Acórdão nº 460/18.3T9TNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo de Instrução Criminal de Santarém (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, corre termos o processo de instrução n.º 460/18.3T9TNV, no qual foi decidido não pronunciar o arguido AA pela prática do crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal, que lhe vinha imputado no requerimento de abertura de instrução. Dessa decisão interpôs recurso o assistente BB, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A.- O presente recurso vem interposto da decisão de não pronuncia do arguido, que teve por fundamento que da análise da matéria de facto se verificar que não estavam suficientemente indiciados os factos de que dependia a pronuncia do arguido, nomeadamente, que o mesmo teve intenção de enganar o assistente (fazendo-o crer que estava em condições de cumprir o contrato e que o queria fazer) com intenção de enriquecer ilicitamente e de lhe causar prejuízo correspondente. B.-Os factos que o Tribunal considerou indiciariamente não provados, deveriam ter sido considerados provados, ou seja, que aquando da celebração do negócio referido nos pontos 4 a 8 dos factos indiciariamente provados, o arguido sabia que não iria ter o direito de propriedade do terreno em causa

C.-Consta dos factos indiciariamente provados que o arguido preencheu a minuta do contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 7 de Outubro de 2017, mediante o qual prometeu vender ao assistente, D.- Consta dos autos a informação dada pela Autoridade Aduaneira através do Serviço de Finanças de … de que em 28 de Setembro de 2017, a proposta do arguido para compra do aludido terreno tinha ficado sem efeito, face ao exercício do direito de preferência. E.- A Autoridade Tributária através do Serviço de Finanças de …, atestou que, vide fls. 195 dos autos:“Em resposta aos ofícios anexados ao presente email, informo que através da venda n.º…, em 13-09-2017 foi adjudicado o artigo rústico n.º… seção … da freguesia de … a AA, tendo sido posteriormente em 28/07/2017, exercido o direito de preferência antes de efetuado o deposito do preço e consequentemente a entrega do bem ao primeiro proponente.” F.-Aquando da assinatura do contrato de promessa de compra e venda- 7/10/2017, bem sabia o arguido que pelo menos desde 28 de Setembro de 2017, o prédio não lhe pertencia, nem iria pertencer, face ao exercício do direito de preferência. G.- Mais sabia o arguido que não depositou o preço, e que o bem imóvel não lhe foi entregue

H.-No requerimento de abertura da instrução o assistente invocou toda a factualidade que permitia a pronuncia do arguido pelo crime de burla resultou da conjugação da prova testemunhal, documental e por prova documental na fase instrutória

  1. O julgador deve decidir a favor do arguido se, face à prova, tiver dúvidas sobre qualquer facto, mas tal dúvida tem que ser irredutível, insanável, e perante a prova o tribunal a quo não podia ter ficado com quaisquer dúvidas que justificassem o recurso ao princípio in dúbio pro reo

J.-As versões apresentadas pelo assistente e testemunhas dos factos, foram credíveis e consistentes em si mesmas e tiveram apoio nos elementos probatórios

L.-É manifesto que o arguido ao celebrar o contrato promessa de compra e venda bem sabia que o terreno não lhe pertencia, constando da matéria indiciariamente provada que a partir desse momento o arguido passou a furtar-se ao contacto com o assistente

M.-Tanto mais que em 7 de Outubro de 2017 o arguido não dispunha de auto de adjudicação do referido prédio rústico, nem do registo do mesmo a seu favor na Conservatória do Registo Predial

N.- O arguido nunca devolveu ao assistente o valor do sinal que havia recebido ou sequer teve alguma conduta em que se demonstrasse que pretendia fazê-lo

O.-Face a toda a factualidade indiciariamente provada nos autos é manifesto que o arguido agiu com dolo, no sentido de enganar o assistente, e sem qualquer intenção de cumprir o contrato, apenas para receber o valor do sinal e dele se apropriando

P.-De todas as provas referidas resulta a possibilidade razoável de, conforme constava do requerimento de abertura da instrução, o arguido ter enganado o assistente. É certo que esta tese radica na versão do assistente, mas recordamos que a decisão recorrida teve o depoimento deste e das testemunhas como credível e consistente

Q.-Existem nos autos indícios suficientes da prática dos factos vertidos no requerimento de abertura da instrução, pelo que deveria ter-se pronunciado o arguido pela prática de um crime de burla

R.-Não o fazendo o despacho de não pronúncia violou o artigo 205º, nº 1, da C.R.P. e os artigos 97º, nº 1, al, b), e nº 5, 308º, nº 2 e 283º, do C.P.P., com as consequências legais enunciadas nos artigos 118º, 119º, "a contrario", 120º ou, no mínimo, 123º, todos do C.P.P. e não apreciou corretamente a prova produzida, nem retirou as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, violando o artigo 143º do Código Penal e nos artigo 127º e 308º, nº 1, do C.P.P.” Pugnando, sinteticamente, pelo seguinte resultado: “Nestes termos deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que pronuncie o arguido pelos factos e crime imputados no requerimento de abertura da instrução, assim se fazendo justiça!” O recurso foi admitido

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso...

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