Acórdão nº 1407/18.2T9LAG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 1407/18.2T9LAG.E1 foi proferido o seguinte despacho: “Notificados para se pronunciar quanto à eventual ocorrência da prescrição do procedimento criminal, a Assistente veio pugnar pelo não decurso do prazo prescricional, tendo-se o Ministério Público e o Arguido pronunciado no sentido da verificação da prescrição

Ora, vem imputado ao Arguido AA o cometimento de um crime de ofensas a pessoa colectiva na sua forma agravada, previsto e punido pelos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 183.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal

Tal crime, ao abrigo dos mencionados preceitos legais, é punível com pena de prisão até 8 meses

Ora, tendo por base a aludida pena, resulta do plasmado no artigo 118.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal que o procedimento criminal prescreve ao fim de 2 anos se não houver qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição

O prazo de prescrição começa a correr desde o dia em que o facto foi consumado e suspende-se ou interrompe-se nos casos previstos nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal, respectivamente

Como decorre da acusação deduzida a publicação que deu origem aos presentes autos foi realizada no dia 25 de Setembro de 2018

Defende a Assistente de que o crime em causa se trata de um crime permanente «(…) uma vez que perdurou em quanto se manteve em execução a atividade lesiva do bem protegido pela norma incriminadora», e que, como tal, o prazo de prescrição apenas se pode iniciar a partir do momento em que a publicação é retirada

Ora, em consonância com o defendido por M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio entende-se que « importa não confundir o crime instantâneo com o crime permanente quando de um crime instantâneo derivam efeitos que podem considerar-se permanentes, dado prolongarem-se no tempo. Todavia, são efeitos que dizem respeito às consequências nocivas que podem derivar do crime, em nada alterando a sua estrutura no que se refere à instantaneidade da consumação.» A realidade é que, um crime de efeitos permanentes, não tem a virtualidade de se transmutar num crime permanente

1 M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio in Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, Setembro de 2018, página 530 Com efeito, ainda que se admitisse que, eventualmente, uma qualquer publicação na internet pudesse ter repercussões volvidos dois anos da mesma, isso não tem qualquer influência quanto ao momento da consumação do crime, que foi o momento da publicação

Aliás, e fazendo um paralelismo do crime ora em discussão com o crime da difamação – que lhe é tão próximo – adere-se à posição vertida no teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 5/96 de 24 de Maio que plasma que « o momento da prática do crime em causa é o da publicação, não considerando que o crime perdura enquanto não se repuser a situação anterior (…) a difamação, mesmo que cometida através de publicação unitária, constituindo crime de abuso de liberdade de imprensa, não tem a natureza de crime permanente, consumando-se com a publicação do texto ou imagem, pelo que o prazo da prescrição do respectivo procedimento criminal tem início no dia da referida publicação, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal.» Destarte, dúvidas não subsistem de que o crime se consumou no dia 25 de Setembro de 2018, tendo-se iniciado nessa mesma data a contagem do prazo de prescrição

Subsequentemente, o visado foi constituído como Arguido no dia 17 de Dezembro de 2019 (vide fls. 126), o que constituiu uma causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, tendo-se este reiniciado nesta data. Cf. artigo 121.º, nº 1, alínea a) do Código Penal Contudo, dispõe o artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal que «sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.», prazo esse que teria terminado no dia 25 de Setembro de 2021

Concluindo que o prazo prescricional já havia decorrido à data da notificação da acusação -pressupondo a inexistência de causas de suspensão do mesmo – é agora necessário verificar se ocorreu algum evento que tenha levado à suspensão do prazo prescricional, conforme alega a Assistente

Verifica-se que o n.º 3 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março que definiu as medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARSCoV-2 e da doença COVID-19 previu que «a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.» Pelo que se diria que o procedimento teria estado suspenso, desde 9 de Março de 2020 (cf. artigo 6.º, n.º 2, primeira parte, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril) a 3 de Junho de 2020 (vide artigo 8.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio

Já o artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei 1-A/2020 de 19 de Março definiu novo prazo de suspensão da prescrição, que se iniciou em 22 de Janeiro de 2021 e terminou no dia 6 de Abril de 2021

Coloca-se, porém, a questão de aferir se as medidas definidas pela referida Lei 1-A/2020 de 19 de Março – nas suas várias versões – podem ser aplicadas no caso vertente, ou se, pelo contrário, apenas podem ser aplicadas aos factos praticados durante a sua vigência

Com efeito, a mencionada lei cria uma nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal a par das indicadas nos artigos 120.º e 125.º do Código Penal, respetivamente

Atento o acima exposto, afigura-se que a nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, sendo prejudicial ao Arguido – pois alargará necessariamente tais prazos de prescrição – apenas poderá ser aplicada aos factos praticados na sua vigência

Entender que a nova causa de suspensão do procedimento criminal se aplica a prazos, que à data da sua entrada em vigor, estavam já em curso, seria conferir-lhe um efeito retroativo proibido – em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – porque mais gravoso para a situação processual do Arguido, alargando a possibilidade da sua punição

Note-se, aliás, que o próprio n.º 6 do artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar […] a não retroactividade da lei criminal o direito de defesa dos arguidos […]» tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86

Assim ficou igualmente expresso nos Decretos do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.º, n.º 1), 17-A/2020, de 2 de abril (artigo 7.º, n.º 1), e 20-A/2020, de 17 de abril (artigo 6.º, n.º 1), e nos demais diplomas que o renovaram

Pelo que se entende que a suspensão do prazo prescricional prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19 de Março e no artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei 4-B/2021 que a alterou, não é aplicável in casu

2 Neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Julho de 2020, processo n.º 76/15.6SRLSB.L1-5 e de 24 de Julho de 2020, processo n.º 128/16.5SXLSB.L1-5 3 Rui Cardoso e Valter Baptista in Estado de Emergência - Covid-19 ʹ Implicações na Justiça, 2.ª edição, páginas 608 a 610 Pelo que, não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão – somente uma causa de interrupção – desde o mês de Setembro de 2018, decorreu o período correspondente ao prazo de prescrição, acrescido de metade, tendo-se a prescrição do procedimento criminal verificado a 25 de Setembro de 2021 – ainda antes da notificação da acusação, que consubstanciaria uma nova causa de interrupção/suspensão do prazo de prescrição que apenas se verificou a 25 de Outubro de 2021 –, data limite de acordo com o consagrado neste artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal

* Destarte, declara-se o procedimento criminal movido contra AA extinto por prescrição nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal.” # Inconformado com a referida decisão, dela recorreu a assistente BB, Lda, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de direito do despacho proferido nos presentes autos, o qual declarou o procedimento criminal movido contra...

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