Acórdão nº 69/21.4GBASL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Data11 Outubro 2022

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 69/21.4GBASL, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Grândola, foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs. 1 e 4 a 6, do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), do Regime jurídico das Armas e suas Munições (Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 15/07/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(...) julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência: a) – Condeno o arguido AA como autor material, em concurso efectivo de: - um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b), 4 a 6, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão; - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), do Regime jurídico das Armas e suas Munições (Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro), na pena de um ano e seis meses de prisão; b) – Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, condeno o arguido AA na pena única de dois anos e quatro meses de prisão efectiva; c) - Nos termos do disposto no artigo 152º, n.º 4 e n.º 5, do Código Penal, aplico ao arguido a pena acessória de proibição de contacto por qualquer meio com a ofendida, de se aproximar do seu local de trabalho ou da sua residência pelo período de três anos, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o arguido se encontrar em liberdade.

  1. – Condeno ainda o arguido no pagamento de 2 (duas) UC de taxa de justiça, demais encargos com o processo.

    (...).» 1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso presentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: «1. O arguido/recorrente foi condenado, pela douta sentença aqui recorrida, na pena única de dois anos e quatro meses de prisão efetiva, pela prática dos crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida (munições); 2. Os factos pelos quais o arguido foi acusado e condenado, no que respeita ao crime de violência doméstica, reconduzem-se ao envio de mensagens através de sms, e a uma chamada telefónica, cujos teores se mostram transcritos na douta sentença recorrida e dos quais resulta que na verdade o que está em causa é a sua vontade de ver a filha menor; 3. O arguido confessou os factos pelos quais se mostrava acusado, em sede de audiência de julgamento da causa; 4. O arguido/recorrente é consumidor habitual de estupefacientes, designadamente haxixe e de álcool, factos com os quais explicou o envio das mensagens, acrescentando que à data das mesmas “não estava bem”, devido aos referidos consumos; 5. Não houve, em nenhum momento, no que releva para a condenação ora em causa, qualquer contacto pessoal do arguido ora recorrente com a ofendida, não se tendo ele nunca dirigido a casa desta nem nunca a tendo abordado por qualquer forma; 6. O arguido/recorrente explicou que não tem qualquer arma para as munições que lhe foram apreendidas, todas diferentes, e que detinha as mesmas apenas com propósito colecionista ; 7. O arguido/recorrente é pessoa de modestíssima condição social, tem apenas o 6.º ano de escolaridade, o que fica bem patente na escrita das mensagens transcritas na douta sentença e na forma como se expressa ou como tenta transmitir sentimentos; 8. O arguido/recorrente está familiar e social e profissionalmente integrado, auferindo €800,00 mensais e contribuindo com uma pensão de alimentos a favor da filha que tem com a ofendida no montante de €150,00, sendo que a não suspensão da pena de prisão determinará que o arguido perca o seu emprego e fonte de rendimento.

    1. Os antecedentes criminais do arguido aqui recorrente estão relacionados com consumo e tráfico de menor gravidade de estupefacientes, e, a ele consumo associado, associado um crime de violência doméstica.

    2. Da Motivação da Matéria de Facto da douta sentença sub iudice – terceiro parágrafo parte final –, resulta que “a data em que as mensagens cessam coincide com a data em que o arguido é notificado da existência dos persentes autos, o que vale dizer que o mesmo só cessou o seu comportamento quando se viu confrontado com a possibilidade de votar a ser julgado”.

    3. De tal facto, não pode extrair-se senão que o arguido reage, é sensível à pendência de processo judicial – a ameaça de um novo procedimento criminal fez cessar de imediato a conduta do arguido –, mais o sendo por certo, ante a ameaça de cumprimento de uma pena efetiva de prisão.

    4. Da matéria julgada provada nos atos pela douta sentença recorrida, nada resulta que infirme possa ser efetuado um juízo de prognose favorável ao arguido e que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão não seja suficiente para garantir as finalidades da punição.

    5. O arguido/recorrente reputa de excessivo e desproporcionado a aplicação, aos factos julgados provados, de uma pena de prisão efetiva.

    6. A pena, cuja medida não contesta, deve ser proporcional à gravidade dos factos e às suas consequências, também no que respeita à possibilidade da sua substituição, pelo que a efetivação da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente, representa a aplicação de uma pena que ultrapassa a medida da sua culpa.

    7. A pena de prisão é inferior a cinco anos, pelo que pode ser suspensa na sua execução.

    8. O douto tribunal a quo ao não suspender na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente, julgando, ante os factos e a personalidade e circunstâncias de vida do arguido pela impossibilidade de um juízo de prognose favorável ao mesmo, fez errada interpretação do disposto no artigo 50.º do C. Penal, porquanto desconsiderou a personalidade do arguido, as suas condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos crimes e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados.

    9. A correta interpretação teleológica do artigo 50.º do C. Penal, que dá corpo, na lei ordinária, à consagração constitucional do caráter excecional das medidas privativas de liberdade, e a correta interpretação da sua letra, impõem a tomada em consideração de todos os aspetos para que aquele dispositivo remete, designadamente a personalidade do arguido as suas condições de vida e as circunstâncias em que foi praticado o crime, sendo essa a interpretação que deveria ter sido feita daquele preceito legal e que conduziria, in casu, à suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido através da douta sentença ora recorrida.

    10. Importa evitar que a aplicada ao arguido de uma pena efetiva de prisão possa contribuir para a sua degeneração.

    11. A suspensão da pena de prisão aplicada o arguido, por período igual ao da pena, mediante regime de prova, designadamente a sujeição a tratamento das adições ao álcool e a estupefacientes e a frequência de programa destinado a combater as práticas violentas nas suas múltiplas dimensões, designadamente a da violência doméstica, com a intervenção dos Serviços da DGRSP, alterando o paradigma social do seu comportamento, mostra-se adequada a assegurar as finalidades da punição, e contribuirá para a sua ressocialização e conformação com o direito, as quais se mostram ainda possíveis, tanto mais que o arguido e ofendida têm uma filha em comum, e é único propósito deste manter com a criança uma relação próxima e afetiva.

    12. A suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido aqui recorrente que consubstancia uma pena autónoma, de substituição, é, atendendo à personalidade do mesmo, a garantia da viabilidade da sua socialização em liberdade.

      Nestes termos e nos mais de Direito, requer seja concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do C. Penal, e subsumindo os factos ao direito, seja a douta sentença recorrida revogada e substituído por outra, que, cumprindo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 50.º do C. Penal , decida a suspensão da pena de prisão de dois anos e quatro meses aplicada ao arguido, por período que venha a ser julgado adequado, mediante a fixação do regime de prova que - em audiência de julgamento reaberta para o efeito, se assim for decidido -, venha a ser reputado adequado, assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA!» 1.4. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta, pugnando para que se negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1 - O arguido apresenta recurso relativamente a matéria de direito porquanto considera ser de suspender a execução da referida pena de prisão efetiva, e menciona, nomeadamente, o disposto no art.º 50, do C. Penal.

      2 - O objetivo das penas é a proteção, o mais eficazmente possível dos bens jurídicos fundamentais, implicando a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas do Estado, e na tutela de bens jurídicos e do ordenamento jurídico-penal.

      3 - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, sendo a pena um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele reincida.

      4 - Nestas circunstâncias entendemos que a pena aplicada ao arguido não se afigura desproporcional, nem desadequada às exigências de prevenção e da culpa que, no caso, se fazem sentir.

      5 - A d. sentença recorrida não se afigura ter violado o disposto nos artigos do Código Penal sobre a determinação da pena aplicada.

      6 - A Mm. ª Juiz julgou valorando os factos provados corretamente, conjugando-os e analisando-os à luz das regras da experiência e das normas legais, pelo que observadas estas...

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