Acórdão nº 1117/20.0GBLLE de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | NUNO GARCIA |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 1117/20.0GBLLE o arguido AF foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que interessa): “VIII – DECISÃO Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais supracitadas, julgo procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público, por provada, nos termos sobreditos e, em consequência: a) condeno o arguido AF pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, a contar da data do trânsito em julgado da sentença com regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do mesmo diploma legal [plano vocacionado para a temática do crime perpetrado, nos termos supraexpostos]
-
aplico ainda ao arguido AF a pena acessória de proibição de contactos, por qualquer meio, com a ofendida SS, com recurso a fiscalização pela DGRSP por meios de controlo à distância [caso a ofendida consinta na fiscalização] durante o período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos permitidos pelo n.º 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal, com base nas razões supra aduzidas a respeito
-
aplico ainda ao arguido AF a pena acessória de proibição de uso e porte de arma durante o período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos permitidos pelo n.º 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal, com base nas razões supra aduzidas a respeito
-
Ao abrigo do disposto nos artigos 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro e 82.º-A, n.º 1 do Código do Processo Penal, arbitro a favor da ofendida SS para compensação dos danos por ela sofridos em consequência da conduta criminosa do arguido, uma quantia no valor de € 1 000,00 [mil euros], a suportar pelo arguido.” # Inconformado com tal sentença, dela recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1. O tribunal “a quo” na presente sentença, dá como provados factos, que resultando da simples leitura da sentença, bastando a análise do respectivo texto, sem recurso a outros elementos processuais, se constata um erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do C.P.P
-
Refere a douta sentença como factos provados, " O arguido manteve uma relação de namoro com a ofendida SS entre agosto de 2020 e o dia 9 de dezembro de 2020"
-
O Tribunal "a quo" refere na sua douta senteça que, "A mesma(ofendida) esclareceu que teve pena do arguido e que mesmo assim tentou perceber se poderia dar uma nova oportunidade ao arguido para continuarem com a relação – reconheceu que passava fins de semana com ele e que em agosto de 2021 teve relações sexuais com o mesmo (o que implica, ter retirado o aparelho de vigilância para que o mesmo não alertasse as autoridades)
-
Por um lado, na sentença, do Tribunal de julgamento, dá como provado que "O arguido pegou então numa garrafa de gin em vidro e embateu com a mesma contra a nuca da ofendida, partindo aquela garrafa"
-
Por outro lado, o Tribunal " a quo" transcreve as declarações da ofendida, nestes termos, " A garrafa partiu-se com esse impacto (a assistente admite que pode ter esbracejado e a garrafa se ter partido) e, depois, entornou a garrafa pela assistente abaixo." 6. Pela simples leitura da sentença, verifica-se a existência de um erro notório na apreciação da prova, assim, destes dois factos dados como provados, deveriam ter tido outra interpretação, por um lado a relação amorosa, durou pelo menos até Agosto de 2021, e o arguido não partiu a garrafa de gin na cabeça da ofendida, 7. E se dúvidas subsistissem, o relatório médico junto aos autos, vem dissipá-las quando refere que "A examinada apresenta as seguintes lesões com o evento: - Crânio: sem alterações (sublinhado nosso)
-
Finalmente, o tribunal considera como provado o seguinte facto: "e dirigiu-se ao roupeiro, regressando junto da ofendida com uma arma de ar comprimido"
-
Quando a ofendida nas suas declarações refere: Ficheiro n.º 20210906144959_4200520_2870836, minutos 56.35 a 56.41 conforme se transcreve: " Eu não vi honestamente onde ele foi buscar a arma"
-
O tribunal " a quo" ao decidir, decidiu "contra reum", fazendo tábua raza ao príncipio do "IN DÚBIO PRO REO"
-
O tribunal "a quo" considerou como provados factos, apenas pelas declarações prestadas pela ofendida, esta situação não levantaria dúvidas se a ofendida ao prestar declarações, não tivesse mentido em tribunal, prestando assim falsas declarações no seu primeiro depoimento, havendo a necessidade de a ouvir novamente
-
Também foi dado como provado na presente sentença o seguinte facto: "O arguido introduziu o cano da arma na boca da ofendida, z “ ninguém p p ?” 13. A ofendida no que respeita à arma, por um lado disse que o arguido colocou a arma na sua boca e na boca dele, e também veio referir mais tarde o seguinte: sessão 06-09-2021, ficheiro n.º 20210906144959_4200520_2870836, minutos 35.12 a 35.36: "Ele quando foi buscar a arma, só me disse, eu vou acabar já com esta merda toda, eu mato-te a ti, e depois mato-me a mim e andou com a pistola para trás e para a frente entre mim e ele e pronto e entretanto recebeu uma chamada telefonica e foi aí que...(juiz faz outra pergunta)." 14. Onde a arma foi deixada, a ofendida declarou que a arma estava em cima da cama, e quando as amigas entraram no quarto, viram a arma, esse facto foi desmentido pelo testemunho da amiga e pelo testemunho do GNR, que referiu que a vítima lhe tinha dito que havia uma arma debaixo da cama
-
Havendo contradição entre os testemunhos e as declarações da ofendida, as provas que têm por função a demonstração da realidade dos factos, e não meros indícios sobre os mesmos, deveriam todos estes factos terem sido dados como não provados , o que conduziria a outras soluções na questão de direito
-
Não havendo prova bastante e suficiente no que respeita a autoria dos factos, estes factos não deveriam ter sido considerados provados, aplicando-se assim o príncipio in dubio pro reo; 17. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação – art.º 32.º n.º 2 da Constituição. O tribunal “a quo” têm, obrigatoriamente, de militar um sentido favorável ao arguido, que se presume inocente até prova em contrário
-
O comportamento da ofendida não se enquadra no esteriótipo de uma vítima de violência doméstica, como o tribunal "a quo" entendeu, mas sim numa pessoa manipuladora, controladora, aproveitando o facto do recorrente gostar dela, e assim usar o recorrente, senão vejamos: a. No dia em que o recorrente saiu do estabelecimento prisional de Olhão, para a colocação dos meios de vigilância à distância, a ofendida esteve e conversou com o arguido; b. Foi a ofendida que arranjou 2 cartões de telemóvel para os dois se poderem comunicar sem problemas, pois sabia das restições de contacto do arguido para com ela; c. Como foi transcrito anteriormente, a testemunha PG, afirmou que passados 3 ou 4 dias de o arguido estar em sua casa, a ofendida começou a ir para lá, ficando praticamente todos os fins de semana, e até por vezes aparecia durante a semana; d. A ofendida tratava da roupa do recorrente, lavava a sus roupa suja, para não sobrecarregar a dona da casa; e. A ofendida quando estava com o arguido, deixava conscientemente o aparelho da vigilância à distância na sua casa, para que o aparelho não fosse accionado nos serviços da DGRSP; f. Quando o recorrente mudou de casa, foi a ofendida que o ajudou a fazer a mudança, para a nova casa em …; g. A ofendida continuou a se encontrar com o recorrente na sua nova casa em …; h. A ofendida em Março fez um interregno na relação, mas voltou a contactar com o recorrente em Agosto, tanto mais que referiu que no dia 24 de Agosto tiveram relações sexuais; i. E apesar de ter sido avisada pelo Tribunal, no dia 6 de Setembro de 2021, que não se devia aproximar do arguido, a ofendida no dia 20 de Outubro, no seu depoimento disse que tinha se encontrado com o recorrente no dia 6 de Setembro, data da 1ª sessão de julgamento
19- Pelo exposto deverá o recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica, pois não se preencheu os elementos subjectivos e objectivos deste tipo de crime, quanto muito deveria o recorrente ser condenado pelo crime de injúrias e de ofensas à integridade física
20-A pena aplicada ao recorrente é excessiva, contudo e apenas por mera hipótese académica, deverá ser aplicada ao recorrente uma pena de prisão suspensa sem a aplicação da medida de controle técnico à distância
21- A medida acessória foi aplicada sem que a decisão proferida pelo tribunal "a quo" tenha o devido fundamento da imprescindibilidade do uso dos meios técnicos de controlo à distância, não bastando a remissão para a ocorrência de episódios integrantes daquele tipo, dado que restringe direitos, liberdades e garantias do arguido 22 - A medida acessória de controle à distância deverá ser revogada
Face ao exposto deverá o recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica, não obstante, e como foram preenchidos os elementos típicos de um crime de injúrias e de ofensas à integridade física, são estes os crimes pelos quais o arguido deveria ter ser punido
Sem prescindir, e caso V. Exas Venerandos Desembergadores, assim o não entenderem, a douta sentença deverá ser revogada, quanto à medida da pena principal bem como a acessória por ser manifestamente excessivam, e acrescendo o facto de a medida acessória, não estar devidamente fundamentada a imprescindibilidade do uso dos meios técnicos de controlo à distância, dado que restringe direitos, liberdades e garantias do arguido devendo assim ser revogada
VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES FARÃO, NO ENTANTO A TÃO...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO