Acórdão nº 561/18.8T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo 561/18.8T9FAR do Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, Comarca de Faro, foi submetido a julgamento a arguida AA depois de pronunciada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137º, n.º 1 do C.P. e também pelo art.º 69º, n.º 1, al. a) do C.P., em concurso aparente com um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291º, n.ºs 1, als. a) e b), e 4 (este quanto à al, b)), com referência aos art.ºs 81º, n.ºs 1 e 2, 24º, n.º 1, 25º, n.º 1, al. a) e 103º, n.º 2, do C. Estrada, e 69º, n.º 1, al. a) do Código Penal (havendo de considerar a agravação do art.º 285º, n.º 3 do Código Penal, ex vi do art.º 294º e 18º do Código Penal).

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu absolver a arguida AA do crime pelo qual estava pronunciada.

II.

Desta decisão absolutória veio recorrer o M.º P.º, formulando as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida absolveu a arguida do crime de homicídio por negligência de que se encontrava pronunciada por não ter efectuado uma apreciação cuidada e concatenada de todos os meios de prova disponíveis.

  1. Deu como provados os factos sob os nºs 9, 12, 13, 14 e 15 quando não o deveria ter feito, designadamente por a prova gravada produzida nos depoimentos referidos e passagens especificadas na motivação deste recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, ter sido produzida noutro sentido.

  2. Tendo, também, divergido da prova documental, bem como da pericial produzida, em sentido contrário, sem fundamentar tais divergências.

  3. A apreciação cuidada e rigorosa dos referidos depoimentos e passagens, conjugada com a prova documental, designadamente a participação do acidente de viação e as fotografias efectuadas no local e ao veículo conduzido pela arguida, e pericial, nomeadamente o relatório da perícia ao acidente efectuado pelo DIAT, deveriam ter conduzido a terem sido considerados provados os factos não provados nºs 24, 25 e 26.

  4. E à consequente condenação da arguida pela prática do referido crime.

  5. A sentença recorrida é nula nos termos do art.º 379º, nº 1, al. c) do C.P.P., pois ao divergir da prova pericial, não fundamentou as razões da divergência tal como exige o art.º 163º, nº 2 do C.P.P., pelo que deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar.

  6. Deve, assim, ser substituída por outra que considere não provados os referidos factos provados e que considere provados os factos não provados, condenando a arguida pelo citado crime, assim se fazendo JUSTIÇA.” A este recurso veio responder a arguida, resposta de que formulou as seguintes conclusões: “1. O tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação da prova produzida; 2. Sendo certo que não houve lugar a prova pericial; 3. Dos depoimentos das testemunhas e do depoimento da arguida não se pode concluir que o tribunal recorrido tenha errado ao considerar como não provada a factualidade donde decorria a responsabilidade penal da arguida; 4. Pelo que se deve tal factualidade manter-se inalterada; 5. E assim sendo, e aplicando o direito aos factos provados, decorre, tal com se decidiu, inexistir responsabilidade penal da recorrente; 6. Tudo razões para se manter inalterada a sentença recorrida.” Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que, depois de elencar as questões que se mostram suscitadas no recurso e desenvolvendo as mesmas, se manifesta no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.

    Cumprido o disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, a arguida apresentou resposta ao parecer em que alega não ter o Ministério Público recorrente, dado cumprimento às formalidades exigidas no artigo 412º nº 3 do C.P.P., dando por reproduzido o que deixou dito na resposta à alegação de recurso.

    IV.

    Colhidos os vistos legais, foi efectuada conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

  7. Da sentença recorrida consta o seguinte: “Factos Provados 1 - Nesta cidade situa-se a Avenida ..., comportando duas faixas de rodagem com o sentido de marcha obrigatório de Norte / Sul e outras duas faixas de rodagem com o sentido de marcha obrigatório de Sul / Norte.

    2- Entre as aludidas faixas de rodagem (e sentidos de marcha) existe um separador central com cerca de 1 metro de largura.

    3- Em 11 de Fevereiro de 2018 o local estava dotado de iluminação pública, porém, fraca.

    4 - E no referido separador havia, em toda a sua extensão e largura, arbustos e arvoredo, alto e denso.

    5 - Inexistia, no atravessamento de tal separador, qualquer ponto próprio ou específico, antes existindo vários pontos que se foram formando ao longo do tempo pelo uso reiterado das pessoas e através do forçamento e calcar de tais arbustos.

    6 - Sensivelmente a meio da Avenida, em ambos os sentidos de marcha, havia uma passagem para peões assinalada na via de circulação.

    7 - E cerca de 10 metros antes de tal passagem, havia, considerando o sentido Sul / Norte, uma lomba no pavimento.

    8 - No local existia, também, sinalização vertical a assinalar a existência da passagem para peões, e, ainda, de proibição de circular a mais de 40 km/h.

    9 - Pelas 19 horas do dia 11 de Fevereiro de 2018, ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., preto, de matrícula ..-..-VN, a arguida seguia na referida Avenida, no sentido Sul – Norte, com uma TAS de 1, 01 g./l., imprimindo ao veículo velocidade de cerca de 33Km/h.

    10- Não chovia, o piso estava seco e já não havia luz natural.

    11- BB usando roupa escura e proveniente da zona do Lidl, atravessou, no sentido Oeste / Este, a passagem para peões existente na Avenida e considerando o sentido de marcha Norte / Sul.

    12- Subitamente, o referido BB iniciou, cerca de 2 a 3 metros após a passagem para peões, considerando o sentido de marcha do veículo conduzido pela arguida, a travessia da faixa de rodagem.

    13- Assim que iniciou tal travessia o BB foi embatido pelo veículo conduzido pela arguida.

    14- O embate deu-se a cerca de 1,30 metros do referido separador e com a parte da frente do lado esquerdo do veículo.

    15- A arguida imobilizou o seu veículo cerca de 5 metros após a passagem para peões e o BB foi projectado, ficando imobilizado no solo cerca de 5 metros à frente do veículo.

    16- Por força do embate do veículo e subsequente embate no solo, BB sofreu traumatismos crânio encefálico e torácico graves, dos quais resultaram hematoma subdural e hemorragia subaracnoídea e contusões pulmonares, com paragem cardiorrespiratória subsequente, os quais foram causa da sua morte verificada pelas 23,38 horas do mesmo dia.

    Mais se provou que 17- A arguida é contabilista, trabalhando por conta de outrem.

    18- Aufere cerca de 750 Euros mensais.

    19- Vive em casa da sogra.

    20- Tem 2 filhos com 11 e 18 anos.

    21- O seu marido trabalha por conta própria.

    22- Tem o 12º ano de escolaridade.

    23- Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

    Factos não provados Não se provou que 24- BB estivesse a efectuar a travessia da faixa de rodagem pela passagem de peões assinalada no solo quanto foi embatido.

    25- Que a arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente, sem adoptar as precauções exigíveis a qualquer pessoa que se encontrasse nas mesmas circunstâncias, designadamente, não conduzir depois de ter consumido bebidas alcoólicas, bem como não reduzir a velocidade que imprimia ao veículo atenta a aproximação da passadeira para peões, e não parar ao verificar que a mesma estava a ser utilizada pela vítima, bem sabendo que a sua conduta punha em perigo a integridade física e a vida dos demais utentes da via, mas acreditando, levianamente, que tal não se iria concretizar em ferimentos ou na morte de quem quer que fosse.

    26- Que sabia, perfeitamente, que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    Motivação A apreciação critica do Tribunal incidiu sobre as declarações da arguida, os depoimentos das testemunhas arroladas e pela análise do teor dos documentos de fls. 4, 5, 30 a 48, 50 a 57, 190 a 216, 218 a 228, 238 e 240, bem como relatório pericial de fls. 259 a 263 e relatório técnico de...

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