Acórdão nº 642/17.5T8SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

J.M.

e M.M.

intentaram acção declarativa, com processo comum, contra M.A.C.

, pedindo a condenação da R.

a encerrar o estabelecimento comercial denominado “Bar (...)”, até efectuar todas as obras necessárias ao funcionamento em condições de ruído de acordo com o regulamento geral do ruído, nomeadamente ser instalada uma cobertura integral com utilização de caixilharia de alumínio ou PVC com vidro duplo de 6+8 mm dispondo de uma caixa de ar, aplicação em toda a sua superfície interior de uma manta de lã com espessura de 50mm e uma densidade de 50kg/m3 protegida com papel kraft, ventilador de extracção com saída de ar a ser orientada 180º em relação à orientação agora existente e, nos locais sensíveis mais próximos, deverá o limitador instalado na amplificação sonora ser regulado para satisfazer a desigualdade laeq

Pediram ainda a condenação da R. em sanção pecuniária compulsória, de €150,00 diários, caso não encerre e até conclusão das ditas obras.

  1. Para tanto, invocaram, em síntese, que são donos e legítimos proprietários do prédio contiguo ao “Bar” de que é proprietária a R.; que o ruído emitido pelo dito bar, que funciona até às 04h00, não tem permitido aos AA. descansar; que, apesar das queixas apresentadas junto das autoridades competentes, a R. não resolveu a situação; e que os AA. são pessoas idosas e a privação do descanso tem vindo a agravar o seu estado de saúde.

  2. Citada, veio a R. apresentar contestação, invocando, no essencial, que se os AA. não descansam não será pelo ruído emitido pelo bar da R., pois no local existem outros estabelecimentos de diversão nocturna que necessariamente emitem ruído; que ao longo de 30 anos os AA. nunca se queixaram do ruído emitido pelo estabelecimento da R., e que só o fazem agora porque pretendem instalar no rés-do-chão da sua casa um estabelecimento com características idênticas ao da R..

  3. Dispensou-se a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Foi realizada perícia judicial consistente na medição do ruído ambiente no interior do quarto dos autores e avaliação da incomodidade sonora decorrente do funcionamento do estabelecimento bar “(...)”, localizado na Rua (...) – Aldeia do Meco, concelho de Sesimbra (cf. fls. 28 a 51 do presente processo, com os esclarecimentos do Sr. perito de fls. 67 e 68).

  4. Procedeu-se à audiência de julgamento, no âmbito da qual foi efectuada inspecção judicial ao referido bar e ao quarto dos AA. na presença das partes e dos seus Ilustres advogados, e auxílio do Sr. perito, Hugo Leitão, subscritor do relatório pericial elaborado no âmbito da referida perícia judicial, tudo conforme consta das várias actas da audiência final.

  5. Após, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: «… julgo a presente acção parcialmente procedente e decido condenar a ré, M.A.C. a encerrar o estabelecimento comercial denominado “Bar (...)” até efectuar as seguintes obras: - Instalação de uma cobertura integral na esplanada das traseiras com utilização de caixilharia de alumínio ou PVC com vidro duplo de 6+8 mm dispondo de uma caixa de ar, - Aplicação em toda a sua superfície interior do bar de uma manta de lã com espessura de 50mm e uma densidade de 50kg/m3 protegida com papel kraft, - Ventilador de extracção com saída de ar a ser orientada 180º em relação à orientação agora existente e - Nos locais sensíveis mais próximos, deverá o limitador instalado na amplificação sonora ser regulado para satisfazer a desigualdade laeq

    Mais se condena a ré em sanção pecuniária compulsória, de €150,00 diários, caso não encerre e até conclusão das ditas obras, sendo estas duas condições cumulativas.» 7.

    Inconformada com a sentença interpôs a R. o presente recurso, que motivou, concluindo do seguinte modo: 1.ª Tendo o Tribunal recorrido dado como provado que o estabelecimento da R. emite ruído que incomoda os AA. e, tendo-se também provado que naquele local existem estabelecimentos de diversão nocturna que também emitem ruído, não se pode concluir como se conclui na douta Sentença, que só o ruído proveniente do estabelecimento dos RR. incomoda os AA..

    1. Isto porque, na douta Sentença não consta qual a razão pela qual o ruído que o estabelecimento da R. emite incomoda os AA. e, o ruído que os demais estabelecimentos limítrofes emitem não incomoda.

    2. Pois, é da logica das coisas que o ruído incomoda, venha ele de onde vier.

    3. Esta contradição de que a douta Sentença enferma, torna-a inválida, já que não demonstra um raciocínio lógico que todas as decisões judiciais terão necessariamente de conter.

    4. Os factos provados em 4. 5. e não provado 7 foram-no com base no relatório pericial junto aos autos pelo Sr. perito nomeado pelo Tribunal.

    5. Ora, este relatório é também inválido, uma vez que o Sr. Perito nunca prestou qualquer compromisso e teria de o fazer, por força do disposto no artigo 479.º do Cód. Proc. Civ..

    6. Mesmo que assim se não entenda, este relatório nunca deu cabal cumprimento ao que foi determinado pelo Tribunal. Não só porque nunca permitiu à R. poder acompanhar a perícia, como nunca respondeu aos quesitos propostos.

    7. Assim, não poderia o dito relatório ser valorado como foi, já que o mesmo é manifestamente inválido.

    8. Sendo que, a invalidade do relatório pericial ficou cabalmente demonstrada ao Tribunal aquando da deslocação ao local.

    9. Já que, teve o Tribunal a oportunidade de in loco constatar que no quarto dos AA. não se ouve qualquer ruído proveniente do estabelecimento da R., pese embora a musica estar alta, as janelas abertas e, no local não haver movimento.

    10. Não podendo servir para afastar a ausência de ruído verificada no quarto dos AA., o facto de o Tribunal não dispor de conhecimentos de som e de acústica, como consta da douta Sentença recorrida.

    11. Do depoimento das testemunhas Dr. (…) e, Eng.ª (…), resulta claro que se os AA. ouvem ruído na sua casa, esse ruído não provem somente do estabelecimento da R..

    12. Pelo que, não pode a R. ser condenada a fazer obras no seu estabelecimento para impedir o ruído que os AA. dizem ouvir na sua casa, quando outros comprovadamente também emitem ruído.

    13. Sendo que esta incomodidade que os AA. dizem sofrer por força do ruído alegadamente emitido pelo bar da R., não é compatível com o facto de eles (AA.) ali residirem há dezenas de anos e, o estabelecimento da R. funcionar há cerca de 30 anos.

    14. O que também não é compatível com o facto provado em 20 dos factos provados, onde consta que os AA. exploram ali apartamentos que arrendam a visitantes ocasionais.

    15. Estas incompatibilidades e incoerências de que a douta Sentença recorrida enferma saem reforçadas com os depoimentos das testemunhas Dr. (…) e Eng.ª (…).

    16. Até porque esta última, tem conhecimento directo dos factos como aliás consta da motivação da douta Sentença recorrida.

    17. Pelo que a douta Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a R. do pedido e assim se fará justiça.

  6. Contra-alegou a A., começando por referir que as obras de insonorização do estabelecimento que pedia na acção correspondem às que a R./Recorrente propunha fazer a título de obras no âmbito do projecto de som/insonorização apresentado no à Câmara Municipal de Sesimbra (processo administrativo n.º 120/2002), que nunca fez, e sustentando a improcedência do recurso nas seguintes conclusões: 1.ª A recorrida entende que a douta sentença “a quo” não merece nenhum reparo.

    1. A recorrente, nas suas doutas alegações, é de opinião que o Tribunal “a quo” deveria ter considerado como não provado diversos factos, que não tem qualquer amparo nas provas produzidas em sede de julgamento, o que não se pode admitir.

    2. A perícia realizada foi conclusiva, nomeadamente constatou de forma inequívoca a existência de ruído emitido pelo estabelecimento da R., até porque quando foi realizada a referida perícia os demais estabelecimentos estavam encerrados, acompanhando de resto, as várias perícias existentes no processo 4.ª O perito indicado pelo Tribunal, elaborou de forma exímia o relatório apresentado, além de ter prestado compromisso, ao contrário do que afirma a recorrente.

    3. Mais importa referir, que todas as questões complementares colocadas pelas partes foram devidamente esclarecidas pelo perito nomeado.

    4. Razão pela qual, o referido relatório pericial é válido e poderá ser valorado pelo julgador, face ao princípio da livre apreciação da prova.

    5. A sentença recorrida mas não diz que condenar a Ré naquilo que ela própria propôs, no projecto de insonorização.

    6. Temos em que se requer, mui respeitosamente, a V. Exa., que se digne julgar infundado o presente recurso a que se responde, considerando que não assiste razão à recorrente, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo, até porque a decisão do tribunal “a quo” nada mais é do que a própria proposta apresentada pela Ré.

  7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    * II – Objecto do recursoO objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.

    Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões: (i) Da nulidade da sentença; (ii) Da alteração da matéria de facto; e (iii) Da reapreciação jurídica da causa, no sentido de apurar se ocorre, ou não, fundamento para a imposição à R. da realização das obras de insonorização do seu estabelecimento comercial determinadas na sentença.

    * III – FundamentaçãoA) - Os Factos A.1.

    Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Os autores, J.M. e M.M. são donos e legítimos proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), sito na Rua (…)...

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