Acórdão nº 409/21.6T9FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo de Instrução Criminal de Faro (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro corre termos o processo de instrução n.º 409/21.6T9FAR, tendo aí sido proferido despacho judicial e, inconformado com essa decisão, recorreu o MP, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Ao julgar não ter o Ministério Público promovido o processo penal e verificado a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. b) do CPP, por entender que o Ministério Público não se pronunciou sobre a totalidade do objeto do inquérito, declarando nulo o despacho proferido a fls. 105, bem como todo o subsequente processado e determinando a remessa dos presentes autos novamente para a fase de inquérito, a fim de ali ser proferido despacho de arquivamento ou de acusação pela prática da totalidade dos sobreditos factos que integram a queixa apresentada a fls. 5 e seguintes., o despacho recorrido [fls. 162 e 163] violou os art.º 219.° n.º 1 e 32.° n.º 5 ambos da Constituição da República Portuguesa; 2.°, 3.° e 4.°, n.º 1, als. d) e e) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto; e 48.°, 53.° n.ºs 1 e 2, al. a), 119.º al. b), , 241.°, 262.°, 263.°, 267.° a 269.°, 278.°, 286.º e 287.° n.º 3, todos do Código de Processo Penal; 2 - Com efeito, o Tribunal a quo ignorou que é competência própria e exclusiva do Ministério Público, enquanto Autoridade Judiciária, nos termos do disposto no art.º 53.º n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, receber a queixa que deu origem a estes autos “e apreciar o seguimento a dar-lhe” sendo que, nos termos do disposto no art.º 262.º n.º 2 do mesmo diploma legal, só a notícia de um crime dá lugar à abertura de inquérito; 3 - Sendo o inquérito, nos termos do disposto no art.º 262.º n.º 1 do Código de Processo Penal, “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”, o Ministério Público, no uso da sua competência própria e exclusiva e enquanto Autoridade Judiciária, nos despachos proferidos a fls. 36 e 62, não determinou a abertura de inquérito quanto aos factos denunciados que entendeu não integrarem qualquer tipo objetivo de ilícito ou já estarem prescritos determinando, inclusive, o Sr. Procurador da República Diretor do DIAP a alteração da complexidade para o crime de abuso de confiança e a redistribuição dos autos à secção genérica por a queixa não conter factos que integrassem crimes de violência doméstica e maus tratos, da competência da anterior titular afeta à secção especializada na investigação de crimes de violência doméstica e maus tratos; 4 - Os despachos que determinaram a não abertura de inquérito por aqueles factos foram oportunamente notificados ao queixoso e seu patrono, de fls. 67 a 69, não tendo sido tempestivamente impugnados por ninguém; 5 - Assim, o despacho recorrido, a fls. 162 e 163 dos autos, impondo ao Ministério Público a tramitação de um inquérito e a realização potestativa de diligências concretas que este antes declinara por despacho fundamentado, violou ostensivamente o quadro Constitucional, estatutário e legal que enforma o Ministério Público, como único titular da ação penal que é, e não o Juiz de Instrução, e a quem cabe exclusivamente a apreciação crítica do seguimento a dar às queixas recebidas bem como a direção funcional do inquérito no caso de constituírem notícia de um crime, violando, desta forma, o Tribunal a quo, o princípio do acusatório; 6 - A intervenção do Juiz de Instrução, em sede de inquérito, está limitada à prática ou autorização dos atos previstos nos art.ºs 268.° e 269.°, ambos do Código de Processo Penal, que contendem com os direitos, liberdades e garantias do arguido, não lhe cabendo imiscuir-se, como fez, na direção funcional do inquérito, que apenas compete ao titular da ação penal, ainda que discorde dos fundamentos dos despachos de fls. 36 e 62; 7 - O Tribunal a quo fez suas as funções que, no caso, apenas competiam ao imediato superior hierárquico dos Magistrados do Ministério Público que proferiram os despachos de abstenção de fls. 36 e 62, superior hierárquico que, nos termos do art.º 278. ° do Código de Processo Penal, era o único que os podia censurar e, por isso, ordenar-lhes a realização do inquérito preterido e, a final, a eventual dedução de acusação em função dos indícios recolhidos; 8 - Assim, é errado o entendimento expresso pelo Tribunal a quo segundo o qual, por aqueles factos pelos quais o Ministério Público não determinou a abertura de inquérito, tivesse de proferir despacho de arquivamento ou de acusação, pois a noção de notícia de crime que justifica a abertura de um inquérito pressupõe necessariamente que os factos integram um tipo objetivo de ilícito, que não se encontre prescrito o respetivo procedimento criminal e que não se encontre caducado o direito de queixa dos respetivos titulares nos casos de crimes semipúblicos e particulares pela simples razão de resultar deserto o objeto de tal eventual inquérito [segundo o n.º 1 do art.º 262.º do Código de Processo Penal]

9 - Quanto aos factos pelos quais não correu inquérito também nunca poderá ser admitida qualquer instrução, pois não foi realizado inquérito que permitisse ao assistente requerer a abertura de instrução e esses são requisitos bem patentes nos artigos 286.º n.º 1 e 287.º n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal

10 - Não há, pois, qualquer vício de falta de inquérito porque tal pressuporia que devesse ter existido inquérito e a decisão do Ministério Público foi precisamente no sentido contrário

11 - A nulidade que o Tribunal a quo julgou verificada não se aplica sequer à situação que, no seu entender, julgou existir, mas sim quando o Ministério Público exerce a ação penal, acusando sem realizar inquérito...

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