Acórdão nº 260/18.0T8DM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA MARGARIDA BACELAR
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. - No âmbito do processo de contra-ordenação nº 260/18.0T8ODM, a arguida AAA impugnou judicialmente a decisão do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas – que a condenou ao pagamento da coima única de 50.000,00€ pela prática de uma contra - ordenação ambiental muito grave p. e. p. pelo art.º 8º l), 50º nº 2 a) e 83º do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Costa Vicentina (PO-PNSACV), art.º43º nº1 a) do R.J.C.N.B. – Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e art.º 22º nº1 e 4 b) da L.Q.C.A.O.T.- Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (coima de 32.000,00€) e duas contraordenações ambientais graves p. e. p. pelo art.º9º nº1 f) e l) e 83º do Regulamento do PO-PNSACV e art.º43º nº1 a), f) nº2 e 3 do RJCNB e 22º nº1 e 3 b) da LQCAOT e sanções acessórias (art.º30º nº1 da LQCAOT e 47º do RJCNB) de no prazo de 60 dias após trânsito em julgado requerer ao ICNF/DCNF Algarve parecer para os trabalhos de abertura de 9,8 km de caminhos e de limpeza e aprofundamento da linha de água, que levou a cabo no seu prédio – sob pena de lhe poder ser ordenada, por este ICNF IP a reposição da situação natural relativamente a tais situações e no prazo de 120 dias após trânsito em julgado da decisão deverá a recorrente apresentar no ICNF/DCNF Algarve um estudo de incidências ambientais (EINCA) relativamente à 1ª fase do seu projecto de plantação do amendoal (abrangendo uma área de 194,28h) de cujo relatório constem, designadamente, propostas de medidas a implementar (pela arguida) para evitar e/ou minimizar os efeitos negativos, já consumados ou apenas expectáveis, de tal projecto – igualmente sob pena de lhe poder ser ordenada, por este ICNF I.P., a reposição da situação natural relativamente a todas as intervenções que levou a cabo nessa área, em violação do parecer favorável condicionado que lhe foi concedido pelo ICNF.

  1. Por sentença de 25.01.2022, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja - Juízo de Competência Genérica de Odemira - Juiz 2, foi julgada improcedente a referida impugnação e mantida a decisão do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

  2. A arguida interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A sentença de que se recorre entendeu que a decisão administrativa e o auto de notícia descreviam os factos de forma suficiente, porquanto o art.º 46º, nº 1, a) da LQCOAT refere que o auto de notícia deve mencionar os factos que constituem a infração “sempre que possível”.

    A recorrente entende que, no presente caso, era possível a descrição dos factos de forma circunstanciada, explicita e rigorosa, o que não foi feito.

    A primeira contraordenação, relativamente à qual se menciona a “execução de obras de escavação, aterro e mobilização de solos”, limita-se a transcrever aquilo que vem na alínea l) do art.º 8º da Resolução do Conselho de Ministros nº 11-B/2011.

    A segunda situação, “alteração da morfologia do solo, sendo acções não previstas no projecto de instalação e fora da normal gestão agrícola”, limita-se a transcrever aquilo que vem na alínea p), do nº 1, do art.º.9º do mesmo diploma.

    A terceira situação “alteração de linha de água”, transcreve para o auto o que vem na alínea j), do nº 1, do art.º 9º do mesmo diploma.

    Do auto de notícia não se consegue perceber que atos concretos de mobilização de solos foram verificados pelo Senhor Agente Autuante; que atos em concreto são suscetíveis de integrar o normativo legal nem em que se concretizam esses factos.

    O mesmo se diga quanto às intervenções em linhas de água. Não se percebe o que são intervenções, em que se concretiza esse conceito, nem se quer de que valas se fala.

    As legendas das fotografias, muito utilizadas pela sentença recorrida, mais não são do que outra transcrição da letra da lei, sem indicação de factos.

    Também a decisão administrativa é omissa quanto a descrição de factos, na medida em que parte do próprio auto de notícias e o transcreve parcialmente.

    O RGCOC diz-nos, no seu art.º 41º, nº 1 que se aplicam subsidiariamente aos processos contraordenacionais, os preceitos reguladores do Código do Processo Penal.

    Na situação que ora nos ocupa, o auto e a decisão administrativa de que se recorreu equiparam-se a uma acusação, pelos que deveremos aplicar o art.º 283º, nº 3 do Código do Processo Penal (adiante CPP).

    E tal normativo diz-nos que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena.

    Se o auto de contraordenação e a decisão administrativa não elencaram os factos, conforme supra se sustentou, então é nosso entendimento que padecem da nulidade prevista no art.º 283º, nº 3 do CPP, aplicável ex vi do art.º 41º, nº 1 do RGCOC.

    Ao entender de forma diversa, ou seja, ao entender que não havia nulidade da decisão administrativa, a Mma. Juíza do Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 283º, nº 3 do C.P.P, norma essa que deverá ser interpretada e aplicada no sentido propugnado neste recurso.

    Há uma grande dificuldade em perceber quais as normas jurídicas que se entendem ter sido violadas.

    O auto de notícia faz referência a umas normas jurídicas, a decisão administrativa acrescenta outras normas jurídicas e a sentença já só se refere a algumas delas.

    A decisão administrativa não só acrescenta normas, como acrescenta situações que nem foram reportadas nem elencadas no auto pelos agentes autuante e testemunha, como sejam as menções a acessos viários e a menção a limpeza, desobstrução e regularização de linhas de água.

    A própria decisão em si refere umas normas na parte atinente ao “objeto do processo” e outras normas na parte atinente ao “direito”.

    Não podia a decisão administrativa acrescentar sem mais “factos” que não lhe foram relatados no auto de notícia e, com eles, fazer nascer mais normas.

    Diferente seria se a decisão administrativa entendesse que aqueles “factos” poderia subsumir-se noutras normas legais que não as indicadas no auto de notícia ou noutras para além das indicadas no auto de notícia.

    A decisão administrativa (na parte intitulada “do direito”), proferida em virtude da defesa escrita apresentada pela arguida, acrescentou normas jurídicas que não “encaixam” nos factos descritos no auto de notícia.

    Desde logo acrescentou a menção de abertura, beneficiação ou alteração de acessos viários (sem sequer dizer qual delas é), incluindo obras de manutenção e conservação quando impliquem alteração do perfil transversal, bem como acessos necessários à atividade agrícola, invocando, para o efeito, a alínea f), do nº 1, do art.º 9º do PO-PNSACV. Em lado algum do auto de notícia se fala em acessos viários.

    Acrescentou, ainda, a limpeza, desobstrução e regularização de linhas de água e das suas margens (mais uma vez sem dizer qual delas é que se verificou), invocando para o efeito a alínea l), do nº 1, do art.º 9º do PO-PNSACV. No auto de notícia não se fala em nada relacionado com isso, não tendo o agente autuante feito qualquer referência a limpeza, desobstrução e regularização das linhas de água.

    De idêntico problema padece a douta sentença recorrida que, seguindo a linha da decisão administrativa, condena a arguida por “factos” (admitindo que o auto de notícia teria factos, o que já se contestou supra) não constantes do auto de notícia.

    Diz-nos o art.º 359º, nº 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.º 41º, nº 1 do RGCOC, que uma alteração substancial dos factos descritos na acusação (leia-se, decisão administrativa) não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso.

    Pelo que entende a recorrente que a decisão administrativa não poderia ter acrescentado “factos” ao auto de notícia e, consequentemente, novas normas que nunca se haviam invocado. O mesmo sucede com a douta sentença de que ora se recorre.

    Terão, forçosamente, que ser eliminadas as condenações em duas coimas, no montante de 16.000 euros.

    Entende a recorrente que a decisão administrativa e a sentença violaram o disposto no art.º 359º, nº 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.º 41º, nº 1 do RGCOC, interpretando essa norma no sentido de ser admissível a inclusão de factos novos, não elencados no auto de notícia, o que é incorreto.

    Segundo a sentença ora recorrida, foram violadas as seguintes normais jurídicas: → Art.º 8º, l), 50º, nº 2, a) do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Costa Vicentina (adiante PO-PNSACV) e art.º 43º, nº 1, a) do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e Biodiversidade (adiante RJCNB) O art.º 8º, l) do PO-PNSACV foi aplicado pela Mma. Juíza sem sequer ir verificar se poderia estar em causa algumas das exceções previstas na parte final do art.º, apesar de isso ter sido invocado em sede de impugnação judicial.

    O art.º sobredito tem que ser conjugado com o art.º 50º, nº 1 do mesmo diploma que permite a atividade agrícola, devendo a mesma obedecer ao Código de Boas Práticas Agrícolas. Nem o nº 2, nem o nº 3 restringem ou sujeitam a parecer os aterros e escavações, desde que estejamos perante uma prática de atividade agrícola (como estamos) e desde as mesmas respeitem o Código das Boas Práticas Agrícolas.

    Se uma norma prevê uma exceção, se essa exceção foi avançada pela recorrente como justificação para a realização de algo que, se fosse a regra, não seria permitido e se o próprio auto se refere a essa mesma exceção para a desconsiderar, não podia a sentença recorrida não proceder à sua análise.

    Nessa medida, entende a recorrente que a sentença violou o disposto no art.º 8º, l) do PO-PNSAV, na medida em que não atendeu à exceção prevista na parte final desse normativo, nem a conjugou com o disposto no art. 50º, nº 1 do mesmo diploma, o que não se aceita.

    Quanto ao art.º 50º, nº 2 e art.º 83º do PO-PNSACV, para que a Mma. Juíza considerasse ter aplicação tais dispositivos legais, teria...

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