou, pelo que, encontra-se restringida a apreciação desse Venerando Tribunal à matéria de Direito

    24. O Julgador é livre de apreciar a prova segundo as regras...

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