Acórdão nº 1455/22.8T8EVR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório No procedimento cautelar de arresto que a Requerente AA instaurou contra a Requerida “Lenicare, Lda.”, foi prolatada decisão, com o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente procedimento cautelar e, em conformidade: 1- Decreta-se o arresto dos direitos de crédito, presentes ou futuros, que a Requerida LENICARE, LDA. tenha a receber do HOSPITAL DO ESPÍRITO SANTO DE ÉVORA, E.P.E., pessoa coletiva n.º 508.085.888, com sede no Largo Senhor da Pobreza, 7000-811 Évora, até ao montante de € 26.213,16 (vinte e seis mil duzentos e treze euros e dezasseis cêntimos).

2- Indefere-se o demais peticionado pela Requerente AA nos presentes autos.

3- Condena-se a Requerente em custas, sem prejuízo de as mesmas serem atendidas, a final, na ação principal que venha a ser intentada (cf. artigos 527.º, n.º 1 e 2, e 539.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

Fixa-se o valor da causa em € 31.110,12 – cf. artigos 304.º, n.º 3, alínea e) e 306.º, n.º 1 e 2, todos do Código do Processo Civil.

Registe e notifique a Requerente.

Após a execução da providência, cite a Requerida, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6, e 372.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.» Na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º, veio a Requerida interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «1.ª O presente recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente, designadamente no que concerne ao decretamento da providência cautelar de arresto.

2.ª O objeto do presente recurso consiste na sindicância do juízo conclusivo do Tribunal a quo que, erroneamente – e salvo melhor opinião - desconsiderou a ocorrência de uma transmissão de unidade económica e qualificou como despedimento a impossibilidade prática e jurídica da Recorrente receber o seu trabalho, desde logo por já não ser parte do contrato de trabalho em vigor, considerando, nesse pressuposto, como reunidos os requisitos necessários ao decretamento do arresto; 3.ª A ocorrência de uma transmissão de unidade económica não está em causa nos presentes autos tendo sido reconhecida e aceite por todas as partes envolvidas; 4.ª Entende a Recorrente que a matéria de facto tida por indiciariamente provada era insuficiente para permitir que o Tribunal concluísse no sentido da verificação dos requisitos de que dependia o decretamento da providência cautelar de arresto, designadamente quanto à alegada ocorrência de um despedimento promovido pela ora Recorrente e, bem assim, quanto à alegada validade da oposição deduzida pela Recorrida; 5.ª Analisado o conteúdo da sentença do Tribunal a quo que decretou o arresto, da qual ora se recorre, não resulta que se mostrem verificados os requisitos essenciais de que deveria depender, em tese, a sua procedência, em particular no quanto concerne à aparência do direito (fumus bonis iuris) de crédito da Recorrida cuja tutela se pretenderia, em tese, assegurar.

6.ª A sentença do douto Tribunal a quo limita-se a fundamentar o sentido decisório e a alegada aparência do direito de crédito da Recorrida na ocorrência de uma oposição à transmissão alegadamente válida e num despedimento aparentemente ilícito, sem, porém, fundamentar tais conclusões; 7.ª Com efeito, a complexidade “natural” subjacente a este fenómeno da transmissão da unidade económica e, em particular, os especiais contornos do caso em concreto, justificariam porventura maior ponderação e cautela na hora da tomada de decisão. Se é verdade que a generalidade dos processos cautelares já exige um especial cuidado por parte do julgador, atendendo ao facto de se tratarem de decisões preliminares e em que o tribunal faz apenas uma apreciação sumária da prova, nos casos em que o mérito da providência requerida é apreciado sem exercício do contraditório pelo requerido a exigência de uma prova que justifique a probabilidade do direito reclamado pelo requerente é (ou deve ser) ainda maior.

Impõe-se ao julgador perante tal situação um crivo rigoroso no que concerne à prova produzida e às conclusões, de facto e de direito, que dela se permite alcançar.

8.ª Para se reconhecer a existência de um direito de crédito haveria antes que qualificar se a oposição à transmissão da unidade económica em que estava inserida a Recorrida foi, ou não, (ainda que num juízo meramente perfunctório) válida, pois, sem tal apreciação prévia, é impossível reconhecer-se a existência de qualquer direito de crédito, ou sequer a identidade do respetivo devedor.

9.ª O fundamento da oposição à transmissão deduzida pela Recorrida assenta na recusa, por parte transmissária, em integrar a Recorrida e, bem assim, na desconfiança que a mesma lhe causa no quanto concerne à política de organização de trabalho do transmissário.

10.ª Não pode admitir-se como fundamento de oposição tal desconfiança provocada, em síntese, pela infundada recusa por parte da transmissária em cumprir a lei. Tal entendimento permitiria identificar o meio de resposta “ideal” para qualquer entidade que assumisse uma determinada unidade de negócio, mas decidisse, de acordo com a sua conveniência, escolher qual a parte da equipa de trabalhadores associados a tal unidade que pretenderia manter… se alguma.

11.ª Independentemente daquela que fosse a intenção, velada ou expressa, da transmissária da unidade de negócio desenvolvida, até 30 de abril de 2022, pela Recorrente, a mesma seria irrelevante no que respeita à transmissibilidade do vínculo laboral; 12.ª No exercício da sua oposição exigia-se à Recorrida a identificação de um fundamento bastante suscetível de materializar, ainda que no contexto de um juízo de prognose, um qualquer prejuízo sério resultante da transmissão do seu contrato de trabalho para a transmissária, ou um facto que pudesse afetar a sua confiança na política de organização do trabalho desta entidade – recordando-se aqui, e uma vez mais, que essa foi a referência utilizada pela Recorrida na manifestação do seu alegado direito de oposição.

13.ª Salvo melhor opinião, a ausência de motivação bastante torna inválida a oposição deduzida pela Recorrida, pelo que não pode senão, perante tal manifesta ausência de fundamento, concluir-se pela necessária transmissão do contrato de trabalho da Recorrida.

14.ª Recorrida não invocou qualquer fundamento válido para a sua oposição à transmissão, razão pela qual não deveria o douto Tribunal a quo ter concluído pela alegada validade do exercício de tal direito e, consequentemente, pelo reconhecimento da existência de um direito de crédito da Recorrida sobre a Recorrente.

15.ª Em qualquer caso, afigura-se inquestionável que esta matéria, como se cuidou já referir, apresenta uma elevada complexidade técnica o que por si só, e salvo melhor opinião, deveria ter conduzido o douto Tribunal a quo a uma decisão distinta da efetivamente proferida, designadamente não reconhecendo a probabilidade da existência de qualquer direito de crédito suscetível de tutela, requisito essencial do arresto e sem o qual o mesmo não poderia ser decretado; 16.ª Outro dos requisitos legais de que depende o decretamento da providência cautelar de arresto consiste na existência de um justo receio de perda de garantia patrimonial; 17.ª No caso em concreto, a unidade de negócio que consiste na exploração do serviço de radioterapia do HESE foi transmitida a uma sociedade do grupo Joaquim Chaves Saúde (transmissária acima melhor identificada); 18.ª Trata-se de uma organização empresarial de grande dimensão e de muito forte e reconhecida implementação no mercado, situação que contrasta gritantemente com a da Recorrente. Como resulta da documentação junta com o requerimento inicial, designadamente a carta de resposta da Recorrente à oposição à transmissão deduzida pela Recorrida, a Recorrente foi constituída única e exclusivamente para prestar os serviços objeto do contrato de concessão de exploração da unidade de radioterapia do HESE 19.ª Com a cessação desse contrato de concessão no passado dia 30 de abril de 2022 e, como se referiu, com a transmissão dessa unidade de negócio para a transmissária, a Recorrente ficou sem atividade, sem instalações, sem equipamentos e – segundo entende – sem trabalhadores, tudo em estrita observância do preceituado na lei quanto a esta matéria; Ora, 20.ª A ser assim, não se vislumbra como poderia o Tribunal a quo considerar verificado qualquer um dos requisitos legais do arresto, visto que a entidade empregadora da Recorrida e, bem assim, aquela que salvo melhor opinião seria responsável pelos efeitos de qualquer cessação de contrato promovida fora dos trâmites legais, tem atividade, tem meios que se encontram afetos ao seu desenvolvimento, possui instalações, etc.

21.ª Por isso, não se afigura existirem razões que justifiquem tal fundado receio – pelo menos nem a Recorrida as alega no seu requerimento inicial de arresto, nem o douto Tribunal a quo as reconhece na sentença. Se assim é, importa pois também afirmar perentoriamente a inexistência do segundo requisito essencial de que dependeria o decretamento da providência cautelar de arresto: o justo receio de perda de garantia patrimonial.

Em suma, 22.ª Sem prejuízo do contraditório que oportunamente será promovido em sede de ação principal, entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao proferir sentença no sentido da procedência do requerimento de arresto apresentado pela Recorrida, na medida em que, pelos motivos antes elencados e exaustivamente enunciados, não se encontram verificados os requisitos legalmente exigidos de que dependeria o seu decretamento.

Nestes termos bem como nos mais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deve ser julgado provado e procedente o presente recurso de apelação, com os fundamentos e no sentido das conclusões acima apresentadas (aqui...

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