Acórdão nº 335/18.6T9SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum singular coletivo que correm termos no Juízo de Competência Genérica de … - J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 335/18.6T9SSB, foram os arguidos AA, filho de BB e de CC, natural de ..., ..., nascido em .../.../1960, divorciado, comerciante, domicílio: Rua ... Quinta ... e DD, filha de EE e de FF, natural do ..., nascida em .../.../1967, divorciada, ..., domicílio: Rua ... Quinta ..., condenados nos seguintes termos: - AA, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres/regras de conduta: i) Obrigação de entregar à APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima a quantia total de € 5.000,00 (cinco mil euros) durante o período de suspensão, devendo entregar e comprovar nos autos: - Durante o primeiro ano de suspensão da execução da pena de prisão, quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); - Durante o segundo ano de suspensão da execução da pena de prisão, quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); - Durante o terceiro ano de suspensão de execução da pena de prisão, quantia de € 2.000,00 (dois mil euros)

ii) Proibição de frequentar o ... ou qualquer outro espaço associado ao tipo de atividade aqui em apreço (prostituição)

- DD, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres / regras de conduta: i) Obrigação de entregar à APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima a quantia total de € 3.000,00 (três mil euros) durante o período de suspensão, devendo entregar e comprovar nos autos: - Durante o primeiro ano de suspensão da execução da pena de prisão, a quantia de € 1.000,00 (mil euros); - Durante o segundo ano de suspensão da execução da pena de prisão, a quantia de € 1.000,00 (mil euros); - Durante o terceiro ano de suspensão de execução da pena de prisão, a quantia de € 1.000,00 (mil euros)

ii) Proibição de frequentar o ... ou qualquer outro espaço associado ao tipo de atividade aqui em apreço (prostituição)

* Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1º. O Tribunal Recorrido entendeu aderir, por decalque, à acusação, por um lado, alicerçando a sua convicção em elementos que não são prova e, como tal, proibidos de serem valorados (como sejam os relatórios intercalares de polícia e relatório final), em prova de ouvir dizer em relação ao principal investigador, e por outro lado, ignorando toda a prova produzida, mesmo a da acusação que de forma esmagadora arredou por completo a participação dos Arguidos Recorrentes nos factos imputados

  1. Este processo foi construído desde o seu início com o determinado fim visado – associar os Arguidos Recorrentes à participação dos factos de lenocínio, num processo de intenções, o qual partiu de um processo crime anterior contra os Recorrentes pelo qual estes foram condenados (ainda que tenham sido inicialmente absolvidos numa decisão corajosa de inconstitucionalidade material da norma que criminaliza o crime de lenocínio)

  2. A decisão recorrida padece de graves vícios, não apenas de valoração de prova proibida, como de vícios de revista alargada, concretamente, manifesto erro notório na apreciação da prova

  3. De igual forma o Tribunal a quo aplica mal o Direito aos factos provados, pois tal como se explicou em sede de alegações finais, ainda que a presente factualidade lograsse ser toda provada, ainda assim, nunca os Recorrentes podiam ser condenados pelo crime de lenocínio

  4. Os Arguidos Recorrentes foram acusados pelo Mº.Pº. imputando-lhes os factos descritos na acusação deduzida, considerando que os mesmos incorreram, cada um deles, em co-autoria material e na forma consumada e continuada, na prática de um crime de lenocínio, previsto e punido pelos artigos 169.º, n.º 1 e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal

  5. A sentença recorrida, afastando a pretendida qualificação de crime continuado, considerou que no caso concreto, “tal instituto não é aplicável”, entendendo, “por conseguinte, que estamos perante um crime de trato sucessivo”, e “assim, o Tribunal condena os arguidos pela prática de um único crime de lenocínio”

  6. Com efeito, no crime continuado, o elemento fundamental é a menor culpa do agente fundada numa menor exigibilidade

  7. Tal alteração da qualificação jurídica imporia sempre, atentas as manifestas diferenças entre a figura do trato sucessivo e do crime continuado, uma evidente agravação da moldura aplicável, pois, em regra, a figura trato sucessivo impõe um progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta. 9º. Ora, estando-se perante uma alteração de qualificação jurídica, impunha-se a necessidade de comunicação nos termos do artº. 358º do C.P.P.

  8. Assim, cumpria ao Tribunal recorrido o dever de, sob pena de nulidade, comunicar a alteração aos arguidos e conceder-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, o que de todo não fez! 11º. Assim, desde já se requer a V. Exas. a declaração de nulidade da sentença recorrida nos termos do artº. 379º nº 1 al. b) do C.P.P., por violação do disposto nos artsº. 358º nº1 e 3 do C.P.P., atenta a falta de comunicação da alteração da qualificação jurídica e a inerente decisão supressa

  9. A manifesta falta de prova admissível por parte do Tribunal Recorrido foi tão avassaladora que em desespero e em socorro da tese do Mº.Pº. que pretendia a todo o custo condenar os Arguidos, teve necessidade de valorar prova que está vedada ao Tribunal

  10. Em sede de motivação da decisão de facto, após um breve excurso em que o Tribunal a quo se refere a prova pericial inexistente nestes autos e que, como tal, só por lapso se pode compreender, consigna-se o seguinte: “Feitas estas considerações, cumpre referir que o tribunal formou a sua convicção através da análise dos seguintes meios de prova: Prova Documental - Relatório de serviço datado de 12.06.2018, fls. 4, onde se refere que, no dia 12.06.2018, foi recebida uma chamada telefónica a relatar a existência de atividades ilícitas no estabelecimento de diversão noturna ...; - Relatório de serviço datado de 11.06.2018, fls. 9 e 10, onde se refere que, no dia 10.06.2018, foi recebida uma chamada telefónica a relatar a existência de atividades ilícitas no estabelecimento de diversão noturna ...; (…) - Relatório intercalar datado de 15.10.2018, fls. 120 a 123; - Relatório intercalar datado de 24.10.2018, fls. 135 a 142; (…) - Relatório intercalar datado de 06.11.2018, fls. 206 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 19.11.2018, fls. 264 e ss.; - Relatório intercalar datado de 29.11.2018, fls. 289 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 12.12.2018, fls. 332 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 03.01.2019, fls. 431 e ss.; - Relatório intercalar datado de 16.01.2019, fls. 444 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 21.01.2019, fls. 489 e ss.; - Relatório intercalar datado de 27.01.2019, fls. 540 e ss.; - Relatório intercalar datado de 07.02.2019, fls. 565 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 20.02.2019, fls. 657 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 06.03.2019, fls. 728 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 19.03.2019, fls. 798 e ss.; - Relatório intercalar datado de 01.04.2019, fls. 848 e ss.; - Relatório intercalar datado de 15.04.2019, fls. 848 e ss.; (…) - Relatório intercalar datado de 29.04.2019, fls. 941 a 944; - Relatório intercalar datado de 13.05.2019, fls. 989 a 1022; (…) - Relatório intercalar datado de 27.05.2019, fls. 1107 e 1108; - Relatório intercalar datado de 06.06.2019, fls. 1140 e ss.; (…) - Relatório Intercalar datado de 18.06.2019 (fls. 1559 e ss.); - Relatório final datado de 13.11.2019, fls. 1913 e ss.; (…)” 14º. Como decorre, com evidência, do regime de permissões dos artºs. 355º e 356º do C.P.P. uma expressa proibição de valoração da prova por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado) e publicidade, próprio das nulidades (tal como é sustentado pelos professores Costa Andrade e Germano Marques da Silva), mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do artº. 126º do C.P.P., seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos artº.355º e 356º do C.P.P.) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos. A ofensa às proibições de prova determina a nulidade que é de conhecimento oficioso, embora baste o procedimento de não valorar as provas proibidas

  11. De essencial, devemos reter que as normas de proibições de prova, à margem da discussão sobre se serão regras de direito material ou adjectivo, o que parece indiscutível é serem regras imperativas de cumprimento obrigatório pelos Tribunais, não podendo por isso ser valoradas essas provas proibidas

  12. Ora, o Tribunal Recorrido decidiu, pasme-se, indicar como prova documental que valorou para sustentar a sua convicção, todos os relatórios de serviço, relatórios intercalares e relatório final de polícia!!! 17º. Os relatórios de serviço, os intercalares ou o relatório final de polícia não constituem prova documental na medida em que as declarações que esses relatórios consubstanciam não são idóneos a provar qualquer facto juridicamente relevante – alínea a) do artigo 255.º do Código Penal – uma vez que, na sua essência, essas declarações não traduzem em qualquer conhecimento directo dos factos que...

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