Acórdão nº 165/21.8T8TVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO Ação Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Autor P.

Réu D.

Pedido a) Que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento; b) Que seja condenado o Réu a reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento; c) Que seja o Réu condenado a despejar/desocupar o imóvel, devolvendo-o devoluto de bens e pessoas.

Causa de pedir O Autor, como senhorio, celebrou com o Réu, como arrendatário, um contrato de arrendamento urbano, com início em 17-10-2019, tendo sido expressamente estipulado na terceira cláusula do contrato que o mesmo teria a duração de um ano, não sendo renovável.

O contrato de arrendamento cessou a 16-10-2020.

Porém, o Réu não saiu, nem entregou o locado no termo do contrato, nem até à presente data, apesar de diversas interpelações para o efeito.

Contestação Por exceção, invocou que o contrato de arrendamento em causa, apesar de ter um prazo certo, é um contrato de arrendamento para habitação permanente do Réu nos termos do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, pois a razão de ser do contrato era a futura compra da fração tendo, por essa razão, trazido do Reino Unido para Portugal todos os seus pertences e mobiliário com intenção de habitar o locado permanentemente.

Mantendo no locado a sua única residência e fazendo do mesmo o seu centro de vida.

Pagou as rendas de outubro de 2020 a junho de 2021, pelo que o contrato se renovou.

Por impugnação, alegou que não corresponde à verdade a versão dos factos apresentada pelo Autor, apresentando a sua.

Por reconvenção, peticionou a condenação do Autor no pagamento de €6.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pelo incumprimento por parte do Autor do regime de confinamento obrigatório e por ter forçado o Réu a violar o regime de isolamento e recolhimento obrigatório.

Réplica O Autor pugnou pela improcedência do pedido reconvencional por falta de qualquer prova ou nexo de causalidade entre os factos alegado pelo Réu e o pedido assim formulado.

Designação e realização da Audiência Prévia Por despacho de 13-12-2021 foi designada a realização de audiência prévia, mencionando-se expressamente «(…) no despacho de 16.11.2021, determinou-se que, caso a tentativa de conciliação se frustrasse, a audiência prosseguiria para os fins previstos nos arts. 591.º, alíneas c) a g) do C.P.C..

Sucede que, melhor analisados os articulados, entende o Tribunal que os autos poderão reunir, desde já, os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa. Desta forma, cumprirá proceder à marcação de nova data para realização da audiência prévia, designando-se para o referido efeito o dia 24 de Janeiro de 2022, pelas 15:00h, neste Tribunal.

A audiência prévia terá como fim a tentativa de conciliação, nos termos dos arts. 591.º, n.º 1, alínea a) e 594.º do C.P.C.. Caso a mesma se frustre, a audiência prosseguirá para os fins previstos nos arts. 591.º, alíneas b) a g) do C.P.C..» No decurso da realização da audiência prévia, não foi possível obter o acordo das partes por ambas terem mantido as posições vertidas nos articulados, ficando, ainda, a constar da respetiva ata: «Frustrando-se assim a tentativa de conciliação das partes e considerando já o Tribunal ter ao seu dispor todos os elementos a fim de proferir decisão, concedeu a Mmª Juiz a palavra aos ilustres mandatários das partes, para, querendo, usarem da palavra para alegações, o que fizeram.» Saneador-Sentença Em 28-01-2022 foi proferido saneador-sentença que decidiu: Não admitir o pedido reconvencional por os factos alegados não se enquadrarem nos requisitos constantes das alíneas a) a d), do n.º 2, do artigo 266.º do CPC.

Em relação ao mérito da causa, declarou a caducidade do contrato de arrendamento em causa nos autos e condenou o Réu a entregar ao Autor o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens.

Recurso Apelou o Réu, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1 - O Recorrente discorda da prolação do despacho-sentença, entendendo que os autos devem ser submetidos à produção de prova.

2 - O Tribunal “a quo” ao não submeter os autos à produção de prova violou o princípio do contraditório (Cfr. art. 3º, nº 3 do CPC), princípio que exige que o Tribunal não decida questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem e, em concreto, o Tribunal “a quo” deve apurar a vontade real das partes e só o pode fazer em audiência de julgamento.

3 - O Recorrente fundamentou o pedido reconvencional na falta de outra habitação, sabendo o Recorrido que o Recorrente transportou todos os seus pertences pessoais e mobiliário do Reino Unido para Portugal para o instalar no locado em causa.

4 – A prova de que se trata de um contrato para habitação permanente do Recorrente, não pode ser realizada somente através dos elementos constantes nos autos, vulgo contrato de arrendamento, mas sim mediante a produção de prova testemunhal, nomeadamente, das declarações de parte do Recorrente.

5 - A interpretação contratual deve ser realizada à luz do artigo 236.º do Código Civil, pois que o Recorrido sabia da vontade do Recorrente em habitar permanentemente a habitação, inclusive o de comprar a habitação, pelo que a colocação de um prazo para a cessação contratual era contraditória à vontade real em que Recorrente e Recorrido pretenderam contratar.

6 – Pelo que, a submissão dos autos à produção de prova é essencial à boa decisão da causa e mérito da causa.

7 - Aliás, mesmo que o Tribunal “a quo” tivesse optado “pela prolação de um despacho saneador-sentença” por “ser possível conhecer imediata e totalmente do mérito da causa” entendendo que a matéria controvertida nos autos é” meramente jurídica e não factual”, verdade é que não o poderia fazer tendo em conta a posição das partes quanto à interpretação do contrato de arrendamento pois que cabia ao Tribunal “a quo” apurar a vontade real dos contraentes.

8 - Recorde-se que o Recorrente deslocou todos os seus pertences definitivamente do Reino Unido para Portugal e tal facto não seria certamente para meramente usufruir de um contrato de arrendamento pelo período de um ano e retirar todos os seus pertences (mobiliário de grande porte, mesas, cadeiras, estantes, armários, camas, colchões, talheres, pratos, utensílios vários, etc).

9 - O Recorrente transportou todos os seus bens para Portugal. Se tivesse a intenção de meramente habitar um locado por um ano, teria certamente procurado o arrendamento de um local já mobilado sem necessidade de transportar todos os seus bens para Portugal.

10 - Esta prova é matéria essencial à boa decisão dos autos e mérito da ação.

11 - Incumbe ao Recorrente a prova dos factos alegados e para tanto foi requerido declarações de parte.

12 - Pelo que, o Tribunal “a quo” ao não submeter os autos à produção de prova, violou o princípio do contraditório (Cfr. art. 3º, nº 3 do CPC), princípio que exige que o Tribunal não deve decidir questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem e, in casu, o Tribunal “a quo” deve apurar a vontade real das partes e só o podendo fazer em audiência de julgamento.

13 - Aliás, a interpretação do negócio jurídico nos termos dos critérios dos artigos 236º e seguintes do CC, quando as instâncias não apuraram a vontade real dos contraentes, é matéria de direito, sendo por isso matéria sujeita ao controlo do STJ.

14 – Já no que tange ao pedido reconvencional, este assume natureza jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis as regras dos artigos 299.º e seguintes do Código de Processo Civil, pelo que estando em causa um pedido inicial e um pedido reconvencional distintos, haverá que adicionar ambos os valores e, atente-se o valor da causa (30.000.00€), torna-se, desde logo, admissível a reconvenção, cumprindo...

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