Acórdão nº 669/15.1T9ABF.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.
Nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal de (…), com o n.º 669/15.1T9ABF, foi proferido despacho indeferindo o requerimento apresentado pelo arguido de não transcrição da condenação no certificado de registo criminal.
Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: ““I - Resulta à saciedade que o Tribunal a quo considerou e bem que encontram preenchidos os dois primeiros requisitos presentes no artigo 13.º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5/05, nomeadamente os requisitos objetivos do arguido não ter sido condenado em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza.
II - Não se pode o Arguido coadunar nem aceitar que o terceiro requisito do artigo 13.º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5/05 não se encontre preenchido e muito menos pode o Arguido aceitar a fundamentação para tal consideração por parte do Tribunal a quo, motivo pelo qual o Arguido TAZ apresenta o presente recurso, com no que à matéria de Direito diz respeito, nomeadamente quanto ao não preenchimento do requisito de que das circunstâncias que acompanharam o crime não se induzir o perigo de prática de novos crimes.
III - O Tribunal a quo fundamentou no sentido de indicar que contrariamente até à posição do Ministério Público, tal requisito estaria preenchido, não havendo qualquer motivo para indeferir o peticionado pelo Arguido, não fosse o objectivo do Arguido pretender seguir a carreira de Advocacia e perante tal pretensão do Arguido, é uma das condições para a inscrição junto da Ordem dos Advogados, sendo que a decisão de não transcrição invadiria a esfera da Ordem dos Advogados, tendo efeitos perniciosos, impedindo uma plena valoração por parte da Ordem dos Advogado sobre as reais condições do aqui Arguido.
IV - Fundamentação e decisão essa que na óptica do Arguido TAZ se traduz numa clara violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, todos previstos na Constituição da República Portuguesa.
V – O artigo 13.º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5/05 impõe expressamente, ou seja, nem sequer de interpretação carece que são necessários três requisitos, cumulativos, sendo um deles expressamente que “sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.
VI - O normativo legal é claro e inequívoco, o decisor tem que analisar se existe VII - Resulta à saciedade que não existe essa perigosidade.
VIII - Nenhum indício indica que exista o perigo da prática de novos crimes.
IX – O douto Tribunal entendeu que o fim punitivo da pena de forma a que o Arguido tivesse consciência do crime cometido, foi a multa penal, consciencializando assim o mesmo de que a sua conduta era punida por lei e evitando que o mesmo voltasse a repetir o mesmo tipo de crime.
X - O Tribunal a quo decidiu que a multa penal seria suficiente para a sua ressocialização.
XI - Se assim não fosse, o douto Tribunal teria decidido por uma condenação diferente e mais punitiva ao analisar a conduta e postura do Arguido em sede de audiência de julgamento.
XII - Foi o próprio Tribunal a quo a referir expressamente que quanto ao Arguido TAZ as exigências de prevenção especial não assumem particular relevo uma vez que o mesmo é primário, se encontra profissional, familiar e socialmente integrado e o decorrer do tempo veio demonstrar que tais exigências de prevenção especial se demonstraram efetivamente corretas.
XIII - Os factos pelo qual o Arguido foram condenados aconteceram em 14 de Julho de 2015, ou seja à mais de 5 anos e 7 meses e nesse decurso de tempo o Arguido não cometeu qualquer tipo de crime, aliás, conforme o douto Tribunal teve oportunidade de verificar, não se encontra o Arguido sequer com nenhum inquérito a correr contra si.
XIV - A conduta do Arguido tem sido imaculada.
XV - E é com o facto de passados 5 anos e 7 meses o Arguido não ter cometido qualquer tipo de crime ou ter qualquer inquérito a correr contra si que prova que o Arguido TAZ demonstra a sua conduta e não com as simples presunções que o Tribunal a quo apresenta.
XVI - Resulta à saciedade que o terceiro requisito que o Tribunal a quo entende não se verificar, efetivamente verifica-se, estando tal requisito preenchido, nomeadamente é por demais evidente que das circunstâncias que acompanharam o crime não se induz o perigo de prática de novos crimes.
XVII - O Tribunal a quo, vem muito além da letra da lei para indeferir o peticionado pelo Arguido, pois conecta o crime cometido com a profissão que o Arguido pretende exercer.
XVIII - Sem qualquer fundamentação refere o Tribunal a quo que relativamente a tal conexão afigura-se não se poder concluir pela verificação do terceiro requisito.
XIX - Pois entende que quem cometeu o tipo de crime como o qual o Arguido foi condenado, atenta contra o bem jurídico da prossecução da justiça.
XX - Mas não é tal acepção que está em causa no terceiro requisito, o que está legalmente normativizado é a indução no perigo de prática de novos crimes.
XXI - O Tribunal a quo ainda vai mais longe, refere mesmo que a decisão de não transcrição poderia ter efeitos perniciosos, pois poderia impedir a Ordem dos Advogados de ter o conhecimento de tal condenação e a consequente idoneidade.
XXII - Mas, mais uma vez questione-se, onde está escrito tal requisito no artigo 13.º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5/05? XXIII - Em momento algum encontra-se plasmado na lei que quem se pretende candidatar à Ordem dos Advogados, não pode ver condenações não transcritas.
XXIV - Se fosse essa a intenção do legislador tinha a mesmo sido expressa nesse sentido.
XXV – O Tribunal a quo como que se substitui à própria Ordem dos Advogados, referindo que a natureza da condenação suscita dúvidas sobre aquele requisito de idoneidade, já que a profissão que o arguido quer abraçar não pode ser desligada do escopo da boa administração da Justiça.
XXVI - O que leva a nova questão, afinal o artigo 13.º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5/05 tem como requisito os indícios de prática de novos crimes? Ou a idoneidade do condenado para o exercício de determinada profissão? XXVII – Tendo o Tribunal a quo optado pela segunda via.
XXVIII - Salvo douto melhor entendimento, a resposta parece perentória de que o artigo 13.º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5/05 tem como requisito os indícios de prática de novos crimes e não a idoneidade do condenado para o exercício de determinada profissão.
XXIX - Resultando assim à saciedade que o Tribunal a quo valeu-se de fundamentos que vão muito além da letra da lei para decidir que o terceiro requisito do artigo 13.º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 5/05 não se encontra preenchido.
XXX - O princípio da Legalidade em matéria penal encontra-se prevista nos artigos 30.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, com aplicação, entre outros nos artigos 118.º, 125.º e 127.º do Código de Processo Penal.
XXXI - O princípio da legalidade é fundamental e norteia todo o Direito Penal, sendo que na sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à lei, traduz-se numa limitação de poderes estabelecidos pela própria lei.
XXXII - Importa entre outros o brocardo “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que não há crime nem pena sem lei, extrai-se o seguinte: – Não pode haver crime sem lei; – A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula poena sine lege certa”; – Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine lege previa”; – Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras – “nullum crime nulla poena sine lege strica”; – Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroactividade das leis penais mais favoráveis.
XXXIII - Por outro lado, o princípio da legalidade impõe particularidades no âmbito da competência para a criação de normas penais incriminadoras e normas penais favoráveis.
XXXIV - O princípio da legalidade impõe a exigência da intervenção judicial ou da imediação judicial na aplicação ou na apreciação da responsabilidade criminal do agente.
XXXV - O princípio da legalidade impõe ainda a proibição de uma dupla condenação pelo mesmo facto.
XXXVI - O princípio da legalidade impõe também a proibição de interpretação da lei de forma desfavorável ao Arguido, o que no âmbito do presente Recurso e da decisão a quo foi o caso.
XXXVII - Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento considerado crime, deve conter, em conexão com essa descrição, a correspetiva sanção jurídico-penal.
XXXVIII - O mesmo se aplicando a todas as leis que não prevêem tão só crimes mas como outros desideratos penais ou de aplicação em processo penal.
XXXIX - O princípio da legalidade tem um fundamento político, um fundamento saído da Revolução Francesa, do Iluminismo, e que assenta na ideia de que existe uma razão comum a todos os homens que encontram expressão comum na lei e evitam o arbítrio.
XL - Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos direitos individuais.
XLI - O princípio da legalidade, mesmo no domínio do Direito Penal tem uma justificação e um fundamento de constituir uma garantia de direitos individuais do cidadão.
XLII - Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da legalidade tem esse fundamento: garantir os direitos individuais do cidadão, uma delas afere-se pelas pessoas que têm a missão de criar crimes e estabelecer as correspondentes sanções jurídico-penais, isto é, que tem a missão de fazer leis penais.
XLIII - Do princípio da legalidade decorre a ideia de que não há crime nem pena sem lei (escrita), a definição de um comportamento como crime e a correspondente sanção que se lhe aplica tem de...
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