Acórdão nº 40/19.6GAPSR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | JOÃO AMARO |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) nº 40/19.6GAPSR, do Juízo de Competência Genérica de ..., após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, foi decidido nos seguintes termos: “Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a acusação pública procedente, por provada e, em consequência: a) Condena o arguido AA, da prática, em coautoria material e na forma consumada, um crime de maus tratos, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1; 26.º e 152.º-A, n.º 1, al. a), todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; b) Suspende a execução da pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos, na condição de o arguido AA ser acompanhado por um regime de prova, que deverá ser cumprido de acordo com o plano de reinserção a elaborar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que após enviará relatórios semestrais ao Tribunal de acompanhamento dos arguidos; c) Condena a arguida BB, da prática, em coautoria material e na forma consumada, um crime de maus tratos, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1; 26.º e 152.º-A, n.º 1, al. a), todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de prisão; d) Suspende a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, na condição de a arguida BB, na condição de ser acompanhada por um regime de prova, que deverá ser cumprido de acordo com o plano de reinserção a elaborar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que após enviará relatórios semestrais ao Tribunal de acompanhamento dos arguidos; e) Condena os arguidos AA e BB o pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 2 (duas) Unidades de Conta”
* Discordando da decisão condenatória, os arguidos interpuseram recurso, extraindo da motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1. A matéria dada como provada não é condizente com a prova produzida em sede de julgamento, impondo-se que se faça uma reapreciação da mesma, com vista a absolver-se os arguidos AA e BB, no uso legal do princípio do in dubio pro reo
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A Mma. Juiz a quo deu como provados todos os factos constantes da acusação, e sustentou a fundamentação nas declarações do jovem ofendido CC, coadjuvado pelas testemunhas DD e EE, no entanto os recorrentes entendem que devem ser considerados COMO NÃO PROVADOS os factos provados vii, viii, ix, x, xi, xii, xiii, xiv, xv, xvi, xvii, xviii, xix, xx
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No que concerne ao ponto vii referente ao alegado descontentamento dos recorrentes pelo ofendido querer ir viver com o pai para ... e que alegadamente terá motivado os recorrentes para praticar o alegado crime de maus tratos, o mesmo deverá ser dado como não provado em virtude da duvida séria que se suscitou dos depoimentos dos recorrentes no sentido de negarem em absoluto tal situação, tendo o recorrente AA esclarecido o tribunal que foi ele próprio que pediu ao seu advogado que relatasse a vontade do menor ao Processo de Promoção e Proteção para que fosse possível o ofendido ir de facto viver com o pai, sendo em virtude desse pedido que o menor concretizou o seu desejo tendo sido o recorrente que entregou o menor ao pai no tribunal
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Relativamente às alegadas expressões verbais proferidas pelos recorrentes constantes do ponto ix da fundamentação o mesmo foi dado como assente pela Mma. Juiz a quo que atendeu unicamente às declarações do ofendido e da testemunha DD que nas circunstâncias de modo, tempo e lugar, são imprecisas, vagas, que não podiam permitir ao tribunal a quo fazer um correto exame crítico das mesmas e sustentar a condenação dos recorrentes, devendo, salvo melhor opinião, ser dado como NÃO PROVADO
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No tocante à alegada violência física decorrente dos pontos x a xvi da fundamentação, devem os mesmos pontos ser dados como não provados, derivado dos depoimentos dos recorrentes conjugados com o depoimento do ofendido, desta feita, retira-se do depoimento do próprio ofendido CC, a instâncias da Mma. Juiz, que “era sempre o avô”, e que a recorrente BB “acho que foi só uma vez” esclarecendo depois que neste episódio em concreto “nada, nada, nada”
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Não pode a recorrente BB aceitar de forma alguma ser condenada pela prática, de um crime de maus tratos quando o próprio ofendido não lhe imputa diretamente esse facto/crime
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Também o ponto xvii dos factos assentes foi erradamente dado como provado pela Mma. Juiz a quo, desde logo porque se baseia nas declarações do ofendido, coadjuvadas principalmente pelas testemunhas DD e EE, sendo certo que do depoimento da testemunha EE (“o depoimento da senhora psicóloga do agrupamento escolar frequentado por CC, Dra. EE que relatou de modo muito pormenorizado e articulado toda a perceção que teve e lhe foi transmitida por este, quanto à sua dinâmica familiar junto dos arguidos.”) sempre se dirá que a mesma diz respeito, tão-só, ao que se encontra vertido nas conversas tidas entre a psicóloga e o menor, não implicando a indiciação quanto à prática dos factos, que não foram presenciados por esta profissional
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Mas há ainda um abalo enorme no depoimento da testemunha DD que tendo alegadamente presenciado todo o crime, NÃO SABE, se o seu filho ficou com hematomas no corpo, conforme se prova pelo seu depoimento (gravado em 20211124105716_1075655_2871427 / (minutos 22:34 a 23:12), não sendo crível que a própria mãe que a tudo assistiu não tenha visto os hematomas com que o seu filho ficou
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A verdade é que, a teoria do ofendido e da sua mãe, da existência de um crime de maus tratos por parte dos recorrentes falece por este depoimento, coadjuvado com o relatório médico elaborado pelo Dr. FF no dia 12/12/2019 junto aos autos a 20/12/2019 com a referência ...63 onde consta que o ofendido refere “ter sofrido agressão com apertão que terá sido infligida por familiares (…do evento terá resultado traumatismo dos membros superiores”), sendo o parecer do médico: “o examinando não apresenta lesões ou sequelas” relacionáveis com o evento, ora logicamente tais hematomas nunca existiram, porque nunca existiu crime
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Diga-se ainda que as declarações do ofendido não são claras, o discurso afigura-se ensaiado, pouco claro, no sentido de que a resposta de tal episódio de maus tratos e comportamentos alegadamente violentos dos arguidos ora recorrentes foi sempre provocada por perguntas dos diversos intervenientes processuais, nomeadamente por parte da Mma. Juiz a quo e Senhor Procurador do Ministério Publico
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A prova produzida em audiência deixa dúvida razoável não configurando os depoimentos do ofendido e das restantes testemunhas prova segura, consistente e sólida, para se condenar os arguidos pela prática do crime de maus tratos de que vinham acusados existindo uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos vertidos pelo ofendido, uma vez que, não subsistiu uma convicção séria e forte de que os recorrentes tenham efetivamente praticado factos subsumíveis ao crime de violência maus tratos, de que vinham acusados, na pessoa do ofendido, devendo ter sido aplicado o princípio constitucional in dubio pro reo
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É indispensável que a atuação ilícita, única ou reiterada, atinja pela sua intensidade, circunstâncias ou modo como foi praticada, a integridade pessoal da vítima, a sua dignidade ou o livre desenvolvimento da sua personalidade. O que não cremos que aconteceu, sendo a palavra do ofendido e da sua mãe contra a versão dos recorrentes, proveniente de vinganças e sentimentos negativos por parte da testemunha DD
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Os recorrentes são pessoas de modesta condição social, a recorrente BB tem o 6º ano de escolaridade e o recorrente AA possui o 4º ano de escolaridade, são avô e “avó/madrasta” do ofendido, dando-lhe amor e carinho e naturalmente ralhando e discutindo como em qualquer família, quando havia motivo para tal
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Os recorrentes jamais ofenderam o neto com quaisquer expressões, ou atuaram com este com qualquer tipo de violência, embora no seio da vida familiar houvesse discussões e tivessem muitas vezes que repreender o ofendido pelos seus maus comportamentos e mentiras, derivados também da idade do mesmo, na fase da adolescência, apenas discussões e repreensões, nunca agressões ou ofensas verbais
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O legislador civil Português, com a Reforma de 1977 do Código Civil, optou por suprimir do conteúdo das responsabilidades parentais, o poder de castigar moderadamente os filhos, pese embora não tenha estabelecido expressamente a sua proibição, acontece porém, que a ampliação das condutas que podem configurar o crime de maus não implica, naturalmente, que necessariamente preencham o tipo legal do crime de maus tratos quaisquer ocorrências em que, por parte dos pais, haja recurso a uma palmada ou uma discussão, um ralhete, pois que sempre importará aferir, além do mais, do seu concreto contexto e da respetiva adequação
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Ora, tendo presente o concreto contexto em que os factos ocorrem, pode haver situações em que a notícia de uma discussão e de repreensões em nada indicia que tal circunstância dirá respeito a uma situação que preencha o tipo legal - objetivo e subjetivo - do crime de maus tratos, ou seja, ainda que os recorrentes possam pegar ou ter pegado o ofendido por baixo dos braços, socorreram-se do poder/dever de correção, sem violência, ou seja, o dever de impor regras e limites, porquanto os mesmos são estruturantes da personalidade das crianças, não se tendo provado que tenha sido exercida qualquer violência
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Consideram os recorrentes, salvaguardado o respeito que lhe merece mais douta opinião, que, a considerar-se alguns dos factos provados, estes não são suficientes nem assumem a gravidade suficiente para a verificação do crime de maus tratos, pelo que padece a sentença recorrida de erro de julgamento, pois que não estão preenchidos o tipo objetivo e...
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