Acórdão nº 503/18.0T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 503/18.0T9STR, do Juízo Local Criminal de Santarém (Juiz 1), e mediante pertinente sentença, foi decidido: “

  1. Condenar o arguido FALCM como autor de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, e 184º, este referido ao artigo 132º, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz a pena de multa de 1080 euros, que, caso não seja paga, poderá ser convertida em prisão subsidiária nos termos do artigo 49º do Código Penal

  2. Condenar o arguido nas custas da ação penal, com taxa de justiça de 3 Unidades e meia de Conta”

* Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “Da nulidade da Sentença 1 - A sentença a quo, muito embora contenha os factos provados e não provados, contudo é omissa na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

2 - Conclui-se pela nulidade da sentença, por omissão de um dos requisitos integrantes da fundamentação exigidos pelo nº 2 do artigo 374º do CPP, nomeadamente do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

Do Erro Notório na Apreciação da Prova 3 - A sentença recorrida dá como provados, nos pontos 10 a 20, os factos alegados pelo Recorrente na sua contestação, os quais provam os factos imputados ao ofendido

4 - Não obstante os factos provados nos pontos 10 a 20, a sentença recorrida ignora esses factos, para concluir que o Recorrente imputa condutas abstratas que se traduzem em juízos de desvalor sobre o ofendido

5 - Também contrariando os factos vertidos nos pontos 10 a 20, conclui a sentença recorrida que o Recorrente não fez prova dos factos imputados ao ofendido

6 - Nem, outrossim, pode considerar-se que o Recorrente tivesse sério fundamento para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos imputados ao ofendido, isto não obstante a abundante prova documental junta pelo Recorrente

7 - Acresce que, a sentença recorrida também dá como não provados factos que, de acordo com as regras de experiência de um cidadão de cultura média, teriam de ser dados como provados

8 - Nomeadamente que o ofendido adquiriu o imóvel por um valor muito e manifestamente inferior ao seu valor de mercado, isto considerando que o ofendido adquiriu o imóvel por metade do valor patrimonial (15.000,00€) e que o vendeu por 220.000,00€!!! 9 - Que o valor da aquisição do imóvel, propriedade da massa falida, causou prejuízo aos credores da massa falida, entre eles o Estado Português, neste caso Segurança Social e Autoridade Tributária

10 - Por sua vez, deveria ser dado como não provado a matéria constante dos pontos 7 e 8, isto atendendo a que o Recorrente apenas quis denunciar, dar a conhecer, as suas dúvidas sobre a legalidade da atuação do ofendido, enquanto sócio-gerente e mandatário da sociedade comercial I, no que respeita à aquisição do imóvel, sobretudo depois de resultarem provadas as irregularidades havidas na cessão de créditos à cessionária I.

11 - A sentença enferma do vício elencado no artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP, pois efetivamente há erro notório na apreciação da prova, por se verificar flagrante distorção de ordem lógica entre os factos provados e não provados

Sem prescindir, 12 - O Recorrente fez prova dos factos imputados ao ofendido (pontos 10 a 20 dos factos provados)

13 - Os factos imputados ao ofendido constam de um requerimento subscrito pelo Recorrente, o qual constitui “resposta” ao alegado pelo ofendido na contestação apresentada no processo de que o Recorrente era Autor

14 - Os factos provados e vertidos nos pontos 4, 5 e 6 não preenchem os elementos objetivos do crime de difamação agravado de que o Recorrente foi acusado e condenado

15 - Foram, assim, violadas as normas dos artigos180°, nº 1, 184º, 188º, nº 1, alínea a), com referência ao 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal

Termos em que, e nos mais de direito, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente pela prática dos factos constantes da acusação, com o que se fará Justiça”

* A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se também no sentido da total improcedência do recurso

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência

II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da motivação do recurso, e em breve resumo, são três as questões a conhecer: 1ª - Saber se a sentença recorrida é nula, por não se encontrar devidamente fundamentada, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal (nulidade essa prevista no artigo 379º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal)

  1. - Apreciar da existência de erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal)

  2. - Determinar se os factos dados como provados na sentença revidenda preenchem, ou não, os elementos objetivos do tipo legal de crime de difamação

2 - A sentença recorrida

A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e quanto à motivação da decisão fáctica): “FACTOS PROVADOS: 1 – AFTM exerce a profissão de advogado, usando o nome profissional de ATM, com escritório na …, em …

2 – AFTM foi mandatado pela sociedade comercial I, Ldª, para intervir em sua representação em qualquer ação judicial, entre as quais no Processo nº…, que corre os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Comércio de … (Juiz…)

3 - Em 29 de setembro de 2017, ATM foi notificado de um requerimento apresentado por FLCM

4 - Com efeito, no dia 28 de setembro de 2017, no âmbito do aludido Processo nº …, o arguido FLCM apresentou requerimento por si subscrito e no qual, referindo-se ao ofendido ATM, profere as seguintes expressões: “as afirmações contidas no requerimento não são maioritariamente verdadeiras, antes fabricadas e ficcionadas pelo sócio-gerente da I, ATM, que, advogando em causa própria, conseguiu apoderar-se do património da empresa insolvente, de forma ilícita, ilegal e sem dispor de capital”

5 - Mais refere o arguido, em tal requerimento, referindo-se a ATM que “o exemplo da sua forma de atuar é o recente ato praticado em conluio com a administradora da Insolvência DrªAVM, que, no dia 26 de setembro, entenderam arrombar as portas, mudar as fechaduras e furtar bens, tendo sido apresentada uma queixa-crime no DIAP”

6 - Refere ainda o arguido, no aludido requerimento, e referindo-se, uma vez mais, a ATM, que é intenção do requerente colocar uma queixa-crime contra os sócios da «l», pelos insultos que são dirigidos no processo, participar à Ordem dos Advogados e ao Procurador da República, porquanto a venda dos bens é fraudulenta e prejudicou os credores, designadamente o Estado Português (Segurança Social e Autoridade Tributária), é por diversas razões ilegal, designadamente os bens foram vendidos por baixo valor ao advogado da empresa AM, ao arrepio do preceituado no artigo 579º

7 - Ao atuar da forma descrita, pretendia o arguido denegrir a imagem de ATM, descredibilizando a sua atuação como advogado e como mandatário da sociedade comercial denominada I, Ldª

8 - Igualmente sabia o arguido que as afirmações proferidas são suscetíveis de atingirem a honra, dignidade e consideração pessoal e profissional de ATM, que sabia ter atuado no exercício do mandato forense conferido pela sociedade comercial I, Ldª

9 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei

10 - Foi instaurada pelo Arguido ação de Processo Comum nos termos do artigo 205º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, a qual corre termos no Juízo de Comércio de …,J…, sob o nº …

11 - No seguimento da Contestação apresentada nos autos do referido Proc. … pelo queixoso Dr. AFTM, veio o arguido apresentar requerimento notificado ao ofendido a 29 de setembro de 2017, exercendo o seu direito ao contraditório

12 - Requerimento este que dá origem à queixa crime apresentada pelo queixoso e que origina o presente processo crime

13 - AFTM foi nomeado em 07 de abril de 2015 sócio-gerente da sociedade comercial I, constituída em 2014

14 - Fazia parte do património da empresa insolvente um imóvel, sito na Rua …, …, inscrito na matriz sob o nº …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, cuja propriedade foi reivindicada pelo arguido no apenso … do Proc. …

15 - Após negociações entre a Administradora de insolvência e os sócios-gerentes da I, este imóvel foi vendido à I, por 15.000 euros, sendo o seu valor patrimonial exarado na escritura de compra e venda de 35.584,66 euros

16 - O imóvel supra identificado foi vendido em 04 de setembro de 2019 pela I, pelo valor de...

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