Acórdão nº 17/21.1JAFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO 1. No termo da fase de instrução, aberta a requerimento (entre outros) do arguido AA, pugnando pela sua não pronúncia, por considerar não conterem os autos indícios suficientes da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que lhe foi imputado pela acusação, o M.mo Juiz de Instrução (JI) do 2.º Juízo (1) de Instrução Criminal de Portimão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, veio a proferir despacho de não pronúncia, determinando o arquivamento dos autos relativamente a tal arguido

  1. Inconformado com tal decisão o Ministério Público veio a interpor recurso, formulando, no termo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição): «1. O Mmo. JIC do TCIC não pronunciou o arguido AA por, em suma invocando o princípio in dubio pro reo, entender que a prova indiciária contra si era insuficiente, por isso, possível inferir a prática do crime de Tráfico de estupefacientes p. p. pelo disposto no artº 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro

  2. Considerando que os indícios são de considerar suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena, perante os factos descritos, temos como certo que a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes se encontra suficientemente indiciado, pelo que deverá o arguido ser pronunciado por tais factos

  3. Na decisão de não pronúncia também se invoca, erradamente, o princípio in dubio pro reo, pois inexiste dúvida razoável sobre a prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo arguido AA, conforme a nosso ver se deixou demonstrado, afigurando-se bastante mais provável a sua condenação em julgamento do que a sua absolvição

  4. A versão apresentada pelo arguido AA, salvo o devido respeito, tem muitas lacunas para poder reputar-se de minimamente credível

  5. Desde logo, em momento algum avançou com qualquer razão plausível para se deslocar a Portugal, primeiro veio por engano quando o destino seria …, depois porque viria ajudar o arguido BB na compra de um veículo, contudo não esclareceu porque BB alugou dois veículos, porque conduziram os dois veículos, quer um, quer outro, se sempre viajavam para o mesmo destino, porque é que deixou o veículo … num parque de estacionamento e porque é que o mesmo veio a aparecer noutro parque

  6. Esta falta de coerência ganha ainda maior dimensão quando constatamos que o referido AA acompanhou sempre BB como se de um segurança se tratasse sem questionar a razão das deslocações, guiando ora um ora outro os veículos alugados por BB e realizando claras manobras de vigilância e contra-vigilância conforme resulta dos relatórios de diligência externa constantes dos autos

  7. Qual o móbil, legítimo, para estes arguidos fazerem a mencionada deslocação (de curta duração) a Portugal? Não vislumbramos. Sobretudo quando é o próprio AA que declara que julgava estar a deslocar-se para … e afinal aterra em Portugal

  8. Só por ousadia poderá afirmar-se que estes arguidos foram avistados no mesmo local por “mero acaso” e que o referido AA veio a Portugal em passeio ou lazer, desconhecendo por completo os propósitos de BB pois como se demonstrará melhor infra tudo indicia, de forma suficiente, que a sua presença na zona do Algarve nada ficou a dever ao “acaso”

  9. Temos que relembrar que o arguido AA foi detido na operação realizada quando estava a escassos metros do estupefaciente apreendido

  10. Destarte, numa visão alicerçada de acordo com os elementos de prova juntos aos autos, devidamente conjugados com as regras da experiência comum, os encontros e deslocações dos arguidos de e para Portugal só se podem compreender se forem tidos como actos de organização e execução do transporte transfronteiriço da substância estupefaciente apreendida pelas autoridades

  11. O propósito das movimentações que culminaram nas detenções dos arguidos – transporte, por terra, e entrega a recepção de estupefaciente – foi, seguramente, percepcionado por ambos os arguidos. Para sufragar esta ilação basta atentar nas condutas dos dois arguidos momentos antes da sua detenção, desempenhando o AA a função de “batedor” e de “contra-vigilância” a possíveis operações policiais

  12. As manobras descritas na acusação revelam a acção concertada dos dois arguidos e, tendo em conta que no veículo … de matrícula … se encontravam acondicionadas as 144 placas contendo cocaína, com o peso líquido de 144.215,501 quilogramas, não pode deixar de se concluir que o veículo onde se encontrava AA de marca … tinha como “missão” escoltar o veículo em que seguia o produto estupefaciente, actuando os dois arguidos em comunhão de esforços e desígnios, desempenhando as funções que individualmente lhes competia, de acordo com um plano previamente urdido

  13. Ou que uma organização deste calibre e grau de organização permita que BB traga um amigo completamente “alheio “ aos factos para participar num transporte de cerca de 144 quilos de cocaína, desconhecendo por completo a execução de transporte em curso? 14. O arguido AA actuou sempre como o homem de confiança de BB, o seu braço direito que sempre o acompanhou, que assumiu uma postura quase de segurança, e o acompanhou no percurso de vigilância que aguardava a colocação da droga no veículo e que se preparava para fazer escolta ao estupefaciente quando foi detido

  14. O arguido AA não se comportou como se estivesse de férias, não justificou a condução dos dois veículos, para que serviam, e as manobras de vigilância e contra vigilância efectuadas

  15. Foi o arguido AA quem naquele dia conduziu o veículo … e o deixou estacionado no parque de estacionamento do Supermercado … pelas 10.10 horas

  16. Mas não explicou porque é que o veículo que o próprio conduziu e deixou estacionado no parque de estacionamento do … apareceu umas horas mais tarde estacionado no parque de estacionamento do …

  17. Nem explicou porque é que o BB logo de dirigiu a esse veículo e o AA ao …

  18. Sumariamente o arguido disse o que quis ocultando completamente a verdade e não contraditando validamente ou coerentemente a prova colhida e espelhada nos autos

  19. Refere o Mmº Juiz de Instrução que não há quaisquer provas (ou sequer indícios) do co-envolvimento deste arguido (AA) no transporte de produto estupefaciente aplicando ao caso o princípio do “in dubio pro reo”

  20. Tal princípio somente devia ser convocado aquando da verificação da existência de uma dúvida razoável sobre a prática de ilícito criminal por um arguido, o que não ocorre in casu com o arguido AA, nem, aliás, com nenhum dos restantes arguidos acusados e pronunciados

  21. Deste modo, e cientes que nos encontramos na fase de instrução, a qual visa, tão só, sindicar a decisão do Ministério Público de (no caso) acusar os arguidos, fazendo o indispensável juízo de prognose quanto à elevada probabilidade de condenação dos arguidos com base na prova recolhida no inquérito, é possível afirmar que se encontra suficientemente indiciada a prática, pelos arguidos, em co-autoria imediata, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, imputado pela acusação

  22. Por conseguinte, quer com recurso à prova directa existente nos autos, quer através da mobilização das regras da experiência comum e das ilações que o julgador deve fazer (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 936/08.JAPRT, de 06.10.2010, disponível em www.dgsi.pt)

  23. Assim não se decidindo, despronunciando-se o arguido como se decidiu na decisão instrutória em crise, fez-se uma incorrecta interpretação da norma jurídica vertida nos artigos 26º do Código Penal e 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, bem como do conceito de...

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