Acórdão nº 18/16.1EASTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum que correm termos no Juízo de Competência Genérica do …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 168/19.2GAFAL-A, foi o arguido AA, operário de armazém, divorciado, nascido em …/…/1982, natural da freguesia de …, …, filho de BB e de CC, portador do cartão de cidadão n.º…, residente na residente na Rua … - …, condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (na redação do Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30-11), na pena de um ano e sete meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova (de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP) e na pena de pena de 180 dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfez a quantia global de mil e oitenta euros

A sentença condenatória transitou em julgado em 20.12.2018

Por decisão proferida em 13.07.2022 foi declarada extinta tal pena

* Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1. O arguido AA foi condenado, por decisão transitada em julgado em 20-12-2018, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (na redação do Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30-11), na pena de um ano e sete meses de prisão e na pena de pena de 180 dias de multa à taxa diária de seis euros, o que perfaz a quantia global de mil e oitenta euros», suspensa a primeira por igual período sujeita a regime de prova (de acordo com plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP)

  1. Todavia, o arguido foi condenado, no processo n.º4/19.0EASTR, por sentença transitada em julgado em 21-12-2021, pela prática, em 28-01-2019, i. é. durante o período de suspensão da execução da presente pena prisão, de um crime de exploração ilícita de jogo, ilícito previsto e punido pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro

  2. Realizada audição de condenado, prevista no artigo 495.º, n.º2 do CPP, entendeu o Tribunal a quo não ser prorrogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, tendo, em sua vez, declara extinta a dita pena, por despacho de 13-07-2022, por entender não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 55.º do Código Penal

  3. Ora, o tribunal a quo, em tal decisão, fez uma interpretação restritiva do disposto no artigo 55.º do Código Penal, no sentido de que o mesmo não é aplicável aos casos em que o arguido comete crime durante o período de suspensão, por entender que os deveres e regras de conduta impostos dizem apenas respeito aqueles que são, expressamente, mencionados na decisão condenatória ou no plano de reinserção social

  4. Não concorda este Ministério Público com tal interpretação restritiva do artigo 55.º do Código Penal, fazendo antes uma interpretação extensiva da mesma, como entende dever ser feita, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, no sentido de que, da leitura conjugada do artigo 50.º e 56.º, n.º1, alínea b) do Código Penal, resulta que, durante a suspensão da execução da pena de prisão, o arguido está sempre (e independentemente de ser sujeito a outras regras de conduta) sujeito ao cumprimento de um dever geral que é o de não praticar crimes, o qual se integrará também no disposto no artigo 55.º do Código Penal. Interpretação esta que se mostra mais coincidente com a ratio da suspensão da execução da pena de prisão, que acaba por ser sujeitar o arguido a um período probatório, durante o qual, o mesmo não pode cometer novos crimes e ainda terá de cumprir com certas e determinadas regras de conduta e deveres

  5. Admitir que, em caso de cometimento de novo crimes, as consequências serão apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou, por outro lado, a declaração da extinção da pena, é ignorar o facto de que, mesmo que não importe a revogação da suspensão, o cometimento de um novo crime não deixa de ser um forte de indício e prenúncio de que, efetivamente, as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução não puderam, nem poderão, por meio dela ser alcançadas

  6. Por outro lado, se o cometimento de novo crime durante a suspensão é fundamento para a revogação da suspensão da pena de prisão, por maioria de razão, também será fundamento para a aplicação de medidas menos gravosas e lesivas da liberdade do arguido, previstas no artigo 55.º do Código Penal. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da república e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Edição atualizada, Universidade Católica Editora, Novembro de 2015, página 315, o propugnado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2017 (Proc. n.º66/14.6PDMAI.P; Relator: Moreira Ramos), no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2013 (Proc. n.º 90/01.9TBHRT-C.L1-5; Relator: Jorge Gonçalves), e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-01-2017 (Proc. n.º 2/12.4PEBRG.G2; Relatora: Ausenda Gonçalves), entre outros

  7. Face ao exposto, entende o Ministério Público que condenação por crime praticado durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, apesar de não permitir, por si só, concluir que as finalidades visadas pela suspensão se frustraram, é reveladora de que “…a simples censura do facto e a ameaça da prisão...” pode não ter sido suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição (artigo 50.º do CP), principalmente no que diz respeito às exigências de prevenção especial positiva, por levantar a dúvida se, efetivamente, o arguido interiorizou a ilicitude da sua conduta e se a ameaça da prisão será um ascendente bastante para o mesmo não reincidir, pelo que haveria o tribunal a quo, em vez de determinar a extinção de tal pena, prorrogar o período de suspensão por mais 1 ano, nos termos do disposto no artigo 55.º, alínea d) do CP, a fim de consolidar junto do arguido a necessidade de adotar uma conduta reta e conforme o direito.(…)” Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a prorrogação do período de suspensão por mais 1 ano, nos termos do disposto no artigo 55.º, alínea d) do CP

* O recurso foi admitido

Na 1.ª instância o arguido pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado a sua resposta nos seguintes termos: “I Insurge-se o MP contra o despacho em que foi determinada a extinção da pena de prisão cominada ao recorrido, por cumprimento do período de suspensão da execução da mesma, porquanto pretendia o MP a sua prorrogação, derivada da condenação do arguido, pelo mesmo crime, em pena de prisão e de multa, igualmente suspensa na sua execução, ocorrida já no período de suspensão

Contudo, o tribunal entendeu que o arguido cumpriu os pressupostos que subjazeram à suspensão da execução das penas de prisão, em que havia sido condenado, designadamente não ter o arguido incorrido em novos ilícitos durante os referidos períodos, pelo que determinou a extinção da pena de prisão suspensa

Ora, o MP promoveu a prorrogação de tal suspensão pelo período de um ano, no que não foi atendido, e na verdade, bem andou a Ilustre Julgadora em assim decidir, sem embargo de que o recorrido não se ter oposto à promovida prorrogação do período de suspensão

No entanto, convirá ainda dizer que o recorrido, em sede de contraditório, tenha expressado o entendimento de que do último julgado, não se poderia extrair com segurança que o recorrido tenha cometido o crime no período da suspensão da execução da pena, por naquele se ter fixado data para o cometimento do crime, aquando o mesmo foi notado pela ASAE, e não que o facto ilícito assacado ao recorrido tenha, na verdade ocorrido na data referenciada na decisão condenatória, daí que não se possa defender, como faz o MP, a existência de um “continuidade” criminosa, a qual nem sequer consta da mencionada decisão condenatória

Por conseguinte, o recorrido entende que o tribunal “a quo” fez correta interpretação do disposto no art. 55º, nº 1, do CP

II Com efeito, o MP discorda daquela efetuada pelo tribunal “a quo”, propendendo por uma interpretação extensiva da citada norma, contrapondo-a à interpretação restritiva que diz ter o tribunal efetuado

Ora, no que se refere à interpretação extensiva em direito penal, entende eminentes autores que a mesma não está afastada, mas, sem embargo de que a interpretação extensiva permitida é aquela que se contenha no sentido máximo (possível) das palavras da lei

Parece-nos assim que tal interpretação extensiva da norma em causa proposta pelo MP ofende o princípio da necessidade das leis penais, porque vai além do sentido possível das palavras da lei e como tal a torna ilegítima, pois, agrava a responsabilidade penal do recorrido

No entanto, contrariamente ao vertido na alegação do MP, existe jurisprudência que não abona a interpretação por esta veiculada pelo MP, e afasta a aplicação do art. 55º, nº 1, do CP, no caso de suspensão simples da execução da pena, como é o caso dos autos, portanto não sujeita a qualquer obrigação ou dever

Assim o entendeu a Relação de Coimbra, pelo seu acórdão de 1-10-2008, cujo sumário consta que: “No caso de suspensão simples da execução da pena de prisão...

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