Acórdão nº 184/19.4GBRMZ-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo (…), no âmbito dos autos com o NUIPC nº 184/19. 4GBRMZ, por decisão de 14 de julho de 2021, o Exmº Juiz de Instrução Criminal decidiu rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido TAT. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido TAT, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Nestes autos, o Senhor Juiz de Instrução entendeu rejeitar o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo Recorrente. 2. Apresentou como único fundamento o facto de o processo ter de seguir, qualquer que fosse o desfecho da instrução, para a fase de julgamento, uma vez que o Recorrente, para além da acusação da prática de dois homicídios (um na forma tentada), se encontrava também acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida. 3. E elencou um conjunto de opiniões terceiras sobre o tema. 4. Nenhuma delas abordava a situação dos autos sobre as quais o Senhor Juiz de Instrução se pronunciava. 5. Uma, teórica, alargava o conceito de inadmissibilidade legal da instrução, sem referir qualquer situação semelhante à dos autos. 6. As outras duas, jurisprudenciais e com origem nesse Tribunal da Relação de Évora, resultavam também de situações substancialmente diferentes – num caso, tinha-se apenas requerido a realização de exames adicionais e no outro, a requalificação jurídica dos factos levados a julgamento, sem que em ambas se colocasse em crise o prosseguimento do processo. 7. Ora, o RAI apresentado pelo Recorrente tem como estrito objetivo a comprovação judicial da decisão de deduzir, apontando uma insanável contradição entre a posição do MP de promover a revogação da pena de prisão preventiva do Recorrente por ausência de indícios fortes da prática dos crimes (promoção aceite e confirmada pelo Juiz de Instrução), e a decisão de deduzir acusação, que pressupõe a constatação da existência de indícios suficientes (art. 283.º do CPP), estes necessariamente mais exigentes do que aqueles. 8. Esta alteração da opinião do MP, sem que qualquer nova prova junta aos autos a justificasse, se sujeita ao crivo da comprovação judicial reclamada pelo Recorrente, levaria necessariamente à revisitação, pelo Senhor Juiz de Instrução, da posição que assumiu quanto à prisão preventiva, momento em que aceitou o argumento da insuficiência dos indícios. 9. O despacho que inviabilizou a instrução ultrapassa, de facto, essa dificuldade, mas ofende a conceção constitucional e processual da figura do juiz de instrução/juiz das liberdades. 10. Na verdade, ir a julgamento acusado de detenção de arma proibida não é o mesmo que ir acusado, além disse crime, de dois crimes de homicídio. 11. Sendo certo que o reflexo social desta situação ofende os direitos ao bom nome e ao processo justo e equitativo que a Constituição da República reconhece a todos os cidadãos. 12. Como se verifica também uma interpretação ilegítima do conceito de inadmissibilidade legal da instrução, em violação do art. 287.º do CPP. 13. Já que o Recorrente no seu RAI colocou em crise substancialmente os fundamentos da decisão acusatória. 14. Pelo que é de elementar dever sujeitá-la à comprovação judicial. 15. Tanto mais que, se acusado apenas pela detenção de arma proibida, o Recorrente poderá beneficiar da suspensão provisória do processo, a qual só pode ser invocada nas fases do inquérito ou da instrução. Nestes termos, E nos mais de direito, deverá a decisão impugnada ser revogada e substituída por outra que determina o prosseguimento da fase de instrução até, oportunamente, que esta seja encerrada pelo despacho de pronúncia ou não pronúncia. E assim decidindo, VV. Exas. Farão Justiça! * O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito. * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respetiva improcedência e formulando as seguintes conclusões: 1. Por não se conformar com o despacho, de 14 de Julho de 2021, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, vem o arguido TAT interpor recurso do mesmo. 2. Não lhe assiste razão. 3. O arguido TAT encontra-se acusado pela prática, como co-autor e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, nºs. 1 e 2, alíneas c) e e), do Código Penal, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, nºs. 1 e 2, alíneas c) e e), 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 23.º todos do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro. 4. Como é sabido, a instrução tem por fim a comprovação judicial da decisão de acusar (em face do que já existe) e não pode servir para outra finalidade que não a que a lei lhe determina, nomeadamente, não pode servir para ensaiar a defesa, antecipando o julgamento. 5. Ora, nos autos, ao insurgir-se contra parte da acusação, ao afirmar que o depoimento da ofendida ZAZ constitui o único elemento que faz dele um participante activo nos factos e ao pretender que os peritos clarifiquem a posição assumida (verificação de incapacidade superveniente da ofendida ZAZ), o arguido TAT apenas pretende uma antecipação do julgamento. 6. Não pretende o controlo da conformidade/legalidade da actividade do Ministério Público, que culminou com a decisão de acusar, mas tão só, como refere o Tribunal a quo, “a produção de prova (…)”, pois limita-se a pedir a realização de exames e não a apreciar globalmente a decisão do Ministério Público de deduzir acusação. 7. Por outro lado, o arguido TAT exclui, ab initio, do âmbito da discordância em relação à acusação, a factualidade relativa ao crime de detenção de arma proibida, cuja autoria, em concurso real com os crimes de homicídio (consumado e tentado), lhe é imputada na acusação. 8. Assim, encontra-se originária e irremediavelmente impossibilitada a admissão do requerimento para abertura de instrução, que é inócuo do ponto de vista da finalidade central da instrução: decidir da sujeição, ou não, do arguido a julgamento. 9. Pelo exposto, entende-se que o requerimento para abertura de instrução é legalmente inadmissível, não merecendo, portanto, o despacho recorrido qualquer reparo. Termos em que deve se negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido. Vossas Excelências, porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça! * No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. * Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, a assistente respondeu ao Parecer manifestando a sua adesão ao mesmo. * Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência. * Fundamentação -Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de...

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