Acórdão nº 7679/19.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ANTÓNIO MOITA
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 7679/19.8T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 3 Apelante: (…) Apelada: (…) *** Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) ***Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…), casado sob o regime de separação de bens com (…), empresário, residente na Praceta (…), n.º 1, r/c, em (…), Porto, intentou a presente ação declarativa de impugnação de testamento contra (…), casada e residente na Rua (…), n.º 16, 9.º-F, em Setúbal, pedindo:

  1. A declaração de nulidade da disposição testamentária referente ao usufruto relativo ao imóvel correspondente ao 9.º-A do prédio sito na Av. (…), n.º 24 e Praceta (…), n.º 10, em Setúbal, bem como: b) A anulação do testamento outorgado pelo seu pai (…) em 30 de Novembro de 2018 a favor da Ré.

    Para tanto, alegou, em síntese, ser filho único de (…), falecida em 25.03.2017 e do testador (…), falecido em 05.09.2019, acrescentando que por óbito dos seus pais, que foram casados no regime de comunhão geral de bens, não haviam, ainda, sido partilhados os bens deixados por herança da sua mãe, primeira a falecer, pelo que, quando o seu pai, testador, instituiu a Ré como herdeira da sua quota disponível e lhe deixou de legado o usufruto do imóvel em Setúbal, não podia dispor em exclusivo do bem que não lhe pertencia por inteiro, ferindo assim o testamento de nulidade, por ser nulo o legado.

    Mais alegou ainda o Autor que o seu pai, testador, apenas dispôs a favor da Ré porque se encontrava gravemente doente e debilitado pelo cancro que lhe sobreveio em 2016, não estando na posse das suas capacidades e no livre exercício da sua vontade, ao deixar tal disposição testamentária a pessoa estranha à família, só podendo justificar-se tal por uma incapacidade acidental e/ou por estar o seu pai, testador, a ser vítima de coação moral por parte da Ré, que o isolou da família, para assim dispor do património daquele em vida e depois dela, sendo a verdadeira intenção do pai do Autora deixar tudo ao seu único e amado filho.

    Tendo sido regularmente citada a Ré apresentou contestação onde se defendeu por impugnação, alegando não ser pessoa estranha à família, tendo passado de cuidadora a namorada do pai do Autor em Junho de 2017, fazendo com o mesmo vida de casal desde então e até à sua morte, acrescentando que este sempre manteve a plenitude das suas capacidades mentais, distanciando-se do Autor por sua livre vontade, sendo a Ré mera espectadora desse afastamento entre pai e filho.

    Convidado para tal, o Autor concretizou os factos em que sustentou a causa de pedir da presente acção, apresentando petição inicial aperfeiçoada, nela esclarecendo os factos em que fundamentou a existência de uma incapacidade acidental do testador fruto da sua doença e depressão, de coação moral e de usura, que levaram o seu pai a testar a favor da Ré.

    Convocaram-se as Partes para a realização de uma audiência prévia, onde foi definido o objeto do litígio e enunciaram-se os temas carecidos de prova.

    Designou-se data para realização da audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “DECISÃO Por todo o exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência: Declaro válido o testamento (e a deixa testamentária) outorgado por (…) em 30 de novembro de 2018 a favor da Ré.

    Absolvo a Ré do demais peticionado.

    Custas a cargo do Autor, pelo decaimento.

    Valor da acção: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

    Registe e Notifique.” * Inconformado com a sentença o Autor apresentou requerimento de recurso dirigido a este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões: “Conclusões: (…)” * A Apelada respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: “Conclusões:” * O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    * Nesta instância foi proferido despacho pelo relator convidando o Apelante ao aperfeiçoamento das suas conclusões recursivas, tendo aquele apresentado novas conclusões, com o seguinte teor: “1. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, declarou válido o testamento (e a deixa testamentária) outorgado por (…), pai do Apelante, a 30 de novembro de 2018 a favor da Apelada, deixando-lhe a quota disponível, a ser preenchida pelo usufruto do imóvel que correspondia à casa de morada de família dos pais do Autor/Apelante.

    2. O que está em causa nestes autos é averiguarmos a real vontade do pai do Apelante e aferir se a mesma se encontra ou não viciada pela Apelada, e, sem prescindir, se a deixa testamentária é anulável por usura, considerando que: - o de cujus era viúvo desde 25/03/2017, com 80 anos de idade, doente oncológico, tendo falecido decorridos pouco mais de 2 anos após a viuvez, a 05/09/2019, tendo o Apelante como único filho; - a Apelada foi contratada para tratar da esposa do de cujus, e, após a morte desta, continuou a realizar as tarefas domésticas em casa do testador, assumindo também o papel de sua cuidadora, atenta a idade e doença do de cujus, como a própria Ré/Apelada reconhece e confessa, tendo, alegadamente, começado a morar, na casa do de cujus em fins de maio de 2017, sendo ele, testador, quem pagava todas as suas despesas, sustentando-a.

    3. Entende o Apelante, com o devido respeito, que a douta sentença do Tribunal de Primeira Instância padece de nulidade, e contém factos incorretamente julgados, assim como faz uma aplicação errada do direito, motivo pelo qual o presente recurso abrangerá a impugnação da matéria de facto e de direito; 4. O Apelante considera que a sentença é nula porquanto, na audiência prévia foi fixado entre outros, o seguinte tema de prova n.º 6: “Passou a gerir a conta bancária do pai do Autor com gastos avultados”, e o Tribunal a quo não se pronuncia e nada refere quanto a este tema de prova, essencial, no entendimento do Apelante, para o objeto dos autos; 5. A douta sentença em crise nenhum relevo deu aos extratos da conta bancária do pai do Apelante, juntos aos autos, onde se encontram retratados movimentos de valor considerável ou com frequência diária incompreensível, pois o Recorrente não concebe como é que o seu pai, com 80 anos de idade, viúvo, doente oncológico, a fazer tratamentos num hospital público, realizou aqueles movimentos, designadamente através de caixas multibanco, até mesmo quando estava internado no Hospital; 6. Dos autos mostrou-se provado um facto totalmente desconsiderado pelo Tribunal a quo, e essencial nesta matéria, e que resultou da clara confissão da Apelada quanto ao uso e gestão que ela própria fazia, da conta bancária do pai do Apelante quando diz (minutos 11:45, 38:45, 44:24 do seu depoimento, cuja transcrição foi junta aos autos com as alegações) que tinha acesso à mesma, assim como ao cartão bancário, pelo que se impunha ao Tribunal de Primeira Instância apreciar tal questão, o que não fez, tendo indeferido o meio de prova requerido – notificação da Caixa Geral de Depósitos – o que fundamentou o respectivo recurso interlocutório/autónomo de tal decisão! 7. Motivo pelo qual se considera que a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, já que a sentença se deveria ter pronunciado quanto a esta questão e da mesma não consta qualquer referência relevante; Sem prescindir, 8. Entende o Recorrente, com o devido respeito, que os factos dados como provados sob os números 5, 16 a 19 dos factos provados, bem como as alíneas A), B) e D) dos factos não provados, não foram corretamente julgados, incorrendo a decisão em recurso em manifesto erro de apreciação da matéria de facto e de julgamento da qualificação jurídica da factualidade submetida à apreciação jurisdicional, como a seguir se demonstra; 9. No entendimento do Apelante, a sentença em crise incorre em clara violação do disposto no artigo 352.º do Código Civil, na valoração que faz do depoimento de parte da Apelada, o qual visa, segundo as regras processuais aplicáveis, obter a confissão de factos que sejam desfavoráveis à parte, o que ocorreu no caso sub judice, não tendo, no entanto, sido dados por provados factos que o deveriam ter sido, e essenciais à causa, o que é patente na motivação da sentença recorrida, nomeadamente as considerações vertidas a fls. 12 e 13; 10. Desde logo, mal andou o Tribunal a quo quando não deu como provado: - o facto confessado pela Apelada, de que usava a conta bancária do de cujus assim como o seu cartão multibanco e de que passou a viver às custas do de cujus (minutos 11:45, 38:45, 44:24 do seu depoimento); - que a Apelada não avisou o Apelante do estado de saúde do seu pai, nomeadamente do seu internamento que culminou na morte, incumprindo a obrigação assumida de informar o aqui Apelante, do que porventura viesse a acontecer com o seu pai (minutos 21:01 do seu depoimento); - o facto de a Apelada ter confessado inequivocamente que vendeu o veículo da marca BMW, série 3, da propriedade do testador, e também do Apelante (por óbito da sua mãe) (minutos 34:24 e 38:02 do seu depoimento), alegadamente, na véspera do óbito, negando qualquer conhecimento ao Apelante, não obstante as suas interpelações (cfr. doc. n.º 2 junto com as alegações) e isto depois de várias versões dadas este episódio, como melhor se explicita na motivação; 11. Perante a confissão de tais factos, relevantes à apreciação do objeto da acção, designadamente quanto à invocada usura, impunha-se ao Tribunal a quo que os mesmos fossem dados como provados para daí retirar as consequências jurídicas pertinentes ao caso; 12. Mal andou o Tribunal a quo, incorrendo em manifesto erro de apreciação da matéria de facto, quando dá relevância ao referido pela Apelada de que acompanhava o de cujus “para todo o lado” e julga relevantes as fotografias juntas aos autos pela Apelada, por esta tiradas...

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