Acórdão nº 1067/20.0JGLSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Data24 Maio 2022

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Central Cível e Criminal de Beja (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Beja corre termos o processo comum colectivo n.º 1067/20.0JGLSB, no qual, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida a seguinte decisão (transcrição): “Em face do exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo em:

  1. Absolver o arguido AA da prática de um crime de pornografia infantil, p. e p. pelo art. 176º n.ºs 1 al. c) do C. Penal

  2. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º n.ºs 1 al. d) e 4 e art. 177º n.º 7 do C. Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos.” Inconformado, o arguido interpôs recurso da mesma, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do-Acórdão proferido nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts 176º nº1 al d) e 4 e art. l77 nº7 do Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções sou actividades, publicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos O Tribunal a quo considerou provado que, o arguido AA praticou um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1 alínea d) e 4 e artº 177º, nº7 do C. Penal. apesar de ter sido provado que o arguido apenas visualizou, apagou e não partilhou

    . Tal convicção assentou apenas na convicção do Tribunal assim como da conjugação das declarações produzidas em audiência com prova pericial/documental carreada para os autos, analisada de uma forma crítica e á luz das regras da experiência comum. -Acontece que, a prova pericial que serviu para formalizar a convicção do Tribunal foi a prova documental da perícia de Psiquiatria que, se revelou pouco clara, imprecisa e incoerente, ao afirmar que o arguido era imputável e consciente do ilícito que praticou, pelo que o foi incorretamente valorizado

    . Todos os demais documentos médicos de neurologista, psicologia, o relatório Social do arguido, apesar de terem sido referidos pelo Tribunal "a quo", não foram valorados. Pelo que consideramos que o facto de o arguido não ter sido provado e considerado diminuído na sua imputabilidade, foi incorretamente julgado

    . O tribunal a quo ao dar como provado as conclusões/ documentais da perícia psiquiátrica, (que faz remissão para perícia psicológica) que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, .Pelo que se considera que se justifica a suspensão da execução da pena de prisão de 4 (quatro) anos de prisão efectiva, e se o Tribunal o julgar conveniente adequado á realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou á observância de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, posto que “Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente

    Defendendo, em síntese: “Termos em que e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser suspensa a pena de prisão efectiva em que o arguido foi condenado” Em resposta, o MP entende que “o tribunal a quo apreciou, e bem, a matéria de facto apurada, para além de não ter incorrido em qualquer vício de falta de fundamentação ou erro de julgamento” pelo que “se conclui no sentido do presente recurso ser declarado totalmente improcedente e, consequentemente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos”

    A Digna PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer pugnando “pela manutenção do julgado.” Procedeu-se a exame preliminar

    Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, sem resposta

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

    Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: ““Factos provados Com relevância para a decisão a proferir, resultou provado que: 1. O arguido, desde data indeterminada, mas, pelo menos, desde 27 de Abril de 2020, dedicou-se à detenção de fotografias e vídeos de teor pornográfico infantil, maioritariamente com menores de idade inferior a 14 anos, muitos dos quais ainda crianças de tenra idade, para sua satisfação

    1. Assim, no dia 27 de Abril de 2020, das 04:07:17 horas às 04:08:25 horas (UTC), o arguido, através do IP …, efectuou o “upload” na internet de 42 (quarenta e dois) ficheiros de imagem com fotografias de menores com idades inferiores a 14 anos, alguns ainda bebés, nus, em posições eróticas e/ou exibição lasciva dos órgãos genitais, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática de sexo oral, anal e vaginal

    2. O arguido procedeu ao “upload” dos referidos ficheiros de imagem utilizando o ID de utilizador … na plataforma Microsoft-Online Operations (Onedrive)

    3. No dia 11 de Maio de 2021, na sequência do cumprimento de mandados de busca domiciliária, foram apreendidos no interior do quarto do arguido, na residência onde mora com os progenitores, sita na Rua …, em …, os seguintes equipamentos: -Um computador portátil de marca … modelo … com o nº de série …; -Um smartphone de marca … com os IMEI … e …, associado ao nº … com o e-mail … configurado; -Um disco externo de marca … modelo … com o número de série … com dois Terabytes; -Um disco externo de marca … com o modelo …; -Um disco externo de marca … de cor preta, modelo … com o n.º de série … de 500 Gigabytes; -Um disco externo de marca …, modelo … com 1 Terabyte e n.º de série …, com respectivos cabos de dados; -Uma pen-drive USB da marca … com 32 Gigabytes

    4. Os equipamentos informáticos apreendidos pertencem do arguido e eram por si utilizados

    5. No computador portátil da marca “…”, modelo “…”, contendo no seu interior 1 (um) Solid State Drive (SSD), da marca “…”, modelo “…”, o arguido detinha 244 (duzentos e quarenta e quatro) ficheiros de imagem com fotografias de menores, 110 (cento e dez) dos quais envolvendo crianças com idades inferiores a 14 anos, apresentando nudez total ou exibição lasciva dos órgãos genitais, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática de sexo oral, anal e vaginal

    6. No disco externo da marca “…”, modelo “…”, com o número de série …”, contendo no seu interior 1 (um) disco externo de 2,5’’ da marca “…”, modelo “…”, o arguido detinha 47565 (quarenta e sete mil quinhentos e sessenta e cinco) ficheiros com vídeos e fotografias de menores, 46772 (quarenta e seis mil setecentos e setenta e dois) dos quais envolvendo crianças com idades inferiores a 14 anos, apresentando nudez total ou exibição lasciva dos órgãos sexuais, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática de sexo oral, anal e vaginal

    7. No disco externo da marca “…”, modelo “…” e no dispositivo de armazenamento “USB” da marca “…”, o arguido detinha um sistema operativo denominado “Tails”, o qual permite realizar uma navegação segura em qualquer computador, sem que fique neste registada qualquer actividade de utilização ou navegação

    8. No disco externo da marca …, modelo “…”, o arguido detinha armazenados 996 (novecentos e noventa e seis) ficheiros de imagem de pornografia de menores, que se encontram em representações realísticas (banda desenhada) de menores nus e em práticas sexuais, infligidas por adultos ou por outros menores, bem como diversos programas que permitem a encriptação de dados, navegação oculta, partilha de conteúdos e conversações privadas, tais como “…”, “…” e “…”

    9. O arguido quis obter, deter e visionar com intenção de os divulgar e partilhar ficheiros de imagem e vídeo de conteúdo pornográfico envolvendo menores, a maior parte dos quais com idades inferiores 14 anos, com o intuito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, ignorando e desprezando a liberdade e autodeterminação sexual das crianças retratadas naqueles ficheiros

    10. Tinha conhecimento que as referidas imagens e vídeos com conteúdo pornográfico propiciam a exploração efectiva de crianças, usadas, algures, para a realização das imagens em causa, não obstante, não se inibiu de obter com intenção de visionar, ceder e difundir através da internet, para sua satisfação e de terceiros

    11. Sabia o arguido que não podia obter, divulgar ou ceder imagens de menores envolvidos em actos sexualmente explícitos ou, por qualquer meio, partilhar com terceiros suportes pornográficos relativos a menores ou com representação realista de menores, no entanto, quis obter milhares de ficheiros com esses conteúdos, grande parte dos quais envolvendo menores 14 anos de idade

    12. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal

      Mais resultou provado que: 14. Foi elaborado relatório social relativamente ao arguido, do qual consta: «I –Condições sociais e pessoais AA tem … anos de idade, encontra-se detido preventivamente no EP/... à ordem do presente processo e, á data dos factos, residia com a família de origem, pais, em …. È natural de …, cidade onde sempre viveu. Filho único, sempre viveu com os progenitores, mantendo com estes e vice-versa um relacionamento normativo, sem problemáticas associadas. A família é de condição modesta, o pai é … numa superfície comercial, … e, a mãe, …/…. O agregado habita casa própria, descrita com condições de habitabilidade e...

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