Acórdão nº 80/20.2PAENT.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO

  1. No 4.º Juízo (1) Central Criminal de Santarém procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal coletivo de AA, nascido a …/…/1999, solteiro, desempregado, residente na Rua …, em … (atualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de …), com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática de: - um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto nos artigos 131.º e 132.º, § 1.º e 2.º, al. g), com referência aos artigos 22.º e 23.º do Código Penal (CP); - e de um crime de furto, previsto no artigo 203.º, § 1.º CP

    O arguido contestou, aduzindo que na data dos factos tinha 20 anos de idade e que não teve intenção de tirar a vida ao ofendido

    A final o tribunal proferiu acórdão, na qual, convolando a qualificação jurídica feita na acusação, condenou o arguido pela prática de: - um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, previsto nos artigos 144.º, al. d) e 145.º, § 1.º, al. c) e § 2.º CP; - e de um crime de furto, previsto no artigo 203.º, § 1.º CP, respetivamente nas penas de: - 6 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física grave e qualificada; - e 1 ano e 6 meses pelo crime de furto; Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares condenou-o na pena única de 6 anos e 4 meses de prisão

  2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «A I O Tribunal a quo, no Acórdão proferido em 21/05/2021 procedeu a uma alteração da matéria de facto dada como provada, com referência à matéria constante da Acusação, nomeadamente, o ponto 15; II E, para além disso, condenou o Recorrente por crime diverso daquele pelo qual se encontrava Acusado

    III O Tribunal a quo nunca comunicou ao Arguido que iria proceder a uma alteração dos factos e bem assim do crime que lhe era imputado

    IV Neste sentido, o Aresto Condenatório lido em 21/05/2021, encontra-se inquinado por violação do disposto no art.º 359º CPP, sendo, por conseguinte NULO

    V Os factos pelos quais o Aresto Condenatório condena o Arguido Recorrente resultam de uma nova imputação criminal

    VI Mesmo que assim não se entendesse sempre estaríamos perante uma clara alteração não substancial dos factos descritos na acusação nos termos do Artigo 358º do C.P.P

    VII Mesmo que se considerasse que o Tribunal a quo procedeu apenas a uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, antes de proferir a referida alteração, estava obrigado a comunicar à defesa do Arguido e conceder-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa

    VIII Assim, ao condenar o Recorrente por crime diverso aquele pelo qual se encontrava acusado, sem que essa alteração da qualificação jurídica lhe fosse comunicada o Tribunal a quo feriu o seu Acórdão de Nulidade, nos termos do Artigo 379º, n.º1, alínea b) do C.P.P

    B IX O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece do vício de falta de fundamentação, exigido nos artigos 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todas as disposições do C.P.P

    X Analisada a fundamentação apresentada à matéria de facto dada como provada não conseguimos vislumbrar na mesma qual a prova e o raciocínio lógico que o Tribunal a quo se socorreu para dar como provados os factos 1 a 8 e 10; XI Nos termos em que o Acórdão se encontra elaborado não é possível, à defesa do Recorrente, proceder a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, porquanto, o Tribunal a quo, não refere de que prova se socorreu para dar como provados os factos que considerou; C XII O Tribunal a quo parte, desde logo do princípio, erróneo, que o Arguido fugiu “… porque queria concluir a fuga eximindo-se à responsabilidade de responder pelo crime de furto praticado…” XIII Aquilo que resultou foi que o Arguido pretendia apenas e só, como o mesmo referiu, evitar ser agredido é que, conforme resulta à evidência saíram no seu encalço, pelo menos 4 (quatro) homens!!!! XIV Acontece, porém, que em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS os seguintes factos: ponto 4, onde se escreveu “conseguiu fazer seus os mencionados produtos,”, 5, 6, 10, na parte em que se escreveu “…, sem que este se apercebesse, empunhou a navalha que trazia consigo e desferiu dois golpes na direcção do corpo de B…”, 12, na parte em que se escreveu “As lesões provocadas pelo arguido”, 13, 14, 15, 16 e 17

    XV Quanto aos pontos 4), 5), 6) - O Tribunal a quo não apresenta no seu Acórdão qualquer fundamentação para dar os referidos factos como provados

    - Do depoimento das testemunhas não poderia o Tribunal a quo dar como provados os referidos factos

    - Do depoimento das testemunhas, não resultou provado nomeadamente, que o Recorrente tivesse conseguido fazer seus os mencionados produtos, conforme vem descrito no ponto 4 e, por outro lado, que o Arguido se tivesse colocado em fuga com o carrinho de compras, conforme se refere no ponto 6

    - A prova que impõe decisão diversa, são nomeadamente os seguintes depoimentos: - L (por videoconferência), ouvido na audiência de discussão e julgamento de 14/05/2021, entre as 14:19:11-14:40:48 a testemunha Esta testemunha, diz claramente que o Arguido deixa o carrinho para trás e coloca-se em fuga

    XVI Quanto aos pontos 10), 12), 13), 14), 15), 16) e 17

    - Em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não ficou provado que o Recorrente tivesse desferido quaisquer golpes no Ofendido

    - Não ficou afastada a possibilidade de as lesões que o Ofendido sofreu terem sido decorrentes de quando caiu ao solo ter caído sobre a navalha que o Recorrente tinha na mão

    - Nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento visualizou o Arguido a desferir qualquer golpe no Ofendido

    - O próprio Ofendido não se apercebeu que tivesse sido golpeado pelo Arguido, o que nos leva a concluir que este apenas acabou por sofrer os ferimentos graves que sofreu quando projetando-se sobre o Arguido levou a que ambos caíssem ao solo, lateralmente, o Ofendido sobre o Arguido

    - De facto, se o Arguido tivesse golpeado o Ofendido, como refere a Acusação, este não teria quaisquer dúvidas em relatar esse acontecimento e aperceber-se desse impacto

    - A prova que impõe decisão diversa, é nomeadamente a seguinte: - B (por videoconferência), ouvida na audiência de discussão e julgamento de 18/12/2020, entre as 11:49:28-12:32:37, Ficheiro de - É o próprio Ofendido a afirmar que lançou-se sobre o Arguido agarrando-o, caindo ambos, em consequência desse ato no chão!!! - Mais afirma que caiu lateralmente, em cima do Arguido… - As lesões que o ofendido apresenta são na parte lateral do tronco, precisamente na parte do corpo que caiu sobre o Arguido

    - É o próprio Ofendido a referir que depois de cair lateralmente sobre o Arguido ainda rodou sobre este; - Não ficou minimamente afastada a possibilidade de as lesões sofridas pelo Ofendido B terem ocorrido acidentalmente quando este caiu no solo sobre o arguido que empunhava a navalha

    - Igualmente importante é o depoimento da testemunha J (por videoconferência), ouvido na audiência de discussão e julgamento de 14/05/2021 entre as 13:58:38 e as 14:17:25, Ficheiro de origem: 20210514135838_2912865_2871704, passagens 00:06:13 a 00:06:45, 00:08:42 a 00:11:15 e 00:15:31 a 00:16:15

    - Também esta testemunha afirma perentoriamente que visualizou o colega B a saltar para cima do Arguido

    - Esta testemunha, vem igualmente confirmar que o Ofendido caiu sobre o Arguido de frente para ele

    XVII Assim, e sempre com o devido respeito por opinião diversa aquilo que o Tribunal a quo poderia ter dado como provado, com referência aos referidos pontos 10 e 12 era que: 10) B ao visualizar o Arguido lançou-se sobre este vindo ambos a cair no solo, e em circunstâncias não concretamente apuradas, veio a apresentar duas feridas incisas, uma na região precordial e outra na região epigastro, sendo que o ferimento cortoperfurante, situado a cerca de 2 cm acima da zona do coração, causou a perfuração do pulmão esquerdo, com hemopneumotórax; 12) As lesões sofridas causaram ao ofendido B um período de doença de 35 dias, sendo 35 dias com afetação do trabalho geral e 35 dias com afetação do trabalho profissional, tendo ainda ficado com as seguintes sequelas:- No tórax: área cicatricial rosada, sensivelmente oblíqua ínfero medialmente, medindo 0,8 cm de comprimento, com vestígios de 3 pontos. o achado dista na sua porção média 4,5 cm da linha média e 8cm da extremidade medial da clavícula, encontrando-se aparentemente ao nível do 3.º espaço intercostal; cicatriz rosada transversal pelo terço medio da face anterolateral do tórax, medindo 2cm, com relação com aplicação de dreno torácico; - No abdómen: cicatriz rosada com vestígios de um ponto, sensivelmente transversal, medindo 1 cm de comprimento, distando ponto médio 0,5 cm da linha média e 11cm do rebordo costal; XVIII Por seu lado, quanto aos pontos 13, 14, 15, 16 e 17 deviam os mesmos ter sido dados como não provados

    D XIX Para condenação do Recorrente não podiam restar quaisquer dúvidas sobre a sua culpabilidade; XX No caso Sub Júdice, com o devido respeito, não existe um princípio de prova que com um mínimo de certeza tivesse permitido ao Tribunal “a quo” concluir que foi o que intencionalmente desferiu dois golpes com a navalha no Ofendido

    XXI Através da dinâmica dos factos relatados pelas testemunhas era perfeitamente possível que as lesões sofridas pelo Ofendido tivessem decorrido de um acidente, nomeadamente, quando este se lançou sobre o Arguido vindo ambos a cair no solo, o Ofendido em cima do Arguido

    XXII Ao analisar a prova no modo em que o fez o Tribunal a quo violou o princípio “In dubio pro Reu”

    E DO CRIME DE FURTO SIMPLES XXIII Entende o Recorrente que o Arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime de furto simples na forma tentada

    Vejamos: XXIV Do...

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