Acórdão nº 90/20.0T8RDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ MANUEL BARATA |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Proc.º 90/20.0T8RDD.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: (…) Recorrido: (…) – Companhia de Seguros S.A.
*No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Competência Genérica do Redondo, (…) – Companhia de Seguros, S.A.
propôs ação declarativa comum contra (…), peticionando que este seja condenado a pagar à Autora o montante total de € 10.097,18 acrescida de juros vincendos e vincendos, custas e procuradoria, com fundamento em acidente de viação causado por animal pertença do réu.
Após instrução e julgamento, foi proferida a seguinte decisão: Pelo exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente e, em consequência, decide-se condenar o Réu (…) a pagar à Autora, o montante de € 10.
097,18, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde a data da citação (24.06.2020) até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo Réu.
* Não se conformando com o decidido, (…) recorreu da sentença formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC: 1. A Douta sentença em causa padece de múltiplas deficiências e mesmo nulidades, que a enfraquecem, a tornam ininteligível e que forçam a respetiva reapreciação.
-
Independentemente de erro de escrita, constante do artigo 2.º da contestação – onde se lê que o réu aceita o constante dos artigos 14.º e 17.º da PI quanto à propriedade da vaca interveniente no sinistro, quando se pretendia afirmar que o réu não aceita o vertido em tais artigos do petitório – o certo é que não pode o Tribunal considerar provados, sem mais tais preceitos, uma vez que existindo no local registo de todo o gado bovino existente, a prova de pertença da vaca ao R. apenas poderia fazer-se com base em documentos oficiais, não sendo operante a mera confissão desse facto (e sem a existência do Auto que contenha as declarações do Réu, a reconhecer tal propriedade) exigível pelo artigo 371.º do Código Civil.
-
Tratando-se de prova que apenas pode ser apreciada por referência a documentos, incorre o Tribunal “a quo” em nulidade prevista nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil; 4. Não foi realizado teste de alcoolemia ao único interveniente humano, o segurado na Autora o qual, com grande segurança e coragem afirmou em audiência – o que é de louvar e deve ser reconhecido – que não foi sujeito a qualquer teste de alcoolemia após o sinistro, o que cumpria fazer sobretudo sendo as causas do acidente desconhecidas e não tendo o sinistro sido presenciado por qualquer pessoa; 5. Aliás, a confissão verdadeira, assim realizada pelo condutor segurado da A. tem, tanto maior valor quanto o Sr. Agente da GNR, presente no local, afirmou que o teste foi feito, quando o mesmo não consta dos Autos e o Sr. Militar em causa não apresenta qualquer explicação para a necessidade de fazer uma adenda 20 dias depois da realização do auto; 6. Acresce que, em caso de dúvida – como resulta das declarações contraditórias entre as duas testemunhas – militar da GNR e o condutor da viatura acidentada – sempre o tribunal deveria dar como não provado tal facto ao abrigo do princípio a observar em caso de dúvida previsto no artigo 414.º do CPC, incorrendo por isso igualmente em nulidade a sentença.
-
Quanto ao sinistro, no mesmo terá sido interveniente o veículo com a matrícula (…), ao passo que o Relatório de peritagem se refere a um veículo com uma outra matrícula, a saber, …), questão que foi suscitada em audiência, durante as alegações, e, embora merecendo pronúncia do tribunal, se mostra mal-esclarecida e sobretudo mal fundamentada a razão pela qual o tribunal conclui en passant tratar-se de um mero lapso de escrita. Esta situação configura a nulidade de descrita na alínea b) do artigo 615.º CPC que se traduz na fundamentação insuficiente relativamente a um facto dado como provado.
-
Por outro lado, chamado a intervir como testemunha nos Autos, o motorista do segurado da Autora não apresentou qualquer elemento tendente a esclarecer os factos ocorridos ou sequer a corroborar a versão apresentada pela autora, não tendo clarificado, nomeadamente, quais os prejuízos sofridos no seu veículo, por que razão não imobilizou a sua viatura ou se desviou da vaca que passava na estrada apenas tendo esclarecido com verdade – nisso sendo de louvar o seu procedimento – que não foi submetido a qualquer teste de alcoolemia após o sinistro em apreço; 9. Assim, a Douta indemnização fixada é manifestamente exorbitante e excessiva, além de não ter sido arbitrada com observância dos critérios legais (mais uma vez, repare-se na insuficiência de elementos recolhidos, seja quanto ao registo do animal interveniente no sinistro, sobre a falta de sujeição do interveniente humano a teste de alcoolemia, à verificação da (des)conformidade entre a matrícula do veículo sinistrado e a matrícula daqueloutro ao qual foi atribuída a reparação e indemnização).
-
Os danos apontados e dados como provados são escassos, baseados em orçamento impreciso que se refere, por exemplo, à “substituição de peças” sem indicar quais elas são e em que medida deverão ser substituídas: 11. Em suma, não se torna possível estabelecer uma causalidade direta e adequada entre o facto danoso e os danos supostamente causados em viatura com diferente matrícula, violando por isso os artigos 562.º e 563.º do Código Civil.
-
Além disso, e no que respeita à dinâmica do acidente, não foi ponderado pelo douto tribunal que, também sobre o condutor segurado na autora existe uma presunção e culpa decorrente do mesmo ser motorista profissional e portanto, deter especiais responsabilidade no que toca quer á conservação da viatura, quer ao estilo de condução, velocidade empregada, etc..
-
Por outro lado do depoimento do referido motorista demonstra pouca segurança sobre as circunstâncias em que se deu o sinistro, podendo facilmente concluir-se do mesmo que o condutor segurado na autora poderia estar desatento, ter adormecido, circular em excesso de velocidade, com excesso de álcool no sangue ou a utilizar indevidamente o seu telemóvel.
-
Na falta de mais elementos sobre o acidente, deverá a autora responder pelo mesmo e, caso assim não se entenda, atendendo às circunstâncias – presunções de culpa contra a autora e contra o Réu – deverá operar o princípio de divisão das responsabilidades ou, em ultima analise ate da própria indemnização com base na responsabilidade pelo risco do artigo 502.º do Código Civil.
-
Em prol desta solução, há que considerar que o R. exerce efetivamente o seu dever de vigilância sobre o gado bovino que lhe pertence, como se prova pelas fotografias agora juntas, as quais se tornam necessárias para esclarecer esta questão e não puderam ser juntas em momento anterior dado que o Réu ainda aguardava que as mesmas lhe fossem entregues.
-
Em face do exposto, uma vez que não foram aplicadas as normas relativas à ponderação de todas as presunções de culpa, a cargo do autor e do Réu; que, não sendo possível apurar a culpa pelo sinistro deverá o mesmo ficar sujeito às regras de repartição do risco nos termos dos artigos 502.ºe503.º, n.º 3, do CPC e considerando por fim as diversas nulidades de que a douta sentença do tribunal a quo padece, decorrentes quer de falta de fundamentação, de obscuridade das soluções escolhidas e mesmo de omissão de pronúncia previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do CPC, devendo por isso ser dado provimento ao presente recurso.
Por todo o exposto, deverá julgar-se procedente o presente recurso, revogar-se a decisão recorrida e ser esta substituída por outra que: - Absolva o Recorrente da sentença que o condenou ao pagamento de € 10.097,18 acrescidos de juros à taxa legal de 4%; - ou, pelo menos, e sem prescindir, deverá o presente julgamento ser repetido, mas agora com observância do legal formalismo e com recolha de toda a prova pertinente; - ou, em última análise, deverão as eventuais culpas ser repartidas equitativamente pelos responsáveis recorrendo-se, se necessário, às regras disciplinadoras do risco de circulação rodoviária e do risco de detenção de animais, requerendo-se para tal a junção ao processo das fotografias da vedação como prova do cumprimento do dever de vigilância do Réu ao abrigo do artigo 425.º do Código Processo Civil, por só agora o Réu ter acesso ao local e às fotografias.
* Contra-alegou a recorrente, concluindo: 1.
Discorda a Autora, aqui Recorrida, das alegações apresentadas pelo Réu, aqui recorrente, que carecem de fundamento legal, visto que a sentença proferida não padece de qualquer uma das nulidades invocadas, nem viola qualquer um dos normativos indicados e apreciou todos os factos que foram submetidos à discussão, como se passará a demonstrar.
-
Nesta conformidade, a Autora, aqui recorrida, vem pugnar pela manutenção da douta sentença, a qual, quer na sua fundamentação, quer na sua decisão, é escorreita, aplica criteriosamente o direito, fazendo uma correta subsunção dos factos ao mesmo.
-
O Recorrente, apresenta, então, recurso da matéria de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO