Acórdão nº 72/19.4GDSRP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO a. No Juízo Local de Serpa, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal singular de AA, natural do concelho de …, nascido a …, residente em …, …, com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de: - um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º al. a), § 2.º, 4.º e 5.º do Código Penal; - e um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), por referência aos artigos 2.º, § 1.º, al. s) e 3.º, § 6.º, al. a) e c), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro); Mais tendo sido requerido pelo Ministério Público o arbitramento de indemnização à vítima

O arguido não apresentou contestação

A final o tribunal proferiu sentença, na qual absolveu o arguido da prática do crime de crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal; igualmente o absolvendo do pedido de pagamento de uma indemnização que contra ele havia sido apresentado

Mas condenou-o pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), por referência aos artigos 2.º, § 1.º, al. s), p), aj), e 3.º, § 6.º, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM), previsto na Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro), na pena de 200 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 1200€

  1. Inconformado com esta decisão recorreu o arguido, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «(…) III- Os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados são os constantes em 7, 9, 11, 12 e 24 dos Factos Provados da douta sentença

    IV- Impõem decisão diversa, no sentido propugnado nesta motivação, os concretos meios de prova que ora se indicam: - as declarações do arguido AA (gravadas entre as 15:05:26 e as 17:16:18 horas, do dia 30-11-2021 – Registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373) segmentos de 36m:22s a 38m:07s e de 39m:56s a 40m:15s, e os depoimentos das seguintes testemunhas: - Testemunha R, militar da GNR (gravadas entre as 09:50:04 e as 10:02:18 horas, do dia 07-12-2021 – Registo 2021112070955003_1060455_2870373), segmentos 06m:17s a 07m:08s, 07m:26s a 09m:14s, 10m:13s a 10m:36s e 11m:13s a 11m:46; - Testemunha D (gravadas entre as 10:03:05 e as 10:19:35 horas, do dia 07-12-2021 – Registo 20211107100304_1060455_2870373), segmentos 07m:39s a 08m:04s, 10m:16s a 10m:27s e 15m:00s a 16m:08s

    V- A Meritíssima Juíza deu por provados os factos, relativamente ao Arguido AA, constantes nos pontos 7, 9, 11, 12 e 24 dos Factos Provados da douta Sentença, sem que, em audiência de julgamento, tenha sido feita qualquer prova que sustente tais factos. Razão pela qual aqui se impugnam os mesmos

    VI- A Mm.ª Juiz terá alicerçado a sua convicção e tomado a decisão unicamente com base no depoimento de uma única testemunha, o militar da GNR R, o qual, em relação a essa matéria apenas se limitou a dar a sua opinião no sentido de que o “casão” ou armazém deveria considerar-se como fazendo parte da habitação do arguido. (por ex. passagens aos 07m:26s a 09m:14s e 11m:13s a 11m:46s – gravação 2021112070955003_1060455_2870373)

    VII- Diz-se na Motivação de Facto e na Fundamentação de Direito da douta sentença, e resultante dos factos dados por provados, que o arguido reconheceu que as armas estavam na sua residência, o que é exatamente o contrário daquilo que foram as suas declarações em sede de audiência de julgamento (registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373, passagem de 36m:22s até 38m:07s), além de que nem ter sido produzida prova bastante que sustente a posição da Mm.ª Juiz VIII- A Mm.ª Juiz não atendeu às declarações do arguido e ao depoimento de um dos proprietários da Herdade de … onde aquele é caseiro, a testemunha D, de onde resulta que o armazém onde as armas se encontravam não integra a parte habitacional ocupada por aquele. (declarações do Arguido, segmentos da gravação de 39m:56s até 40m:15s e 36m:22s a 38m:07s; depoimento da testemunha D, segmentos da gravação de 10m:16s a 10m:27s e 15m:00s a 16m:08s )

    IX- Se a Mm.ª Juiz considera como a residência do arguido todas as construções ou partes edificadas que compõem o designado “monte alentejano”, desde logo se impugna esse raciocínio pelas razões que infra se explanam; se considera como residência do arguido apenas a parte habitacional que este ocupa, igualmente se impugna que as armas aí se encontrassem em razão de não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido

    X- Com o devido respeito, a Mm.ª Juiz não atendeu às regras da experiência comum para avaliar a questão em apreço

    XI- Resulta claramente das regras de experiência comum que o “casão” ou armazém do denominado “monte alentejano” se destina a guardar maquinaria e utensílios agrícolas afetos aos trabalhos da exploração agrícola e/ou pecuária e, como tal, esse espaço não se confunde com a habitação dos caseiros

    XII- Mais, na parte de armazém/casão são guardados e depositados utensílios e maquinaria agrícola, cereais, adubos, etc. que, como resulta das regras da experiência comum, são pertença do(s) proprietário(s) da propriedade rústica e, logo, os objetos aí depositados, por regra, não são pertença dos caseiros

    XIII- Pelo facto de existir uma porta de acesso que liga a zona habitacional, ocupada pelo arguido e pela sua ex-mulher, ao armazém agrícola, não implica que este espaço seja uma dependência da habitação, ou que o armazém e a parte do edifício ocupada pelo arguido constituam a residência deste, como parece ter sido assumido pela Mm.ª Juiz

    XIV- O que se deveria ter concluído é que esse espaço de armazém, onde as armas se encontravam, está afeto à exploração agrícola, conforme decorre do depoimento de um dos proprietários da herdade, D (registo da gravação 20211107100304_1060455_2870373, no segmento da gravação a 10m:16s a 10m:27s), ao esclarecer que o armazém é “… onde a gente guarda a maquinaria”

    XV- O próprio arguido explicou ao tribunal que, não obstante a sua habitação ter acesso direto ao armazém, o mesmo é servido de um portão grande por onde entra e sai a maquinaria agrícola passagens aos (registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373, segmento de 37m:48s até 38m:07s), o que revela que não se acede aquele espaço apenas pela parte habitacional e, consequentemente, são várias pessoas a aceder ao local

    XVI- Não só o arguido nunca reconheceu que as armas estavam na sua casa (ou seja, na parte habitada por si e pela companheira, caseiros do monte), contrariamente ao que resulta expresso na douta sentença, como também é verdade que estando as mesmas guardadas no armazém da herdade encontravam-se na disponibilidade fáctica de várias pessoas para além do arguido, nomeadamente da sua ex-mulher e de todos os “patrões” (sócios da empresa agrícola)

    XVII- O arguido, pelo simples facto de ser caseiro da herdade ou por via das suas funções, não pode ser responsabilizado criminalmente pelo facto as armas se encontrarem num espaço ao qual ele, para além de outros, também acede

    XVIII- É certo que o Juiz pode apreciar a prova de acordo com o livre principio de livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP, mas esse principio não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva

    XIX- O que parece resultar, então, é que a MM.ª Juiz encaminhou-se para um raciocínio de presunções e é com base nestas que decide pela condenação do arguido

    XX- Não sendo a presunção judicial um meio de prova proibido por lei, permitindo-se ao julgador retirar dos factos conhecidos as ilações que se apresentem como evidentes ou como razoáveis, à luz das regras da experiência comum e da livre convicção, para concluir um facto como provado, certo é que a livre apreciação da prova não pode ir tão longe como se verificou no caso em apreço

    XXI- Não foi feita prova que permita concluir que o arguido detinha ou guardava as armas in casu e, consequentemente, deveria o mesmo ter sido absolvido do crime de detenção de arma proibida de que vinha acusado, que mais não fosse em aplicação do princípio in dubio pro reo

    XXII- A deficiente avaliação da matéria de facto, não só viola o art. 127.º do CPP, como consubstancia também erro de julgamento e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (neste caso, artigo 410.º, al.

  2. CPP), bem assim fez errada aplicação do artigo 86.º, nº 1, al. c) RJAM ao condenar o Arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida

    XXIII- Termos em que, deve a decisão agora objeto de recurso ser substituída por outra que absolva o arguido AA da prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, nº 1, al. c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. s), p), aj) e 3.º, n.º 6, al, c) todos do Regime Jurídico das Armas e Munições

    Sem prescindir, XXIV- O arguido considera que a pena de multa aplicada foi excessiva, por não ter tido em devida atenção os princípios da proporcionalidade e de equidade na determinação da pena aplicada ao arguido

    XXV- Por todo o exposto anteriormente, a ilicitude e culpa dever-se-iam ter consideradas baixas ou medianas, para além de abonar a favor do Arguido as circunstâncias de ter 51 anos de idade à data dos factos sem quaisquer antecedentes criminais e, ainda, estar profissional, familiar e socialmente inserido

    XXVI- Considera o arguido que o Tribunal a quo não valorou devidamente todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente e, consequentemente, não fez uma equitativa e justa ponderação para a determinação da medida da pena, revelando-se a pena de multa desadequada no seu quantum e pecando por excesso

    XXV- Termos em que, a decisão recorrida violou as normas contidas no art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 do 70.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal

    Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por...

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