Acórdão nº 1333/12.9TXLSB-W.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Tribunal de Execução de Penas de Évora corre termos o processo de liberdade condicional referente a JQ, em reclusão no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, sendo que, para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional por referência aos 2/3 da pena, após instrução dos autos, o Conselho Técnico reuniu e emitiu o respectivo parecer, tendo sido ouvido o recluso e vindo a ser proferida sentença que não lhe concedeu a liberdade condicional

Inconformado, o condenado interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª O recorrente encontra-se a cumprir uma pena de 18 (dezoito) anos, 11 (onze) meses e 6 (seis) dias de prisão

  1. Está preso desde 5 de maio de 2007, ou seja há 14 (catorze) anos e 7 (sete) meses, tendo-lhe sido sucessivamente negada a concessão da liberdade condicional a ½, aos 2/3 da pena, na primeira e agora na segunda renovação da instância

  2. O Meritíssimo Juiz de Direito fundamenta a não concessão da liberdade condicional essencialmente na gravidade do crime cometido, por entender que existe alguma ambiguidade no discurso do recluso que não demonstra verdadeiro sentido autocritico, 4.ª O relatório elaborado pela equipa da DGRS refere nas suas conclusões o seguinte: “Com uma dinâmica familiar estruturada, com indicadores de recursos económicos suficientes, JQ dispõe de condições facilitadoras da sua reinserção social

    Refere ainda, 5.ª Perante o crime manifesta capacidade de autocrítica e de descentração, penaliza-se pelo seu comportamento criminal

    Mais refere, Em meio prisional vinha registando uma evolução positiva, facto que lhe permitiu iniciar medidas de flexibilização da pena em dezembro de 2017, situação que se alterou em março de 2018 por incidente disciplinar (posse de telemóvel). Retomou as medidas de flexibilização da pena em fevereiro de 2019, aproximação ao meio livre que tem vindo a consolidar com sucesso

    Concluindo, 7.ª Perante o exposto, somos favoráveis à concessão de liberdade condicional.” 8.ª De igual modo o Conselho Técnico emitiu por unanimidade parecer favorável à concessão da liberdade condicional

  3. Sendo todos os pareceres favoráveis à concessão da liberdade condicional ao condenado, existe um especial dever de fundamentação para os afastar, não bastando a simples enumeração de acórdãos onde se refere o seu caracter facultativo

  4. Tal não foi feito

  5. A lei (art.º 61, n.2, al. a), faz depender a concessão da liberdade condicional da formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes

  6. Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspetivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vitima quando disso seja caso (art.º 173.°, n.º 1 do CEPMPL)

  7. Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência. Por isso que, na análise da concessão da liberdade condicional não seja nunca possível a formulação de um juízo de certeza. Na verdade, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a delinquir

  8. É, consensual que a liberdade condicional se destina a facilitar a reintegração do condenado na sociedade, tendo em conta as finalidades da pena e os objectivos da sua execução, consagrados nos artigos 40.º n.º 1 e 42.°, n.º 1 do Código Penal

  9. À segunda renovação da instância após o cumprimento dos dois terços da pena, a libertação do condenado depende apenas da verificação de requisitos intimamente conexionados com as finalidades de prevenção especial que a imposição e execução da pena devem prosseguir

  10. Não se pode olhar isoladamente para um ou outro factor relevante para o juízo sobre a possibilidade de reinserção social em liberdade e interpretá-lo perdendo de vista o quadro geral que está à nossa frente

  11. Foi Venerandos Juízes Desembargadores o que foi feito na fundamentação da decisão proferida

  12. O recorrente assume a prática do crime de homicídio qualificado, que contextualiza num quadro de discussão estradal

  13. O recorrente refere estar muito arrependido da prática de tal crime, lamentando o sofrimento que causou à vítima e à sua família

  14. O recorrente encontra-se preso pela primeira vez, datando a sua reclusão de quando tinha 32 anos de idade

  15. O recorrente tem actualmente 47 anos de idade

  16. Tem estrutura familiar de apoio, companheira e sogra, pretendendo voltar a residir com estas.

  17. Pretende trabalhar com a companheira na venda ambulante e online de vestuário, calçado e acessórios

  18. Concluiu com aproveitamento unidades de formação de curta duração

  19. Beneficiou de 9 (nove) Licenças de Saída Jurisdicional e 9 (nove) Licenças de Saída de Curta Duração, todas com avaliação positiva

  20. Encontra-se em cumprimento de pena em RAI, exercendo funções laborais como faxina dos pavilhões de pernoita de tal regime

  21. A jurisprudência e a doutrina vão no sentido de considerar que é mais eficaz para facilitar o processo de ressocialização que se inicie a transição gradual e fiscalizada do condenado para a vida livre através da concessão da liberdade condicional em vez de o manter em reclusão

  22. O recorrente está a 14 meses de atingir os 5/6 da pena (15 de fevereiro de 2023), tendo já cumprido uma pena bastante longa.” Termina peticionando o seguinte: “Deve o presente recurso merecer provimento e em consequência: - Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, sujeita às condições adequadas à sua condição

    NORMAS VIOLADAS: - Art.º 61.°, n.º 2, al. a) do Código Penal.” O recurso foi admitido

    O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo: “1. Por douta sentença proferida em 7.12.2021 nos autos à margem identificados, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso JQ, o qual atingiu em 19.12.2019 os dois terços do somatório das penas que cumpre sucessivamente

    1. Verificados que estão os pressupostos formais, tendo sido atingido o cumprimento de dois terços da pena a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes

    2. O Mmº Juiz decidiu não conceder ao recorrente a liberdade condicional na sequência da apreciação dos respetivos pressupostos, em sede de renovação da instância, e a decisão recorrida baseou-se nos elementos constantes dos autos, de cuja conjugação resulta a existência de fortes exigências de prevenção especial

    3. Aquelas exigências derivam, além do mais, da falta de adequado sentido crítico do recorrente quanto à grave conduta criminal – designadamente no que toca aos crimes de ofensa à integridade física qualificada e homicídio qualificado – já que aquele manteve postura ambígua, não alterando a sua versão de negação do propósito do crime de homicídio mas apresentando discurso teatralizado na tentativa de convencer do seu arrependimento

    4. O Mmº Juiz “a quo” tomou em consideração os aspetos positivos presentes no percurso prisional do recorrente – mais concretamente as boas perspetivas de integração familiar e laboral – bem como o parecer favorável do Conselho Técnico e não ignorou o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP mas não considerou os aspetos positivos suficientes para anular o juízo negativo decorrente da já mencionada reduzida consciência crítica e da personalidade violenta constatada bem como da impreparação para o cumprimento de regras que resulta do extenso rol disciplinar do recorrente (que comporta um total de quinze infrações)

    5. A todos os aspetos negativos mencionados pelo Mmº Juiz “a quo” corresponde uma impossibilidade de formular um juízo de prognose favorável –...

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