Acórdão nº 53/20.5GALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 53/20.5GALGS o arguido AA foi condenado na pena de 3 (três) de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 26.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), por referência ao artigo 202.º, al. e), todos do Código Penal Tal pena de prisão foi substituída por suspensão da execução da mesma, por igual período de três anos de prisão, subordinando-se a suspensão à entrega da quantia de €750,00, durante o primeiro ano do período da suspensão, a uma Instituição Particular de Solidariedade Social

  1. Entende o arguido, ora recorrente, que a decisão da matéria dada como provada padece de prova e/ou fundamento; Erro na apreciação da prova

    III.Dos factos dados como provados, destaca-se que: IV. No dia 21.02.2020, pelas 13:00horas, o arguido dirigiu-se à residência de BB, localizada na Urbanização …, lote …, …, concelho de …, com o propósito de se apoderar de bens de valor e de fácil transporte que ali viesse a encontrar

  2. De que na execução desse desígnio introduziu-se dentro do logradouro da dita residência através de um portão que se encontrava aberto

  3. Seguidamente, aproximou-se de uma janela das traseiras da habitação que dista cerca de 1,50m do solo e através dessa janela entrou no interior da habitação

  4. Do interior da supra referida habitação, o arguido, ora recorrente retirou e levou consigo, fazendo suas, uma carteira que continha no seu interior a quantia de 400,00€ (quatrocentos euros) em numerário, pertencentes a BB

  5. Na posse dos objectos (carteira e dinheiro) abandonou o local para parte incerta e que estes objectos não foram recuperados.

  6. Pelo que, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de integrar no seu património os objectos que encontrasse no interior daquela residência

  7. Mais sabia o arguido que a residência se encontrava fechada, não sendo ele possuidor de chave, e que, ao entrar ali, o fazia sem autorização do proprietário, de forma ilegítima e mediante a transposição de janela para o interior do local

  8. Mais sabia que todos os bens de que se apoderou não lhe pertenciam e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei

  9. Do seu certificado de registo criminal constam duas condenações, ambas já extintas

  10. O Tribunal a quo deu ainda como provados outros factos, referentes ao arguido, que não se transcrevem por questão de economia processual e por não relevarem para a presente motivação

  11. O Tribunal a quo fundamentou-se, na apreciação dos factos no conjunto da prova produzida, apreciada criticamente e de acordo com as regras da experiência

  12. Nomeadamente, o Tribunal a quo, formou a sua convicção acerca da matéria dada como provada pelo teor do auto de notícia, teor do relatório de exame pericial e teor do registo criminal do arguido, inexistindo prova directa e apenas indiciária (colheita de vestígios lofoscópicos no local onde ocorreu o crime) do cometimento de tais factos terem sido praticados pelo arguido

  13. Vale dizer que, no circunstancialismo de tempo apurado, a verdade material alcançada em audiência de julgamento veio desencadear na conclusão de que de facto, um indivíduo no dia 21.02.2020 abordou a ofendida do lado de fora da sua habitação mas ainda dentro da sua propriedade, indagando-a se vendia material de construção que tinha no seu jardim, tendo-lhe dito que não, pelo que o acompanhou até ao portão; nisto quando regressou a casa apercebeu-se de que não tinha a sua carteira no mesmo sítio, carteira esta que tinha cerca de 400,00€ XVII. Que teriam entrado por uma janela que estava aberta para a casa arejar

  14. Que a pessoa que a abordou acerca do material de construção não é o arguido

  15. Que passados três dias apercebeu-se de umas impressões digitais na janela onde depois encontrou a sua carteira já sem o referido dinheiro

  16. As autoridades que no dia em questão não vislumbraram quaisquer impressões digitais, volvidos três dias deslocaram-se ao local e feita a recolha das impressões digitais, a análise de dois vestígios lofoscópicos conduziram à identificação do arguido

  17. Perante tal factualidade, cumpre apurar-se se a vinculação do vestígio conectado à pessoa do arguido emerge, no caudal probatório, suficiente para permitir alcançar a conclusão de que o mesmo é o autor dos factos imputados

  18. Em conclusão de todos os testemunhos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento é pacífico que a sequência dos factos que sucederam, vislumbram, com forte probabilidade que alguém entrou na habitação da ofendida e que usou-se como distração um outro individuo, para subtracção da referida quantia monetária, pelo que este crime não foi realizado apenas por um indivíduo

  19. Contudo da prova recolhida e apresentada em audiência, mormente os vestígios lofoscópicos aferidos apenas permitem concluir que a região palmar da mão esquerda e a região palmar da mão direita do arguido estiveram em contacto com a janela da casa da ofendida

  20. Tal, porém, não esclarece em que circunstâncias até porque os vestígios apenas foram recolhidos dias depois da ofendida ter sido furtada – onde, quando, como e porquê – tal contacto ocorreu não se sabe, nem foi provado

  21. Se, por um lado, “como se escreve no Ac. do STJ de 27-05-2010 (Relatado pelo Conselheiro Soares Ramos, Proc. nº 86/08.0GBPRD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não forem proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)»

    XXVI Sucede que, face à inexistência de qualquer outro elemento de conexão à pessoa do arguido, centra-se no valor a atribuir às suas impressões digitais, o que convoca o problema da valoração da prova dactiloscópica

  22. Como se escreve no Ac. TR de Évora de 10.04.2018, relatado pelo Dr. Gilberto Cunha, processo n.º 29/12.6GDSTC.E2, disponível em www.dgsi.pt, “Em função daquelas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva: a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão. Devido à grande fiabilidade da prova dactiloscópica impõe-se, porém, especiais cuidados na sua recolha [quem efectuou a recolha e quando, por ordem de quem, em que objecto e lugar se encontrava depositada, e especificamente em que zona (vidro exterior ou interior) e na sua transmissão (não estando, naturalmente afastada a existência de erro do perito na comparação)]

    1. Mas se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional)

    2. Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória (tripartição analítica exposta, por todos, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Janeiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º300/04.0GBBCL.G2, Juiz Desembargador Relator Cruz Bucho, disponível em www.dgsi.pt).” XXVIII. Ora no caso em de que se recorre, para além dos vestígios referenciados, inexiste pura e...

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