Acórdão nº 2444/18.2T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO 1. M. e R.

demandaram Socertima – Sociedade de Construções do Certima, Lda. pedindo a: - Declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…), com fundamento em declarações não sérias nos termos do artigo 245º do Código Civil; - Revogação da procuração mencionada na cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, com fundamento em justa causa, baseado no facto de os promitentes vendedores terem sido obrigados a assinar a referida procuração a favor de terceiros não identificados e não lhes ter sido facultado uma cópia da mesma.

Subsidiariamente: - Anulação do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…), com fundamento do mesmo constituir um negócio usurário nos termos do artº282º nº1 do Código Civil - Revogação da procuração mencionada na cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, com fundamento em justa causa, baseado no facto de os promitentes vendedores terem sido obrigados a assinar a referida procuração a favor de terceiros não identificados e não lhes ter sido facultado uma cópia da mesma Ou ainda subsidiariamente: - Declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…), por ofensivo dos bons costumes, nos termos do artº280º nº2 do Código Civil - Revogação da procuração mencionada na cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, com fundamento em justa causa, baseado no facto de os promitentes vendedores terem sido obrigado a assinar a referida procuração a favor de terceiros não identificados e não lhes ter sido facultado uma cópia da mesma.

Alegaram, para tanto e em síntese, terem a 1.ª Autora e o, agora, seu falecido marido se deparado, no ano de 2016, com uma situação económica muito deficitária, fruto de diversas circunstâncias, alheias à sua vontade, que tiveram início no ano de 2000, quando foi diagnosticado ao falecido marido da 1.ª Autora um cancro na próstata.

Entre 2011 e 2016, foram vários os empréstimos contraídos que permitiram ao casal suportar todos os seus encargos financeiros.

Todavia, em 2016, desesperado e sem soluções à vista, o casal recorreu, através de um anúncio, a um intitulado “especialista financeiro” – Dr. (…)- de uma empresa denominada Multicrédito.

Na sequência deste contacto foi agendada uma reunião a qual culminou na assinatura, em 22 de Março de 2016, de um contrato de prestação de serviços entre o referido “especialista financeiro” e o casal, através do qual o primeiro se comprometeu a diligenciar no sentido de obter um empréstimo, junto das diversas entidades financeiras a operar em Portugal, a favor do casal.

Para tanto, foram emitidas as respectivas declarações a autorizar que o mencionado “especialista financeiro” representasse o casal junto das diversas entidades bancárias e/ou de crédito com vista à obtenção de mais crédito, o que não logrou, tendo o mesmo apresentado ao casal a última e única hipótese de “ajuda financeira” possível que se consubstanciaria no recurso a “um investidor privado”, que emprestaria ao casal a quantia de 27.000,00€, constituindo o imóvel, casa de morada da família do casal, garantia desse empréstimo.

No dia agendado para a realização da escritura de mútuo, as condições transmitidas ao casal pelo referido “especialista financeiro” não foram as que acabaram por consubstanciar o contrato aqui em questão.

Visto que, o que foi mutuado ao casal foi a quantia de €18.000,00 (apesar de no contrato dizer-se que foram entregues €27.000,00), tendo sido ainda exigido ao casal o pagamento de um valor a título de “renda”, pelo gozo e fruição do imóvel (que é seu), no montante mensal de € 337.50, enquanto o contrato subsistisse, isto é, enquanto a dívida não fosse liquidada.

Todavia, tais pagamentos não abateriam ao empréstimo feito, tão só consubstanciariam uma renda e, ao invés de ser constituída uma garantia sobre o imóvel, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda através do qual foi “prometido vender” a casa de morada de família do casal pelo preço real recebido de €18.000,00, sendo certo que só o valor patrimonial do imóvel ascendia, à data, a €74.320,00.

Tal dívida só seria paga com a entrega do referido montante de €27.000,00 (que consubstancia €9.000,00 a mais do que o que foi emprestado ao casal, e ao qual acresce o referido valor mensal que o casal teria de pagar, pelo “gozo e fruição” do seu imóvel, até liquidar a dívida).

Esta foi a solução que foi apresentada ao casal, no dia agendado para a escritura (cujo teor já estava finalizado e sobre o qual o casal nenhuma intervenção ou hipótese de intervenção teve) à revelia do que lhes tinha sido proposto, tendo-lhes sido dito pela Ré que esta seria a única solução que a mesma iria apresentar e que ou o casal aceitava o referido empréstimo nestes termos ou então não haveria empréstimo para ninguém.

Além do mais a 1ª Autora e o seu falecido marido viram-se obrigados a outorgar a favor de dois mandatários “Procuração” conferindo-lhes poderes para outorgar, em sua representação, a escritura de compra e venda do imóvel aqui prometido com a sociedade promitente compradora, pelo preço definido na cláusula primeira e nas demais condições estabelecidas no presente contrato” sem que lhes tivesse sido sequer facultada uma cópia dessa procuração.

O montante recebido – €18.000,00- foi logo afecto ao pagamento de diversos encargos assumidos pelo casal com os empréstimos contraídos, bem como deste montante o casal teve de pagar a quantia de €1.000,00 a título de honorários do referido “especialista financeiro”.

Citada, contestou a Ré negando na essencialidade a versão dos factos trazida pelas Autoras referindo que o contrato ajustado corresponde à vontade e acordo das partes e que o mesmo foi incumprido pelos promitentes vendedores.

Deduziu reconvenção mediante a qual pediu que fosse(m): - Declarada a execução específica do contrato promessa de compra e venda com eficácia real outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial urbano nº (…) da freguesia de (…), concelho de (…), com o valor patrimonial de €74.320,00, e proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos, ou seja que opere a transmissão do direito de propriedade sobre o referido prédio urbano, composto de casa de habitação, garagem e logradouro, sito na Rua (…), concelho de (…), para a Reconvinte Socertima, Sociedade de Construções do Cértima, Lda.

- Condenadas as Autoras/Reconvindas no pagamento à Ré/Reconvinte da quantia de €1.012,50 relativa à soma das mensalidades, devidas a título de compensação pelo gozo e fruição do identificado prédio, vencidas nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2018 e não pagas; - Condenadas as Autoras/Reconvindas no pagamento à Ré/Reconvinte da quantia €675,00, por cada mês ou parcela, que decorra até à data da aquisição da propriedade do imóvel acima identificado pela reconvinte, ou até à entrega do mesmo prédio à reconvinte, devoluto de pessoas e bens, conforme o que aconteça primeiro, a liquidar em execução de sentença; Subsidiariamente: - Declarada a resolução de contrato promessa celebrado entre Autores e Ré, com fundamento no incumprimento definitivo do referido contrato por parte dos Autores; - Condenadas as Autoras a pagar à Ré a quantia de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros) a título de devolução em dobro da quantia por esta paga a título de sinal e pagamento integral do preço.

Julgada a causa foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto e nos ternos das disposições legais supra referidas, considera-se a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência: a) Absolve-se a Ré Socertima – Sociedade de Construções do Certima, Lda., do pedido de declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…), com fundamento em declarações não sérias nos termos do artigo 245º do Código Civil; b) Decreta-se a anulação do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…), com fundamento do mesmo constituir um negócio usurário nos termos do artº282º nº1 do Código Civil; c) Considera-se revogada a procuração mencionada na cláusula oitava do contrato promessa de compra e venda, outorgado em 06 de Maio de 2016 no Cartório Notarial (…) sob o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o nº (…) com o artigo matricial nº (…); d) Condena-se a Ré Socertima – Sociedade de Construções do Certima, Lda., como litigante de má-fé em multa que se fixa em 50 UC’s; e) Absolvem-se as Autoras/Reconvindas M. e R. de todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré/Reconvinte Socertima-Sociedade de Construções do Certima, Lda.

  1. É desta sentença que, desaprazida, recorre a Ré, formulando, na sua apelação, as seguintes (e extensas[1]) “CONCLUSÕES”: 1 - Considera a recorrente que o tribunal não se pronunciou sobre uma questão colocada pelas autoras na petição inicial, o que acarreta a nulidade da sentença proferida, por força do disposto no art. 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).

    2 – Entende ainda que a sentença recorrida apreciou e deu como provado um facto essencial que, por integrar...

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