Acórdão nº 4/21.0GACCH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | EDGAR VALENTE |
Data da Resolução | 11 de Outubro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
No Juízo Central Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum colectivo n.º 116/18.7PAABT contra os arguidos: AA, filho de BB e de CC, natural da ..., nascido em .../.../1984, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ..., atualmente detido no Estabelecimento Prisional ..., DD, filho de EE e de FF, natural da ..., nascido em .../.../1983, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ..., atualmente detido no Estabelecimento Prisional ..., GG, filho de HH e de II, natural da ..., nascido em .../.../1991, solteiro, residente na Rua ..., Quinta ..., ..., ..., titular do passaporte n.º ..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C
* No decurso da audiência de julgamento foi comunicada uma alteração não substancial da factualidade descrita na acusação e da qualificação jurídica, mediante a imputação aos arguidos da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelos artigos 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C
* Após a realização da audiência de julgamento, foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo (transcrição): “Tudo ponderado, decide o Tribunal: a) Julgar procedente, por provada, a invalidade processual probatória que determina a nulidade da prova documental consubstanciada no registo fotográfico de fls. 7 a 17; b) Julgar improcedentes, por não provadas, as demais nulidades de prova invocadas susceptíveis de afectar a validade das diligências de busca e apreensão documentadas nos autos; c) Condenar AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C, na pena de 6 (seis) anos de prisão; d) Condenar DD pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C, na pena de 6 (seis) anos de prisão; e) Condenar GG pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 17.º, n.º 2, e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela anexa I-B e I-C;, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; f) Determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a GG pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social; (…).” Inconformados, os arguidos interpuseram recurso de tal decisão
O recurso foi admitido
Conclusões do recurso: (transcrição) “1. AA, DD e GG, arguidos melhor identificados nos autos à margem, e neles Arguidos, não se conformando com o teor do Acórdão Condenatório proferido nos presentes autos a 23 de fevereiro de 2022, com a referência: ..., vêm dele INTERPOR RECURSO, em MATÉRIA DE FACTO e em MATÉRIA DE DIREITO para este Alto Tribunal, nos termos do disposto no art. 427º do C.P.P
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Os recorrentes, quanto à matéria de facto, não irão proceder à transcrição dos depoimentos das testemunhas que se revelaram importantíssimas para a decisão da matéria de facto e, portanto, importantíssimas para aferir da bondade ou não da decisão proferida quanto a tal matéria, porque os recorrentes dão como boa e suficiente a súmula que o Tribunal recorrido faz de cada um dos depoimentos e que consta expressamente da decisão recorrida, concordando os recorrentes com a mesma., indicando-se apenas e tão só – por cautela – o inicio e o fim de cada um dos depoimentos por referência ao consignado nas respetivas actas de julgamento
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Se efectivamente for diferente o entendimento deste Tribunal sobre tal matéria, ie, se este Tribunal entender que sobre o recorrente assenta não só o ónus de indicação dos minutos das passagens tendo em conta o consignado em acta, mas também a transcrição dessas mesmas passagens para o texto da motivação do recurso, deverão então os recorrentes serem notificados para os recorrentes procederem à junção da transcrição das concretas passagens em que funda a sua impugnação da matéria de facto., já que tal indicação não consubstancia uma modificação do âmbito do recurso
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DA NULIDADE DA PROVA INICIAL: O espaço considera-se "vedado" quando o acesso não foi permitido para os fins utilizados pelos guardas da GNR, que nele se introduziram arbitrariamente, aí permanecendo sem o consentimento ou autorização do titular do direito protegido, ou legitimado por despacho judicial que o permitisse. O bem jurídico protegido através da incriminação (a inviolabilidade do espaço em causa) não deixa de ser dessa forma afectado, da mesma forma que não deixa de ser afectada a privacidade do domicílio quando alguém nele se introduz, contra a vontade do seu titular e sem despacho judicial que o legitimasse, mesmo que a vedação em rede tivesse, em alguma da sua parte, incompleta ou até no caso do portão se encontrar aberto. O crime de introdução em lugar vedado ao público não é um crime contra o património, mas sim um crime contra as pessoas, visando-se, através dele tutelar ainda a intimidade pessoal a que todo o cidadão tem direito. Impõe-se, assim, com base na factualidade descrita no douto acórdão e na oferecida fundamentação a propósito referida, concluir pela subsunção comportamental dos militares da GNR ao tipo incriminador p. pelo artº 191º do C.P, preenchidos que se mostram os respectivos elementos objectivos e subjetivos
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Os militares da GNR o que fizeram foi: entraram num lugar privado e vedado ao público sem qualquer ordem que o legitimasse, espreitaram por janelas, subiram por paredes até aos telhados da residência e suas dependências, percorreram toda a extensão da quinta e tiraram algumas fotografais daquilo que iam vendo, não tendo praticado qualquer acto cautelar… deixaram tudo conforme estava e vieram embora. Só depois deram conhecimento ao MP da denúncia, das fotografias juntas pelo informador, do auto de notícia de fls. e sgs e das fotografias que os próprios tiraram, só então propondo a emissão de mandados de busca domiciliária
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No caso dos autos, houve um verdadeiro “pré-inquérito” por parte da G.N.R.: a G.N.R. tomou conhecimento direto da prática de crime através da denúncia por parte de um informador habitual da GNR, tendo aquele fornecido à GNR as fotografias que demonstravam a prática do crime. A GNR tinha, ainda, a identificação completa dos suspeitos (tendo em conta a tal fiscalização do incumprimento das regras impostas pelo estado de emergência) e decidiram proceder a diligências prévias de investigação sem qualquer tipo de formalização, invadindo uma propriedade privada e vedada sem que se encontrassem legitimados a fazê-lo
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O artigo 248º nº 1 do Código de Processo Penal permite – no prazo ali indicado e sem abuso policial - a recolha de informação que vise assegurar a prática de actos cautelares previstos nos artigos 249º a 252º do diploma, o que não foi o caso em concreto dos presentes autos! 8. Pelo que entendemos que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare ilegítima a entrada dos militares da GNR no dia 6 de março de 2021 na …. – ..., tendo em conta a sua subsunção ao tipo incriminador p. pelo artº 191º do C.P. preenchidos que se mostram os respectivos elementos objectivos e subjetivos devendo ser declarado, consequentemente, a ilegalidade da recolha de informações contidas e juntas ao auto de notícia de fls. 3, não podendo portanto, serem as mesmas (informações) valoradas como elemento de prova documental nem poderão servir como fundamento para a emissão de quaisquer mandados de busca posterior
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DA NULIDADE DAS BUSCAS: Quanto a esta matéria os recorrentes vieram pugnar pela declaração de nulidade das buscas e apreensões, atento o disposto nos artigos 176.º, 177.º e 178.º, todos do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, na medida em que a suscitada nulidade do auto de notícia e da reportagem fotográfica que o acompanha contamina irremediavelmente a validade das diligências de busca e apreensão subsequentemente realizadas 10. De facto, tendo em conta o teor dos mandados de busca e respectiva fundamentação, verificamos - sem margem para dúvidas – que os mesmos foram emitidos exclusivamente tendo em conta (fls. 24) “a descrição dos factos efectuados pelo NIC da GNR, mas igualmente o relatório fotográfico de fls. 7 a 17”. Ou seja, foi proferido despacho a autorizar as buscas domiciliárias e a emissão dos respectivos mandados tendo em conta os factos percepcionados pelos militares da GNR quando entraram ilegitimamente na referida quinta e tendo em conta as fotografias que foram entregues pelo informador aos Militares da GNR, pois é destas que resulta que “ali se encontram plantadas, dezenas de plantas que aparatem ser canábis, cultivadas, com altura superior a 80 cm” (fls. 24) 11. Deste despacho resulta, ainda, expressamente que o lugar “encontra-se vedado com rede, encontrando-se as plantas no interior de um armazém, dotado de ventiladores e com janelas cobertas com plásticos pretos (fls. 24)
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Resulta ainda do despacho que ordena as buscas domiciliárias que o domicílio em causa – enquanto lugar reservado e não acessível ao público – se encontram pessoas e objectos relacionados com um crime suscetíveis de servir de prova
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Assim, foi ilegítima a recolha quer das...
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