Acórdão nº 209/18.0PAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 209/18.0PAVRS, Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António - Juiz 1, no processo em que é arguido AA foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição): “Já nos deparamos, por várias vezes e desde que assumimos funções nesta Unidade Orgânica, com processos, como o presente, em que foi proferida sentença a aplicar uma pena de prisão substituída por pena suspensa na sua execução, ainda que com subordinação a regime de prova ou injunções, e nos quais, em virtude de cumprimento de pena de prisão à ordem de outro processo, se considera que não é possível, em virtude desse cumprimento, elaborar relatório social, por um lado, e que o cumprimento da pena de substituição não tem inicio enquanto durar o cumprimento daquela pena efectiva aplicada naquele outro processo, por outro lado.

Já temos proferido despachos a este propósito, na esteira do que se expenderá infra, mas, dado o número de tais situações, cumpre, agora, desenvolver a argumentação vertida nesses despachos.

Antes de mais, a propósito do teor da promoção que antecede, convém não confundir prescrição de pena com cumprimento de pena. São realidades absolutamente diferentes e as possíveis causas de suspensão / interrupção da contagem de prazo de prescrição de pena são absolutamente inaplicáveis ao regime de cumprimento de pena (pressuposto, pois, o inicio de cumprimento de pena) – como infra se verá.

Assim sendo, a questão a dilucidar é a de saber quando se inicia o cumprimento de uma pena cuja execução foi suspensa (pena de substituição) e, além disso, saber se é possível suspender o cumprimento da pena suspensa na sua execução.

Vejamos.

Antes de mais, e de uma forma primordial (visto o principio da legalidade), não se vislumbra que exista qualquer norma ou regra legal que determine a suspensão da execução da própria pena suspensa enquanto o arguido estiver preso ou, mais genericamente, privado de liberdade – e “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debamos).

Depois, como resulta da lei, o início da suspensão da execução da pena de prisão (a sua execução, o decurso do prazo de suspensão) constitui efeito imediato da condenação transitada; analisa-se apenas no decurso do prazo que se inicia ipso facto com o trânsito em julgado da condenação (cfr. artºs. 467º, nº.1 e 494º nº.3 do CPP), sem mais (não são oponíveis exigências adicionais ao início da execução da pena). Pelo que, obviamente, a aplicação do regime de prova ou a imposição de deveres/regras de conduta são elementos acidentais e não essenciais (não integram a essência da pena mas as suas circunstâncias acidentais e particulares - podem não existir sequer) e a sua executoriedade (ou não) não condiciona por isso o início da execução da pena de suspensão da execução da pena de prisão. Logo, as condições de cumprimento da pena suspensa reflectem-se na forma de execução, não no início da execução; por isso a prisão apenas pode eventualmente integrar um incumprimento culposo (em certos casos, se assente em facto ocorrido no decurso da suspensão), que dá lugar à revogação (ou até prorrogação) da suspensão da execução da pena e não à sua suspensão (a prisão pode reflectir-se na suspensão da execução da pena de prisão através do seu facto gerador - crime cometido no decurso da suspensão - mas com efeitos sobre os termos da pena suspensa, não sobre a sua eficácia).

Parece-nos claro que inexiste incompatibilidade ontológica ou material entre a pena de prisão e a pena de suspensão da execução de outra pena de prisão: podem subsistir em simultâneo sem incompatibilidade de execução (das próprias penas, que não das circunstâncias aditadas à pena).

Uma pena de prisão aplicada em momento anterior à pena de substituição apenas releva quanto à escolha da espécie de pena a aplicar, não afectando a execução da pena suspensa escolhida.

A solução de uma possível suspensão da execução de pena suspensa é, do ponto de vista politico-criminal e na lógica da finalidade das penas, incoerente: além de se perder a ligação entre a condenação e a punição (quando for executada, a pena suspensa pode estar tão distanciada da condenação - e do facto fundante - que perdeu sentido enquanto reacção social e meio de recuperação do agente), é insustentável permitir ao arguido praticar crimes após o trânsito da decisão condenatória que aplicou a pena suspensa (também se cometem crimes na prisão), ou por outra forma violar os termos da suspensão da execução da pena de prisão, sem que tal se reflicta na pena suspensa, já definida mas pendente (é o próprio valor da pena suspensa que é assim negado, tornando-se mero simulacro).

Ainda, uma solução desse jaez conflituaria com o regime inscrito no artº. 125º, nº.1, al.c), do CP, devendo-se entender, como melhor solução, que a suspensão referida na norma apenas opera entre penas de prisão (rectius, privativas de liberdade); pelo que, em rigor, o prazo de prescrição de pena de suspensão da execução da pena de prisão, em si suspensa pela prisão do arguido - e por isso não estando a ser executada -, estaria a correr e poderia completar- se antes de a pena suspensa poder ser executada.

Cumpre notar que o princípio “pro libertatis” (fundado no carácter excepcional e sob reserva legal das restrições dos direitos fundamentais: art. 18º da CRP) não constitui cânone hermenêutico geral mas intervém como princípio orientador e opõe-se à solução por falta de critério legal que justifique a restrição (a pena constitui uma restrição pessoal; a sua dilação no tempo também dilata a restrição; a suspensão da execução da pena suspensa é pois uma restrição adicional).

Finalmente, como já o defendemos noutras situações, a própria medida disciplinar de arguido preso pode ser suspensa sem que nisso se veja incompatibilidade alguma (embora se admita que o jogo de valores é diferente. assentando a pena disciplinar em eventos ocorridos no decurso da própria prisão e por isso valendo para o próprio estabelecimento prisional, não deixa de indiciar a compatibilidade suspensão/prisão) – cfr, art, 109º do CEPMPL.

Revertendo, então, ao caso dos autos, temos que o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado a 23/05/2019, na pena de 9 meses de prisão, substituída por pena suspensa na sua execução e subordinada a regime de prova.

Já vimos, como deflui do sobredito, que o regime de prova é acidental à natureza da pena de substituição. Essencial é, apenas o decurso do tempo, sendo que execução da pena de substituição se inicia no dia seguinte ao do trânsito em julgado da decisão condenatória. O que, assim sendo, significa que a pena se cumpriu, pelo decurso do tempo, em 23/05/2020. A circunstância de não ter sido elaborado e homologado mapa / plano respeitante a regime de prova é algo que não pode ser imputado ao arguido – o arguido não pode ser prejudicado pela inércia do Tribunal (levando tal possibilidade ao absurdo, então, caso a inércia do Tribunal se estendesse por 5 anos, por exemplo, então a pena apenas se cumpriria ao fim de 6 anos !!).

Ou seja, e concluindo, entendemos que a pena de substituição já se encontra cumprida, pelo decurso do tempo, e, independentemente de inexistência de regime de prova, extinta nessa medida – cfr. artº. 57º do CP.

O que se declara. Notifique e d.n.

Após trânsito, remeta boletins.” 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª – O presente recurso vem interposto do douto despacho do Mm.º Juiz “a quo” datado de 30-03-2022 e identificado no sistema informático «Citius» com a referência n.º...36, que declarou extinta pelo decurso do tempo e com referência à data de 23-05-2020, a pena de nove meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do mesmo Código, e de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1; 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) todos do Código Penal, por considerar que não impede a execução das penas desta natureza a circunstância do arguido se encontrar preso em cumprimento de pena de prisão à ordem do Processo Comum Colectivo n.º 286/18.... do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Faro-J1, desde data do trânsito em julgado da sentença condenatória destes autos (em 23-05-2019) até ao presente momento; 2.ª – Em síntese, a sucessão dos factos relevantes em apreço, são os seguintes: 1 – O arguido AA foi condenado nestes autos na pena única de nove meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas pela prática de um crime de ameaça...

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