Acórdão nº 378/20.0T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I M…, residente em… Abrantes, intentou a presente ação de processo comum contra M… - Associação …, com sede no … Abrantes, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €26.556,14 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

Alega, em síntese, que a Autora resolveu o contrato de trabalho com justa causa por falta culposa de pagamento pontual das remunerações e por lesão culposa de interesses patrimoniais sérios e face ao não reconhecimento pela Ré da justa causa invocada a Autora instaurou contra a Ré o Processo nº 61… que terminou com a transação homologada por sentença, sendo que, por essa via reduziu o pedido de €41.566,14 para €15.000.

Mais alega que a Ré ludibriou a Autora a fazer o acordo homologado por sentença, convencendo-a que iria cumprir pontualmente o acordado, agindo de má fé, com reserva mental, no entanto a Ré não cumpriu a transação homologada por sentença, dissipou património, após o que, a sentença homologatória foi objeto de execução e, posteriormente julgada extinta com transito em julgado por pagamento integral; no entanto, a Autora entende que ao transigir perdeu a chance de o processo ser julgado pelo Tribunal e obter uma decisão favorável com a procedência total do valor peticionado, pelo que requer a anulação da transação judicial e a condenação da Ré a pagar-lhe a diferença entre o valor inicialmente peticionado e o valor constante da transação.

Por despacho prolatado a 30.06.2021 foi declarada sem efeito a defesa apresentada pela Ré com fundamento na falta de constituição de Advogado, nos termos do disposto no Artº 41º do Código de Processo Civil, tendo sido determinado o desentranhamento da contestação.

Pelo que, considerou e bem o tribunal a quo que, porque o Réu, apesar de regularmente citado, não contestou, consideravam-se confessados os factos articulados pela Autora, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 1 do CPC.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2, do mesmo Código pugnando a Autora pela procedência da ação.

No momento próprio foi proferida sentença que julgou ação totalmente improcedente e, consequentemente, decidiu absolver a Ré de todos os pedidos.

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso: 1. A não apresentação de contestação conduz à confissão dos factos alegados na petição inicial – efeito cominatório semipleno (artigo 567.º, n.º 1, do CPC); 2. O tribunal a quo estava obrigado a dar por provados factos alegados pela Recorrente que não constam da matéria de facto provada, obrigando a um veredicto favorável à Recorrente; 3. Os factos dados por provados pelo tribunal a quo chegavam e sobejavam, por força do efeito cominatório semipleno, para que a sentença desembocasse na produção de um aresto favorável à Recorrente; 4. O tribunal a quo compreendeu, ainda que parcialmente, a versão dos factos apresentada pela Recorrente; 5. O tribunal a quo não inteligiu que, ao ludibriar a Recorrente, a Recorrida não tivesse intenção de cumprir a transação; 6. A Recorrente alegou na petição inicial que a ali Ré enganou a ali Autora, porque se aproveitou de todas as condicionantes que fragilizavam a posição da Recorrente e produziu uma declaração que sabia que não iria cumprir; 7. A Recorrente alegou na petição inicial que o intento da Recorrida era não pagar nada à Recorrente; 8. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré, quando negociou o acordo que pôs termo ao processo n.º 61…, o fez já com o intento de beneficiar com o fim da litígio, mas nada pagar à Autora; 9. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré emitiu, de má-fé, e em sede de transação judicial, uma declaração negocial que sabia que não iria cumprir; 10. O tribunal a quo carecia de ajuizar provado que a Ré, através desse artifício, logrou em obter a fixação de um valor indemnizatório inferior ao que era pedido pela Autora, reduzindo os eventuais impactos de uma cobrança coerciva, e engendrou medidas para que esta não conseguisse, através do processo executivo, fazer-se ressarcir.

11. Os factos supra alegados não tocam em matéria que só pode ser provada por documento exigível pela lei e são considerados confessados por decorrência das regras processuais aplicáveis; 12. Por força do efeito cominatório semipleno, resulta provado que houve reserva mental e dolo por parte da Recorrida; 13. Ocorre reserva mental sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário; 14. Quando alguém se confessa devedor de uma quantia e garante que a vai pagar em prestações mas não tem quaisquer intenções de pagar, pretendendo enganar a outra parte negocial e extrair vantagens de uma redução de valores a custear, está a emitir uma declaração contrária à sua vontade real; 15. Constitui dolo o facto da Recorrida utilizar artifícios e aproveitar-se da situação de fragilidade da Recorrente para a levar a aceitar um acordo que aquela não queria cumprir, acrescida do intuito de diminuir os riscos desse incumprimento; 16. A atuação com reserva mental e com dolo é ilícita só por si, independentemente de outras consequências que possa trazer em termos de validade das declarações negociais; 17. A Recorrida, de má-fé, dolosamente e com reserva mental, convenceu a Recorrente a transigir; 18. A Recorrida sabia e valeu-se do facto de que a Recorrente estava numa situação de fragilidade e de carência económica; 19. A situação de fragilidade e de carência económica da Recorrente foram essenciais para levar a Recorrente a aceitar a proposta de redução; 20. A Recorrente esta estava de boa-fé e plenamente convicta de que haveria cumprimento por parte da Recorrida; 21. Resulta provado dos autos a intenção de enganar da Recorrida e o sucesso nesse enganar, bem como os atos de materialização do seu intento torpe; 22. O tribunal a quo não dá por provado, mas reconhece que a Recorrida convenceu deliberada e ativamente a Recorrente e se aproveitou da sua condição de fragilidade; 23. Estão igualmente preenchidos os pressupostos do erro-vício ou erro-motivo; 24. A vontade negocial deve ser livre, esclarecida, ponderada e formada de um modo julgado normal e são; 25. A vontade da Recorrente não foi livre e esclarecida, nem ponderada e formada de um modo julgado normal e são; 26. Se alguém soubesse que outrem estava deliberadamente a tentar chegar a um acordo tirando vantagem da situação pessoal da outra parte e que não pretendia cumprir o acordado, não faria negócio; 27. O erro foi causado e perpetuado pela Recorrida, destinatária da declaração, que não poderia desconhecer a sua existência nem a sua essencialidade; 28. Toda a prova da Recorrente foi feita por força da revelia operante que ocorreu nos presentes autos; 29. Nunca houve uma contraversão atendível por parte da Recorrida que autorizasse ao tribunal a quo a considerá-la merecedora de mais crédito ou até concluir de maneira divergente das versões apresentadas; 30. O tribunal decisor não se pode afastar do iter lógico apresentado pela Autora, aqui Recorrente; 31. Atendendo ao todo que é a Petição Inicial e aos factos dados por provados resulta manifesto que a Recorrida conhecia a situação periclitante da Autora e o que a motivaria a aceitar o acordo; 32. Estão preenchidos os pressupostos do erro-vício; 33. Havendo dolo e reserva mental, e uma situação de erro-vício, estão reunidos os pressupostos de ilicitude que justificam a aplicação das regras da responsabilidade civil; 34. O tribunal a quo pronuncia-se sobre mais do que lhe foi pedido; 35. O dolo é o erro provocado por terceiro e não pelo próprio sujeito enganado; 36. O dolo permite não só a anulação ou invalidação da transação, mas permite estabelecer a ocorrência de um ilícito eventualmente indemnizável; 37. A obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade do negócio, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do direito de anular ou este já tenha caducado; 38. A decisão proferida pelo tribunal a quo vai contra a jurisprudência mais do que consolidada no nosso ordenamento jurídico; 39. A Recorrente pediu expressamente que a Recorrida fosse condenada a indemnizar a Recorrente pelos danos causados pela sua conduta dolosa; 40. Se o...

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