Acórdão nº 2955/20.0TBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2955/20.0TBSTB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: (…) foi declarada insolvente e requereu o procedimento de exoneração do passivo restante. Não se conformando com a decisão que indeferiu que o cálculo do apuramento do montante disponível fosse realizado anualmente, em função do rendimento médio auferido, a insolvente veio interpor o competente recurso.

* Foi admitido liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante relativamente à insolvente (…).

* Por decisão datada de 20/10/2020, o Tribunal determinou que, durante o período de cessão, de cinco anos, contados desde o encerramento do presente processo de insolvência, o rendimento disponível que o insolvente viesse a auferir fosse considerado todo cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia mensal correspondente a 2,25 da remuneração mínima mensal garantida, doze meses por ano.

* No primeiro ano da cessão no mês de Agosto a devedora auferiu a quantia de € 2.028,19.

* Em 26/01/2022, veio o fiduciário juntar aos autos informação anual de cessão, de onde consta que, no primeiro ano de cessão, a insolvente acumulou uma dívida no montante de € 531,94.

* Notificada dessa informação, em 10/02/2022, a insolvente pediu que o cálculo de cessão fosse efectuado anualmente e não mensalmente, pois em alguns meses não aufere o valor fixado, apenas atingindo esse valor quando recebeu o subsídio de férias.

* O fiduciário pronunciou-se, dizendo que nada tinha a opor, sublinhando que «o seguimento de tal critério tem sido divergente ao longo dos vários Tribunais e, por defeito, o signatário considera sempre o rendimento mensal e não o anual, daí ter apresentado os cálculos nesse sentido».

* Até à presente data nenhum valor foi entregue pela insolvente.

* Em 14/03/2022, o Juízo de Comércio de Setúbal indeferiu a pretensão da insolvente e ordenou que esta, em 10 dias, regularizasse a dívida de cessão ou, em alternativa, apresentasse plano de pagamentos dessa dívida, o qual não poderia terminar depois do final do período de cessão.

* A insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões: «

  1. No despacho liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo, o rendimento indisponível “necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” foi fixado no valor correspondente a 2,25 SMN.

  2. No período de 12 meses do 1.º ano de cessão de rendimentos à fidúcia, o rendimento indisponível anual da recorrente importaria em € 17.752,50.

  3. Nesse mesmo período a devedora insolvente apenas auferiu rendimentos salariais que somam na quantia de € 14.341,12.

  4. Durante 11 meses do 1.º ano da cessão, os rendimentos salariais da devedora recorrente foram sempre inferiores ao rendimento indisponível fixado judicialmente, com exceção do mês de agosto, em que recebeu 2.028,19 €, fruto da soma do salário e do pagamento de compensação decorrente da caducidade do seu contrato de trabalho como professora do ensino público contratada a termo certo.

  5. Nesse mês de agosto a devedora auferiu a quantia de € 2.028,19, correspondente à soma do salário e compensação por caducidade do contrato.

  6. Relativamente ao mês de agosto, o tribunal o quo decidiu ser a insolvente, ora recorrente, devedora à fidúcia da quantia de € 531,94, correspondente ao excesso dentre o rendimento mensal recebido (€ 2.028,19) e o valor de 2,25 SMN (€ 1.498,25).

  7. No caso concreto da ora recorrente, em que o rendimento indisponível é 11 meses no ano superior aos seus vencimentos, há-de ter-se por ilegal, porque inconstitucional, a decisão tomada pelo tribunal a quo de obrigar à entrega da quantia que num único mês excedeu este rendimento indisponível, por entender simplesmente que, «como os rendimentos do insolvente são recebidos mensalmente, também a entrega tem de ser mensal, afastando-se, em regra, qualquer espécie de cálculo anual ou compensação entre meses para apuramento dos rendimentos objecto da cessão (…).

    Logo, nos meses em que os rendimentos excedem o que foi considerado necessário para o sustento do insolvente, terá de ocorrer a entrega dos valores em excesso ao Fiduciário.» H) Impor uma cadência mensal estanque para apuramento das quantias a entregar/ceder à fidúcia, apenas porque é essa a periodicidade mensal que caracteriza os rendimentos auferidos pela recorrente em cada mês de cada ano do período de cessão, afigura-se carecer de fundamento e, portanto, ilegal e inconstitucional.

  8. Com efeito, a mera circunstância de legalmente o rendimento indisponível ser determinado em função de salários mínimos mensais – até ao limite de 3 SMN –, não constitui fundamento bastante para concluir que é todos os meses, independentemente de as quantias auferidas serem ou não inferiores ao rendimento indisponível, que surge, ou não, a necessidade de entrega/cessão à fidúcia por parte do devedor.

  9. Assim será quando os rendimentos auferidos pelos insolventes sejam sempre superiores ao rendimento indisponível.

  10. Ou mesmo quando os rendimentos de um mês excedam o valor equivalente a 3 SMN, pois, do disposto em i) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, parece indubitável resultar que tudo o que exceder 3 SMN é sempre rendimento disponível, «salvo decisão fundamentada do juiz em contrário».

  11. Mas o referido nas alíneas J) e K) acima é resultado unicamente decorrente das circunstâncias, e não um resultado de qualquer dispositivo legal.

  12. Por força do disposto no artigo 240.º, n.º 2, do CIRE, no caso dos autos, sendo anual o período a que se reporta o Relatório a apresentar pelo Fiduciário, essa é a periodicidade com que devem ser apurados os rendimentos auferidos pela ora insolvente recorrente e, consequentemente, calculadas as quantias que nesse período são devidas à fidúcia.

  13. Só assim se assegura o respeito pela garantia constitucional que o rendimento indisponível representado pelo «sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar», constitui.

    Mostram-se violados pelo despacho recorrido as seguintes normas: artigos 239.º e 240.º do CIRE; artigos 9.º, alínea d), 16.º, n.º 2, 18.º, 67.º e 81.º, entre outros, da Constituição da República Portuguesa.

    É, pois, nestes termos e nos mais de direito cujo suprimento se invoca e espera, que se requer seja julgado procedente o presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido e em sua substituição decretado que sejam apurados anualmente os rendimentos auferidos pela devedora recorrente e, em função do rendimento indisponível anualizado, calculado o rendimento disponível a entregar/ceder à fidúcia.

    Só assim se aplicará a Lei e fará Justiça!».

    * Não houve lugar a resposta.

    * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

    Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar se existe motivo para determinar que o cálculo subjacente à cessão do rendimento disponível seja realizado com base numa periodicidade anual.

    * III – Factos com interesse para a decisão da causa: Os factos com interesse para a decisão são aqueles que se encontram enunciados no relatório inicial e, bem assim, os seguintes que constam da decisão de exoneração do...

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