Acórdão nº 209/18.0JAFAR-J.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 209/18.0JAFAR-J, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de: - Devolução da quantia de 62 000,00 € apreendida nos autos ao arguido recorrente; - Devolução da fotografia junta aos autos fls. 1425

Inconformado com tal decisão, veio o arguido AA interpor recurso da mesma, na parte em que indeferiu a devolução da quantia de 62 000,00 €, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I.É objeto do presente Recurso o despacho judicial com a referência …, ponto 1, que indeferiu a devolução do montante de 62 mil euros que foi apreendido em busca realizada ao aqui recorrente, (mal) qualificado como corruptor ativo

  1. Em sede de fundamentação, o despacho judicial objeto do presente recurso entende que a apreensão foi validada (o que não se coloca em causa mas não impede o requerimento apresentado); discorre sobre o objeto do disposto no artigo 178.2 do Código de Processo Penal (em termos genéricos); refere a existência de diligências de investigação em curso para analisar a total dimensão da atuação do arguido (sem identificar quais, sendo que o processo tem sido consultado pelo mandatário do arguido, ora signatário, e de nenhum se vislumbra — nem é identificada, como se referiu — que possa ter como desiderato tal esclarecimento); que a atuação do arguido poderá ultrapassar a quantia de 300.00,00 euros já indiciada (erradamente, refira-se) nos autos; que a quantia é vista como vantagem, dada ou prometida (o que é uma verdadeira contradição uma vez que o arguido não é qualificado como receptor de qualquer quantia); que as circunstâncias e contexto da atuação do arguido justificam a sua manutenção (sem se identificar o que será o contexto da atuação do arguido)

  2. O arguido, por terem sido, há muito, excedidos os prazos para o terminus da fase de inquérito, requereu — e foi decretada — a aceleração processual

  3. Dos autos, consultados pelo ora signatário, não se vislumbra a realização ou a preparação de realização de qualquer diligência que, até objetivamente, seja passível de ser realizada para esclarecer a questão do montante de 62 de mil euros que foi apreendido e cuja devolução, em tempo, se requereu

  4. Em momento algum nos autos se fez referência ou, sequer, foi levantada a suspeita de estarem em causa mais de 300 mil euros (erradamente imputados, de resto) pelo que o despacho judicial, ao inovatoriamente fazer referência a que a quantia objeto de investigação pode ser superior demonstra ser apenas uma reação — que não uma suspeição — ao requerido e uma justificação sem qualquer substrato com os autos, a prova recolhida e os meios probatórios analisados

  5. Refere o despacho judicial objeto do presente recurso que a quantia de 62 de mil euros é vista como uma vantagem, dada ou prometida. Contudo, ignora o facto do arguido ter adquirido (e mal) essa qualidade como sendo um alegado corruptor ativo e não passivo pelo que não poderá a quantia que lhe foi apreendida constituir uma vantagem recebida

  6. Por outro lado, levantando a suspeita (inovatória suspeita) de que se trata de uma vantagem recebida, dada (por quem, não esclarece nem em termos indiciários) ou prometida (a quem e quando, também não é esclarecido), seria necessário concretizar e indicar, mesmo que indiciariamente, com base em que meio de prova (documental, interceção telefónica, comunicação eletrónica, testemunhal). O que não é feito

  7. Acresce que o argumento, no decurso de remissão para a pronúncia do Ministério Público ao requerimento apresentado pelo arguido para devolução da quantia de 62 mil euros, de que a apreensão visa garantir a execução de decisão final que declare a perda de obietos e vantagens do facto ilícito não é passível de ser atendível pois que, como determinado em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de de 2017, in http://www.dgsi.pt/itrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b66aOe8f2e29c61c8025810e002be4 o perdimento de vantagem a favor do Estado no crime de corrupção só tem lugar relativamente ao corrompido e não ao corruptor

  8. O despacho judicial remete — com recurso a técnica recorrentemente utilizada mas que, in casu, não parece ser a mais adequada atendendo ao objeto do que é discutido — para a pronúncia do Ministério Público

  9. Ora, dessa pronúncia resulta que, novamente de forma inovatória, ao contrário do que constava da promoção e despacho judicial que determinou as medidas de coação, a quantia de 300 mil euros objeto de processo, agora (convenientemente após o requerimento do arguido que deu lugar ao despacho judicial objeto de recurso) foi... em numerário (e isto sem que exista nada nos autos que milite nesse sentido)

  10. Também de forma inovatória (repete-se: nada nos autos militava nesse sentido até ter sido apresentado o requerimento pelo arguido e na promoção de medidas de coação e respetivo despacho judicial, em momento algum se alegou o que agora se alega), o Ministério Público refere que o montante em causa não será inferior a 300.000 00. Convenientemente — sem que haja indício algum — se adiciona o não será inferior..

  11. No mesmo sentido, é usada inovatoriamente (sem nada, nos mesmos termos acima indicados, que alicerce tal afirmação) a expressão que o arguido procedeu à entrega de pelo menos 300.000,00 euros. Adiciona-se, assim, apenas porque convém para ser indeferido o requerimento, a expressão não será inferior a 300.000,00

  12. Sempre no mesmo sentido, refere-se: no âmbito da qual também se poderia estar a preparar para entreqar mais 62.000,00 euros aos corruptos passivos. Com base em quê resulta tal afirmação e especulação? Não se diz. Tanto mais que logo de seguida recorre-se a uma expressão que nada concretiza: ligando a outros meios de prova ainda em análise. Quais? Não se diz

  13. Nada há nos autos onde se encontre, até agora, a referência a 362.000,00 euros (300.000,00 + 62.000,00)

  14. E não há nada confessadamente pois que não existe uma interceção telefónica, um correio eletrónico, um documento, um depoimento, nada de nada de onde possa resultar a especulação de que os 62 mil euros cuja devolução foi requerida faça parte do objeto dos presentes autos ou qualquer ilicitude quanto ao mesmo

  15. A mera detenção de montante em numerário não é presunção de ilicitude pois que ninguém é obrigado a ter dinheiro, apenas e tão só, depositado numa instituição financeira

  16. O arguido, erradamente qualificado como suspeito de ser corruptor ativo, não pode ser alvo de uma decisão, a final (sequer) de declaração de perda de vantagem

  17. Ao arguido, que requereu a devolução no momento em que requereu (aguardando pacientemente que o Ministério Público realizasse — que nunca realizou, certamente porque dúvidas nunca teve pois, para além do mais, nada questionou em sede de primeiro interrogatório de arguido detido quanto aos 62 mil euros), já mais do que ultrapassados os prazos de inquérito, deve ser devolvido o montante de 62 mil euros apreendidos à ordem dos presentes autos, só assim se dando cumprimento ao disposto no artigo 178.2 n.2 7, do Código de Processo Penal e não se violando (ao manter a apreensão) o disposto no artigo 178.2 n.2 1, do mesmo diploma legal.” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a devolução ao recorrente da quantia apreendida

* O recurso foi admitido, tendo o Ministério Público, apresentado a sua resposta, contendo as seguintes conclusões: “1. Estando em causa uma investigação envolvendo atos corruptivos traduzidos na entrega de pelo menos 300.000,00 euros em dinheiro a decisor político em troca de favores num procedimento de aquisição de terreno público municipal com vista à construção de destacada unidade hoteleira de grandes dimensões em zona balnear e tendo sido depois encontrada a quantia, em numerário, de 62.000,00 euros, dentro de um envelope numa gaveta da secretária do escritório na residência do suspeito e sem razão que o justifique, procedeu-se à sua apreensão dada a probabilidade de ligação com a suspeita de poder essa quantia estar relacionada com a mesma factualidade criminalmente relevante, nos termos do disposto no art.º 178º do Código de Processo Penal

  1. Este normativo prevê que possam ser apreendidos elementos que sirvam a prova da prática de crimes, instrumentos, objetos e vantagens relacionadas, possuindo um amplo campo de aplicação, concretamente para garantir a segurança de bens que tenham servido ou se destinassem a servir a prática de crimes, o seu produto, recompensa ou vantagem, em vista a assegurar o sucesso de possível execução da decisão final que venha a declarar a perda de objetos e vantagens do facto ilícito – tratando-se também de um meio de garantir os interesses do Estado e dos lesados

  2. Atendendo à imputada suspeita de atuação do arguido recorrente, entregando quantia em dinheiro para alcançar os seus objetivos, as diligências de investigação têm-se centrado no esclarecimento do eventual relevo daquela quantia assim encontrada para efeitos da intervenção e atuação do arguido, concretamente analisando prova documental, em suporte eletrónico e testemunhal, incluindo elementos apreendidos no escritório de advogado do recorrente, não estando pois findo o inquérito, ao invés do que o arguido argumenta para precipitadamente concluir que tal valor em numerário nada tem a ver com esta matéria e deve de imediato ser-lhe restituído

  3. E o facto de o recorrente já ter sido interrogado como arguido, de ter sido deferido incidente de aceleração processual ou ter decorrido muito tempo desde o início do inquérito não tem a virtualidade de o tornar moribundo e concluído, para efeitos de se poderem, sem mais, considerar esgotadas todas as diligências possíveis para esclarecer em que termos o arguido possuía tal valor, entre outros, na sua posse e a sua ligação com a...

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