Acórdão nº : 247/20.3GAVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. No Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de … procedeu-se a julgamento em processo comum, com tribunal singular, de AA, nascido a …/…/1981, com os demais sinais dos autos, a quem a acusação imputava a autoria, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, al. a), § 2.º, al. a) do Código Penal (CP)

BB, ofendida, constituída assistente, formulou pedido civil (PIC), peticionando a condenação do arguido/demandado no pagamento de uma indemnização de 3 800€, a título de danos não patrimoniais sofridos, decorrentes da conduta perpetrada daquele sobre a sua pessoa, no essencial descritos na acusação pública

O arguido não apresentou contestação, mas apresentou rol de testemunhas relativamente ao objeto da acusação e do PIC

Na quarta sessão da audiência (25nov2021) foi suscitado oficiosamente o incidente da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos mesmos, em conformidade com o que consta da ata respetiva

A final o Tribunal proferiu sentença na qual absolveu o arguido da prática do crime de violência doméstica, de que tinha sido acusado; e condenou-o como autor, em concurso efetivo, de: - um crime de injúria, previsto no artigo 181.º CP, na pena de 70 dias de multa; - um crime de violação de domicílio, previsto no artigo 190.º, § 1.º CP, na pena de 100 dias de multa; - e um crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º e 155.º, § 1.º, al.

  1. CP, na pena de 130 dias de multa

    Operando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes do concurso, condenou-o na pena única de 210 dias de multa à razão diária de 7€

    - Mais o condenando no pagamento à assistente de uma indemnização no valor de 3 800€, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal, da data da decisão, a título de danos não patrimoniais

    Inconformado com a decisão recorreu o arguido, o qual remata a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1 - Inicialmente o arguido vinha acusado, por acusação pública e particular por adesão, de ter cometido, em autoria material e na forma consumada um crime de violência doméstica nos termos do disposto do art. 152.º, n.ºs 1 al. a) e n.º 2, al.

  2. Código Penal

    2 - Em 25/11/2021 veio a ser efectuada, pelo Tribunal” a quo” uma alteração rotulada de alteração não substancial de factos e ainda da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação com o que passou a ver serem-lhe imputados um crime de injuria, um crime de ameaça agravada e um crime de violação de domicílio

    3 - O arguido opôs-se à continuação do julgamento para tal efeito e, não obstante essa oposição e a falta de efectiva e operante acusação particular quanto ao crime de injúria, Tribunal “a quo” efectivamente convolou do crime de violência doméstica para os crimes parcelares antes referidos, conheceu-os de mérito e condenou o arguido por todos e cada um deles

    4 - Ao fazê-lo cometeu as nulidades e errou na interpretação e aplicação do direito que a seguir se detalham: 5 - Nos termos do CPP (artº 1º alínea f)) : é considerada uma alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso, e nenhumas dúvidas existem acerca de que o arguido vem condenado por crimes diversos daquele pelo qual vinha acusado

    6 - Nessas condições e tendo em conta que o Tribunal recorrido condenou o recorrente por crimes pelos quais não vinha acusado, previstos em diferentes normativos, só pode afirmar-se que procedeu e firmou na sentença uma alteração substancial dos factos descritos na acusação quando só podia absolver o arguido neste processo e que, ao tomar em conta o que não podia tomar para condenar, como condenou, fez incorrer a sentença em nulidade por excesso de pronúncia consagrada no artº 379 nº 1 c) do CPP

    7- Não se ignora que o Tribunal recorrido, aliás, na esteira de uma corrente jurisprudencial que não se desconhece - a qual tem dado os contornos que entende à figura do crime diverso para efeitos de alteração substancial de factos, havendo mesmo quem chegue a dizer que “o legislador se quis referir a “facto diverso” utilizando a expressão “crime diverso”” - desvalorizou a questão dizendo que “a oposição que o arguido veio consignar nos autos, torna-se inoperante já que estamos no domínio do artº 358º, nº1 e 3 do CPP”

    8 - Mas não pode deixar de invocar expressamente que é a melhor jurisprudência a que afirma que “alteração substancial dos factos” significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, prevista em diferentes normativos, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação

    9 - Ora, sendo totalmente diferentes os elementos estruturais e subjectivos do tipo violência doméstica dos elementos estruturais e subjectivos dos crimes pelos quais o arguido vem condenado, assim como os bens jurídicos protegidos e ainda o diferente dolo desses diversos crimes

    10 - Sendo completamente diferentes as circunstâncias do cometimento ( os crimes pelos quais o arguido vem condenado inserem-se, sempre, apenas e só no contexto de discussões pontuais, de baixa intensidade e diminuta censurabilidade em situações fortemente stressantes)

    11 - Só pode afirmar-se ter-se verificado condenação nula por excesso de pronúncia tal como o consagra o artº 379 nº 1 c) do CPP, por ter o Tribunal conhecido de questão de que não lhe era lícito conhecer para condenar

    12 - Por outro lado, e caso assim não se entenda, sempre que se fracciona e parcela um crime continuado, como é o caso do crime de violência doméstica, para todos e cada um dos crimes parcelares “sobrantes” há que apurar se as demais exigências legais quanto ao crime para o qual se convolou o inicialmente imputado ao arguido estão completa e efectivamente reunidas

    13 - Pois só assim haverá respeito pelos direitos constitucionalmente consagrados nos artºs 27º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa, e pelos direitos do arguido entre os quais o de apresentar uma defesa eficaz, uma vez que há diferentes exigências legais para diferentes tipos de crime e o arguido tem o direito de usar a seu favor, por exemplo, a inexistência de condições de procedibilidade, tudo sem prejuízo para o dever de conhecer oficiosamente de tal matéria que impende sobre os Tribunais

    14 - Ora, quanto ao crime de injúria, a matéria de facto dada como provada ( factos provados 8 a 11 e 19) coloca os factos relevantes para a punição do mesmo como praticados até Maio de 2017

    15 - Acontece que, como é sabido, nestes autos ( peça citius …) a primeira notícia de crime nestes autos, no caso crime de violência doméstica, data de 7/08/2020

    16 - E a primeira notícia de que o arguido teria proferido as referidas frases data de 2/09/2020 ( peça citius …)

    17 - Sabendo-se que o crime de injúria é punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias, e que prescreve em dois anos ( artº 118º do CP)

    18 - Como entre Maio de 2017 e 7/08/2020 ou 2/09/2020 decorreram mais de dois anos

    19 - Estava, assim, já prescrito, à data da notícia do crime, este crime de injúria pelo qual o arguido vem condenado

    20 - Razão pela qual o Tribunal “a quo”, tratando-se de matéria do conhecimento oficioso, não devia ter conhecido de mérito a matéria atinente a este crime, por tal lhe ser imposto pelo artº 368º do CPP e, não o tendo feito, incorreu na nulidade por omissão de pronúncia consagrada no artº 379 nº 1 c) do CPP

    21 - Ainda que assim não fosse constata-se facilmente que o Tribunal “a quo” também nada disse quanto à oportunidade e tempestividade de apresentação da queixa criminal pelo crime de injúria

    22 - E, quanto a esta matéria, é também facilmente constatável e absolutamente indesmentível que, entre Maio de 2017 (data da prática da última injúria, de acordo com o Tribunal, e 02/09/2020 ( data da primeira referência/notícia no processo aos factos em que se suporta a condenção por injúrias ) decorreu múltiplas vezes o prazo de seis meses que o artº 115º do Código Penal consagra para tal efeito, sob pena de extinção, por caducidade, do direito de queixa

    23 - O que variada jurisprudência tem vindo a afirmar ser operante para situações de “desgraduação e parcelamento” do crime de violência doméstica

    24 - Razão pela qual, e tratando-se mais uma vez de matéria do conhecimento oficioso, e acresce à não dedução de acusação particular efectiva e operante, o Tribunal “a quo” se devia ter abstido de julgar de mérito quanto a este crime devendo, antes, ter decidido faltarem essas condições de procedibilidade (caducidade da apresentação da queixa e falta de acusação particular) e absolver o arguido

    25 - Quanto ao crime de violação de domicílio trata-se de um crime semi público, por força do artº 198º do CP, que também depende de participação/queixa

    26 - O arguido vem condenado neste crime segundo a factualidade dada como “provada em 12 a 16 e 38 a 40” 27 -O Tribunal, não obstante a questão da tempestividade da queixa e da legitimidade do Ministério Público ser de conhecimento oficioso, não quis apurar de forma mais concreta a data em que tais factos teriam sido praticados, e nada disse quanto à oportunidade e tempestividade de apresentação da queixa criminal/participação 28 - Mas, tendo em conta a factualidade dada como provada e logo a seguir sopesada na fundamentação de direito, tais factos terão ocorrido, sempre e em qualquer caso, antes do divórcio

    29 - Divórcio esse que o Tribunal ( factos provados 6.) coloca em Junho de 2018: “Tendo-se divorciado em …2018”, acrescendo que os documentos cuja leitura foi requerida, e obtida, em sede de audiência revelam até que tais factos não poderiam ter ocorrido depois de 06/12/2017 pois nessa data já se encontrava...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT