Acórdão nº 341/21.3GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | JOÃO AMARO |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 341/21.3GDPTM, do Juízo Local Criminal de … (Juiz …), e mediante pertinente sentença, foi decidido absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica e de um crime de ameaça agravada, decidindo-se, porém, condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada (na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova, que deverá incidir na problemática de ingestão de bebidas alcoólicas)
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença, a qual em suma, absolveu o arguido AA da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, e 155, nº 1, b), do CP, condenando-o, porém, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, a) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, b), do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhado de regime de prova, que deverá incidir na problemática de ingestão de bebidas alcoólicas
2 - Face à absolvição do arguido, o Tribunal a quo efetuou uma errada qualificação dos mesmos, pois estamos perante a autoria material, sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do Código Penal, estando descritos os elementos subjetivos deste tipo, bem como um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, e 155º, nº 1, b), do CP
3 - O que resulta da factualidade apurada é que, em duas situações, o arguido teve vários comportamentos atentatórios da dignidade da ofendida, ocorridos em datas diversas; 4 - Quando a assistente estava grávida de7 meses, na sequência de uma discussão motivada pelos consumos alcoólicos do arguido, o mesmo desferiu chapadas na cara da assistente, causando um hematoma junto ao olho; apertou-lhe o pescoço, junto à nuca; e desferiu-lhe pontapés nas nádegas
5 -Também durante a gravidez, quando se encontrava sob o efeito do álcool, o arguido disse à assistente: “Tu não vales nada, és uma porcaria, és uma cabra, és uma puta”
6 - No dia 21 de maio de 2021, pela hora do almoço, o arguido empurrou a assistente, jogando-a ao chão, e, momentos depois, no âmbito da discussão, o arguido voltou a empurrá-la, batendo a mesma com a cabeça na porta, causando-lhe dores ligeiras
7 - Ao contrário da Mmª Juiz, entendemos que este “pedaço de vida” que nos é apresentado reveste uma clara situação de violência doméstica, pois que relata uma situação de humilhação e grave afetação da assistente no seio da relação conjugal, ainda mais quando uma parte das agressões é infligida quando a mesma estava grávida de 7 meses. E realce-se que não foram agressões leves, pois que a assistente ficou com um hematoma no olho e dores nos locais atingidos
8 - Saliente-se a humilhação de sofrer agressões, físicas e verbais, durante a gravidez já avançada de 7 meses, onde a barriga já era proeminente, o que colocou em causa o bem-estar, autoestima e dignidade de qualquer pessoa que partilhe com outra a sua vida, bem como a do feto
9 - Desta forma, entendemos que os factos dados como provados deverão levar a conclusão diversa da decidida pela Mmª Juiz, considerando-se que o arguido, com as suas condutas, preencheu os elementos objetivos e subjetivos do tipo de violência doméstica previsto no art.º 152º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), 4 e 6 do Código Penal
10 - Devendo a douta sentença ser alterada, condenando-se o arguido pelo crime de violência doméstica, e em pena que reflita este novo enquadramento penal e esta diferente perspetiva dos factos, a qual deverá ser fixada em período nunca inferior a 2 anos
11 - Alega a Mmª Juiz que, a acusação é omissa na descrição dos elementos subjetivos correspondentes ao crime de violência doméstica
12 - Ora, mais uma vez discordamos da Mmª Juiz, pois que entendemos que a Acusação descreve os elementos subjetivos do tipo de crime de violência doméstica
13 - Ao analisarmos o preceito legal em causa, o artigo 152º, nº 1, b), e nº 2, do C.P., facilmente concluímos que estão descritos na acusação todos os elementos subjetivos do ilícito em causa
14 - Se assim fosse, sempre teria a Mmª Juíza, ao analisar a Acusação, rejeitado a mesma, o que não fez, antes admitindo-a nos seus precisos termos
15 - Por último refira-se que, caso a Mmª Juiz entendesse que não estava descrito o elemento subjetivo, sempre deveria remeter os autos ao MP, dando a possibilidade de apresentar nova acusação, em que suprisse a deficiência apresentada - Veja-se Acs. TRE de 10.04.2018 (P. 1559/16.6GBABF.E1), de 23.06.20 e de 12.01.2021
16 - A Mmª Juiz absolveu, igualmente, o arguido da prática do crime de ameaça agravada contra a filha
17 - Da simples leitura da matéria de facto provada impõe-se concluir que o arguido agiu com dolo. Na verdade, está provado que o mesmo conhecia a ilicitude da sua conduta, tal como está provado que o mesmo quis praticar os factos descritos na pessoa da filha. O arguido quis ameaçar a filha, com a prática de um mal futuro, de um crime de homicídio
18 - O argumento da Mmª Juiz, que apenas pretendia, através da ameaça, corrigir o comportamento da filha, não pode colher. Estamos a falar da ameaça com a prática de um crime de homicídio e não de ameaça com umas meras palmadas no rabo
19 - O que o arguido disse, ameaçando a própria filha de morte, só transmite modelos desadequados, desumanos e degradantes
20 - Tudo isto ainda é mais grave, quando a violência é exercida sobre uma criança. Não só pelo sofrimento que lhe inflige e que prejudica o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, mas também pela mensagem e modelo educacional que lhe transmite
21 - Desta forma, entendemos que os factos dados como provados deverão levar a conclusão diversa da decidida pela Mmª Juiz, considerando-se que o arguido, com a suas condutas, preencheu os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ameaça agravada previsto no artigos 153º, nº 1, e 155º , nº 1, b), do Código Penal, dando-se como provado o facto que a Mmª Juiz deu como não provado (facto 5)
22 - Devendo a douta sentença ser alterada, condenando-se o arguido pelo crime de ameaça agravada, e dando-se como provado o facto 5 dos factos não provados e em pena que reflita este novo enquadramento penal e esta diferente perspetiva dos factos
Termos em que se entende, salvo melhor e douta apreciação, que a douta sentença deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido nos termos supra pugnados”
* Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido da procedência parcial do recurso: o recurso deve proceder quanto à pretendida condenação pela prática do crime de violência doméstica, e deve improceder relativamente à pretendida condenação pelo cometimento do crime de ameaça
Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, o arguido respondeu, entendendo que deve ser mantida a sentença recorrida, improcedendo totalmente o recurso interposto pelo Ministério Público
Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência
II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso
Atendendo às conclusões extraídas da motivação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem (nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal), são três, em breve síntese, as questões suscitadas: 1ª - Saber se, perante os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 1 a 16, o arguido incorreu (ou não) na prática de um crime de violência doméstica (a Exmª Juíza entendeu que não, e a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente entende que sim)
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- Saber se a acusação é (ou não) omissa quanto à descrição dos elementos subjetivos do tipo legal de crime de violência doméstica
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- Determinar se o arguido, quando disse à filha (de … anos de idade) que a “mataria” se voltasse “a roubar”, cometeu (ou não) um crime de ameaça agravado (e, em relação a isso, saber se deve dar-se como provado o facto tido como não provado na sentença revidenda sob o nº 5)
2 - A decisão recorrida
A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados -): “Factos provados: 1. O arguido e a assistente, BB, iniciaram uma relação de namoro, em 2010
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Em 2013, o casal decidiu ter um filho, tendo a assistente engravidado
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Numa ocasião, em data concretamente não apurada, quando a assistente estava grávida de 7 meses, estando ambos em casa do arguido, na sequência de uma discussão motivada...
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