Acórdão nº 11/17.7GAGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de ...-J..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., com o n.º 11/17.7GAGDL.E1, foi o arguido AA filho de BB e de CC, nascido em ... no dia .../.../1987, solteiro, vendedor ambulante, atualmente detido no Estabelecimento Prisional ..., anteriormente residente em Avenida ..., ... ..., condenado da seguinte forma: - Pela prática um crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 do Código Penal, contra DD, na pena de 1 (um) ano de prisão

- Pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 do Código Penal, contra EE, na pena de 1 (um) ano de prisão

- Pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 do Código Penal, contra FF, na pena de 1 (um) ano de prisão

- Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão

- Pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25.º n.º 1 do Decreto-lei 15/93 de 22 de janeiro na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. - Em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos de prisão

- A pagar à demandante DD, a título de indemnização civil, a quantia de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros) acrescidos de juros à taxa legal de 4%, contabilizados desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento

- A pagar à demandante EE, solidariamente com os demandados GG e HH, a título de indemnização civil, a quantia de 3.000,00€ (três mil euros), encontrando-se a responsabilidade de Ana Sousa limitada a 1.000,00€ (mil euros) e a de HH a 500,00€ (quinhentos euros)

- A pagar à Unidade Local de Saúde do … a quantia de 91,91€ (noventa e um euros e noventa e um cêntimos), a título de despesas peticionadas no pedido de reembolso

Mais foi o arguido recorrente absolvido da prática de um crime de roubo, de dois crimes de ameaça agravada, de dois crimes de importunação sexual e de um crime de coação tentada

* Inconformadas com tal decisão, vieram as assistentes DD e EE interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I.Vem o presente recurso interposto da parte da sentença que absolveu o arguido AA da prática de dois crimes de importunação sexual (nas pessoas de DD e II), p.p. pelo artº 170º doCP, e de um crime de ameaça agravada (na pessoa de EE), p.p. pelos artºs 153º, nº 1 e a55º, nº 1, alínea a), ambos do CP, bem como das legais consequências nos respectivos pedidos de indemnização cível. As recorrentes não se conformam com a decisão proferida, na parte agora identificada, uma vez que, não só resultam provados factos, que levariam à condenação do arguido AA na prática dos crimes supra indicados

II.O tribunal a quo, deu como provado, e no que respeita à prática de dois crimes de importunação sexual, pelo arguido AA, os factos 3 e 15, fazendo o seu enquadramento jurídico e concluindo pelo não preenchimento do tipo subjectivo deste crime, ou seja, ficou provado que o arguido AA exibiu as nádegas, ânus e testículos à assistente DD e II, que dessa forma foram obrigadas a visualizar, sentido repulsa, mas entendeu o tribunal a quo que nem a assistente ou II temeram que o arguido em momento subsequente ao acto exibicionista avançasse sobre qualquer uma delas com intuito de praticar acto sexual. Ou que o arguido visasse a sua satisfação sexual, com tal acto. É com este enquadramento jurídico que a recorrente DD não se conforma, e por isso impugna a sentença nesta parte

III.O artº 170º do CP consagra três tipos de conduta objectiva: praticando sobre a vítima actos de carácter exibicionista (1), formulando propostas de teor sexual (2) ou constrangendo a vítima a actos de natureza sexual (3). Está em causa a primeira conduta

Que o tribunal a quo dá como provado no ponto 3

  1. O bem jurídico protegido com a norma do artº 170º do CP é a liberdade sexual da vítima: na vertente negativa significando a liberdade de não suportar certas condutas que agridam ou que constranjam a esfera sexual da vítima; na vertente positiva como liberdade de interagir sexualmente sem restrições

  2. Existe vasta Jurisprudência – Acórdão da Relação do Porto de 09/03/2011, proc. nº 329/09.2PBVRL.P1, acórdão da Relação do Porto de 12/05/2021, proc. nº 751/19.6PEGDM.P1; acórdão da Relação de Coimbra de 26/02/2014, com o nº de proc. 17/11.0GBAGD.C1 e, também, da Relação de Coimbra de 15/03/2017, com o nº de processo 13/15.8GBFIG.C1; Acórdão da Relação Guimarães de 23/11/2020, com o nº de processo 1700/17.1PBBRG-G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt – que entende estarmos perante um crime de dano, dano esse que se traduz na importunação; ou dito de outra forma, que os actos exibicionistas não consentidos pela pessoa a quem se dirige (e resulta da matéria dada como provada que não o foi), pode representar, só por si, um acto de importunação sexual violador da liberdade ou autodeterminação sexual dessa pessoa, e não apenas um acto imoral e/ou indecoroso

  3. Esta tese é a que mais se apresenta em consonância com a ratio daquele normativo (artº 170º do CP), pois que de outra forma se retiraria todo o sentido útil à incriminação ali prevista, por meio dessa conduta típica – o acto exibicionista – exigindo-se um outro elemento típico que não consta da Lei Penal: que aquele acto exibicionista cause na pessoa visada o perigo de que se lhe siga a prática de um acto sexual que ofenda a sua liberdade sexual

  4. Com a decisão de absolver o arguido AA dos 2 crimes de importunação sexual, o tribunal a quo violou o disposto no artº 170º, nº 1 do CP

  5. Verificados que estão os tipos de ilícito objectivo e subjectivo da norma incriminadora do artº 170º, nº 1 do CP (atentos os factos provados nos pontos 3 e 15) deverão V. Exas. alterar a decisão proferida por outra que condene o arguido AA, pela prática dos dois crimes de importunação sexual de que vinha acusado, com as legais consequências no pedido de indemnização cível peticionado pela recorrente e no que a este arguido diz respeito

  6. Consta da matéria dada como provada, no ponto 10, “Quando EE se levantava do chão, o arguido AA esticou os dedos indicador e polegar direitos, encolhendo os restantes, sinalizando uma pistola e proferiu a seguinte expressão “vou buscar a arma e dou-te um tiro” e no ponto 19 “Com a conduta descrita em 10, quis o AA causar medo, e inquietação momentâneas a EE.”; Resultando, ainda, da matéria dada como não provada, no seu ponto d) “Que o arguido AA tenha pretendido condicionar a liberdade de acção e de autodeterminação futura da assistente EE ao proferir a expressão descrita no ponto 10 dos factos provados.” X. Entende o tribunal a quo que não se encontra preenchido o tipo de ilícito criminal, na sua vertente objectiva, pois que a frase proferida “vou buscar a arma e dou-te um tiro”, proferida pelo arguido AA à recorrente EE, imediatamente após ter desferido um murro e empurrão nesta recorrente, não visou um mal futuro mas antes que no imediato iria concretizar esse mal que afinal não se veio a concretizar. Não se tendo materializado no momento em que deveria ter sido praticado a conduta, não poderá a assistente ter ficado condicionada ou limitada na sua liberdade e autodeterminação. O que se repudia, e não se concorda

  7. O crime de ameaça é um crime de perigo e de mera actividade, relevando para a incriminação que, independentemente do destinatário do mal correspondente a um dos factos típicos e ilícitos elencado no artº 153º, nº 1 do CP, a ameaça seja susceptível de ser levada a sério pela pessoa visada, à luz do critério supra indicado

    O tipo deste ilícito criminal não exige a ocorrência do dano para a sua consumação, bastando-se com a simples ameaça, e que esta seja adequada a provocar na ofendida medo ou inquietação (neste sentido vasta Jurisprudência: Acórdão da Relação de Évora de 05/05/2015, com o nº de proc. 11/13.6GFPTG.E1, da mesma Relação e de 25/10/2016 com o nº de proc. 766/13.8GCFAR.E1; Acórdão da Relação de Coimbra de 07/03/2012 com o nº de proc. 110/09.9TATCS. C1, também da mesma Relação de 03/02/2016 com o nº de proc. 164/11.8GAPNC.C1; Acórdão da Relação de Guimarães de 23/04/2012, com o nº de proc. 326/11.8PBVCT.G1, da mesma Relação de 08/04/2013, com o nº de proc. 944/12.7PBBRG.G1 e Acórdão de 22/03/2015 com o nº de proc. 607/12.3GBVLN.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)

  8. A factualidade provada nos pontos 10 e 19,1, 9, 52 alínea l) e 53, e à luz das regras da experiência comum, impunham ao tribunal a quo decidir pelo preenchimento daquele tipo legal, na sua vertente objectiva, pois que, XIII. Não só resulta provado que o arguido AA ameaçou a recorrente EE, a recorrente DD, e FF, em momento anterior (factos pelos quais veio a ser condenado na mesma sentença), como havia acabado de perpetuar crime de ofensas à integridade física na recorrente EE (factos pelos quais veio a ser condenado na mesma sentença), sendo ainda certo, que se encontra provado que o arguido já foi condenado por 1 crime de ofensa à integridade física simples, 1 crime de injúrias e 7 crimes de ameaçada contra as aqui assistentes e recorrentes, encontrando-se a cumprir pena de prisão, XIV. Pelo que não podia ter o tribunal a quo ter dado como não provado a alínea d), pois que a matéria dada como provada impunha uma decisão oposta, ou seja, de verificação do tipo objetivo daquele ilícito criminal

  9. O tribunal a quo conclui, ainda, que a frase proferida pelo arguido AA (ponto 10 da factualidade dada como provada) não remete para um mal futuro, antes informando de que no imediato iria provocar esse mal que afinal não se concretizou. (ponto 19 da factualidade dada como provada). Erradamente

  10. Face à factualidade dada como provada – pontos 10, 19, 1, 9, 52, alínea l) e 53...

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