Acórdão nº 375/21.8PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA MARGARIDA BACELAR |
Data da Resolução | 21 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo Central Criminal de Portimão – J2, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o Tribunal Colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado: AA, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1980, natural do ..., divorciado, residente na Rua ..., ..., em ..., actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ....
A final, foi decidido julgar a acusação parcialmente procedente, e, em consequência: a) Declarar o arguido AA reincidente, nos termos do art.º 75º do Código Penal.
b) Condenar o arguido pela prática de 1(um) crime de furto qualificado, dos arts. 75º, 203º e 204º nº2 -e), com referência ao art.º 202º -a) e -d), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (NUIPC 436/20....); c) Condenar o arguido pela prática de 2 (dois) crimes de furto qualificado, dos arts. 75º, 203º e 204º nº2-e), com referência ao art.º 202º-d), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um deles (NUIPCS 4/21.... e 695/21....) d) Condenar o arguido pela prática de 4 (quatro) crimes de furto qualificado, na forma tentada, dos arts. 75º, 22º nºs 1 e 2-c) e 23º, 73º -a) e -b), 203º e 204º nº2-e), com referência ao art.º 202º-d), todos do Código Penal, nas penas especialmente atenuadas, de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles (NUIPCS 430/21..., 574/21...., 48/21.... e 911/21...); e) Condenar o arguido pela prática de 3 (três) crimes de furto simples, dos arts. 75º, 203º nº1, 204º nº2-e) e nº4, com referência ao art.º 202º nº2 -c), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, por cada um deles (NUIPCS NUIPC 426/21..., NUIPC 784/21... e 375/21....); f) Absolver o arguido da prática de 1 (um) crime de furto qualificado, dos arts. 203º e 204º nº2- e), com referência ao art.º 202º nº2 -d) do Código Penal (NUIPC 3/21....); g) Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas supra fixadas, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
Inconformado, o arguido AA, interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões: “ O arguido, ora recorrente, foi condenado a uma pena única de 10 (dez) anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico operado em função das seguintes penas parcelares, aplicadas nos processos NUIPC 436/20...., pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; 4/21...., pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; NUIPC 695/21...., pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; NUIPC 430/21...., pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; 574/21..., pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; NUIPC 48/21...., pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; 911/21..., pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena especialmente atenuada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; NUIPC 426/21..., pela prática de um crime de furto simples, na pena de 1 (um) ano de prisão; NUIPC 784/21..., pela prática de um crime de furto simples, na pena de 1 (um) ano de prisão e NUIPC 275/21...., pela prática de um crime de furto simples, na pena de 1 (um) ano de prisão; 2.º O arguido, ora recorrente, foi absolvido da prática do ilícito a que se refere o NUIPC 3/21.....
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O recorrente entende que o Tribunal “a quo” julgou mal os factos e correspondentes meios de prova ínsitos nos autos, no que tange aos processos com os NUIPC 436/20.... e 4/21....; 4.º É convicção do recorrente que o Tribunal “a quo” deitou mão de meios de prova insuficientes para sustentarem uma condenação nos termos em que foi decidida, relativamente ao NUIPC 436/20...., porquanto, no decorrer da audiência, não foram “exibidas” provas que pudessem sustentar a douta decisão de que se recorre, como impõe o art.º 355.º, n.º 1 do CPP.
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Não foi minimamente valorada a circunstância do crime ter sido praticado por dois sujeitos, sem que o tribunal lograsse identificá-los, servindo-se o Tribunal “a quo” apenas do depoimento de 2 (dois) agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) que, em audiência, nada revelaram que pudesse, objetivamente, servir para que o Tribunal formasse a convicção de base à condenação do arguido.
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Em primeiro lugar porque não identificaram os intervenientes na prática do crime, antes tentaram, e apenas isso, fazer crer ao Tribunal que “um dos sujeitos, dos que praticaram o crime” seria o arguido, ora recorrente, sendo certo que em todas as intervenções do OPC que procedeu à investigação, nomeadamente na visualização das fotos juntas aos autos (fotogramas extraídos do sistema de vídeo vigilância juntos a fls. 56 a 84), em que o(s) agente(s) observador(es) sempre foi notado que “autores do ilícito impossível de identificar por utilizarem roupa que constitui camuflagem total, incluindo a cabeça”, ou “Não é possível identificar os autores do furto por utilizarem indumentárias iguais”, conforme Auto de fls. 85 do NUIPC 436/20.....
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Tal como a fls. 57 do NUIPC 436/20...., onde se lê “autores do ilícito completamente camuflados. Impossível de identificar.”, ou mais adiante, “ambos os assaltantes vestem roupa que os cobre totalmente, incluindo a cabeça e usam lanterna na cabeça”, e ainda “ambos utilizam luvas”.
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O OPC não logrou, pois, em momento algum da investigação, identificar qualquer dos assaltantes que praticaram o crime a que se refere o NUIPC 436/20.....
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O processo foi apensado aos restantes que vieram a constituir o processo principal com o n.º 375/21...., por manifesto erro, já que não foram levadas em conta as divergências gritantes que se verificaram entre o “modus operandi” dos assaltantes nos processos com o NUIPC 436/20.... e 4/21...., onde é visível a atuação de 2 (dois) indivíduos de aspeto físico semelhante, enquanto que nos restantes processos que compõem o processo principal, apenas um indivíduo praticou todos os crimes ali identificados.
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E esse indivíduo foi o arguido, ora recorrente, que, por isso mesmo, reconhecendo a sua culpa, confessou em audiência, sem qualquer reserva, a sua prática ilícita, relativamente a 8 (oito) dos 11 crimes de que vinha acusado.
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O Tribunal “a quo” admitiu como prova os juízos de valor decorrentes da capacidade de observação dos agentes da PSP ouvidos em audiência, mas sem considerar – ou desconsiderar – as discrepâncias que se identificam nos respetivos depoimentos.
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Seria certamente muito relevante para a formação da convicção do Tribunal “a quo”, que a existência de “duas camisolas iguais”, uma delas encontrada “no mato” pelo agente da PSP, que também declarou que tinha sido avisado que o arguido havia “mudado de roupa junto do veículo”.
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Sendo certo que o veículo não se encontrava “no mato”, mas, isso sim, estacionado numa rua em ..., onde foi intercetado pela PSP.
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A interceção do veículo ocorreu em junho de 2021 … 15.º Sendo certo que o crime a que se refere o NUIPC 436/20...., ocorreu em 9 de outubro de 2020.
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E nenhuma das testemunhas, empregadas do estabelecimento onde foi praticado o crime, identificou o arguido como provável autor do assalto.
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E as testemunhas (agentes da PSP) levadas a depor em audiência, foram indicadas pelo Ministério Público no âmbito do 48/21.1BPPTM, cuja investigação levou à detenção do arguido, que depuseram sobre factos ocorridos em área territorial diversa, muitos (oito) meses antes; 18.º Tais testemunhas afirmaram, de forma clara, que foi a característica específica da camisola encontrada no veículo do arguido (lista que com iluminação em zona escura reflete cor branca), e que este reconheceu em audiência como sendo por si usada na prática de alguns ilícitos, os levou a concluir que teria sido o arguido, ora recorrente, o sujeito que praticou os crimes a que se referem os NUIPC’s 436/20.... e 4/21...., omitindo a possibilidade de que a existência de duas camisolas iguais, uma delas encontrada no mato, poderia corresponder a que a mesma pertencesse e certamente pertence, a indivíduo diverso, que não o arguido, ora recorrente.
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Não tendo o Tribunal logrado apurar a razão de ser desta e doutras discrepâncias, é notória a insuficiência da prova para condenar o arguido, por este crime.
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O Tribunal “a quo” não seguiu o princípio da presunção de inocência, consignado no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição de República Portuguesa, que implica que, sendo incerta a prova, se não use de critério formal como o ónus legal da prova para decidir a condenação do réu, a qual terá sempre de assentar na certeza dos factos provados.
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Para além do que “o Tribunal só pode proferir sentença condenatória se, com base na prova produzida em audiência de julgamento, tiver plena convicção de que o arguido praticou o crime (ficando com dúvidas o juiz deve absolver o arguido com base no princípio in dubio pro reo) (conforme Paula Marques Carvalho, in Manual Prático de Processo Penal, Almedina, 2015 – 9.ª Edição, pág.
461); 22.º A prova produzida em audiência foi manifestamente insuficiente para assegurar uma plena convicção da efetiva autoria do crime, a que se refere o NUIPC 436/20...., pelo arguido, ora recorrente, nunca a douta decisão a proferir pelo Tribunal “a quo” poderia condenar o arguido.
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As provas carreadas para julgamento dos factos relativos ao 4/21...., são apoiadas nas apreciações dos Agentes da PSP ao conjunto, grande, diga-se, de relatórios fotográficos, de fotogramas, e mais reportagens fotográficas, sendo certo que, da prova levada em consideração na douto Acórdão, e...
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