Acórdão nº 820/19.2PAOLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 820/19.2PAOLH.E1, foi o arguido AA, nascido em .../.../1974, filho de BB e de CC, natural da freguesia e concelho ..., solteiro, ..., residente no ..., condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da sua progenitora, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1 al. d) do Código Penal[1], da seguinte forma: - Na pena principal de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, acompanhada de regime de prova (a cumprir de acordo com o plano de reinserção a elaborar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) e com subordinação à condição de o arguido ser sujeito a um acompanhamento médico-psiquiátrico (frequência de consultas de psiquiatria e sujeição a eventual tratamento para a dependência e a qualquer outro que venha a revelar-se medicamente adequado, a desenvolver em coordenação com a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais).

- Na pena acessória de frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), desenvolvido e coordenado pela DGRSP; - A pagar à vítima uma indemnização de € 180 (cento e oitenta euros) até ao final do período da suspensão.

***Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1. O Ministério Público concorda com a factualidade dada como provada e não provada, mas discorda da não aplicação do n.º 2, alínea a), do artigo 152.º, do Código Penal, por entender que os factos assentes e a prova em que o Tribunal se apoia, a serem correctamente valorados, impõem a condenação do arguido pela prática deste ilícito na forma agravada.

  1. No caso em apreço, ficou assente que o arguido e a ofendida são filho e mãe, respetivamente, existindo uma relação de filiação entre ambos; que o arguido tem actualmente 47 anos e a ofendida tem 76 anos; o arguido e a ofendida vivem ambos na mesma casa (coabitação); a ofendida é uma pessoa especialmente indefesa, dada a idade avançada da mesma e o seu estado de vitimização que nem sequer é capaz de perceber que merece ser melhor tratada, desculpando todos os comportamentos do arguido, como se a culpa não fosse dele, encontrando-se, por medo, amor e baixa auto-estima, além da sua idade, numa situação de especial incapacidade de se defender e num estado de desespero e desamparo, que a torna uma pessoa especialmente vulnerável; que em mais de três anos (2019-2021), de forma reiterada, o arguido exigiu à ofendida que lhe desse o dinheiro da sua reforma, única forma de sustento do agregado, ao ponto de fazer a ofendida passar fome ou não ter como ir comprar comida, passando a vergonha de ter de pedir fiado nas lojas porque a sua pensão era gasta pelo arguido; que a ofendida dorme no chão de sua casa, num colchão, quando o arguido dorme na única cama existente, tendo partido toda a restante mobília; que o arguido quando é contrariado pela ofendida, cospe-lhe na cara, deita comida pelo chão, anda em trajes menores pela casa e destrói a casa, que já quase não tem mobílias, e insulta-a, além de aterrorizar com as suas alucinações.

  2. Diante deste quadro factual, é incontroverso que a conduta do arguido se enquadra na alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal, na medida em que resultou provado que o arguido e a ofendida residiam na mesma casa, pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado a agravação prevista neste preceito.

  3. Ao agir como se descreve nos factos provados, o arguido fez com que a ofendida se sentisse constrangida e humilhada, bem sabendo que as expressões que lhe dirigiu e a forma como a abordou nas situações descritas eram aptas a provocar-lhe receio de vir a sofrer algum mal, não obstante saber que ela não era capaz de defender-se nem de reagir contra tais tratamentos, sendo certo que sobre si recaía o dever de a tratar com respeito e consideração, atentos os laços que os uniam.

  4. Os factos dados como provados não deixam dúvidas relativamente à relação de filiação entre o arguido e a ofendida e ao modo de vida em comum.

  5. Ao agir da forma descrita, bem sabendo que molestava psicologicamente a ofendida, com quem sempre viveu, bem como conhecedor de que com a sua conduta atentava contra a dignidade desta e de que os seus comportamentos eram ilícitos e criminalmente puníveis, o arguido actuou com dolo e com dolo directo.

  6. A aplicação da agravação do limite mínimo da moldura penal consagrado na alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal, na parte que interessa ao nosso caso, decorre do facto do arguido ter agido da forma descrita dentro do “domicílio comum” ou “domicílio da vítima”.

  7. Não podemos olvidar que o propósito do legislador foi o de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica oculta, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas (cfr. Teresa Pizarro Beleza, “Violência Doméstica”, in Revista do CEJ n.º 9, pág. 289 e op. cit., pág. 406).

  8. Por conseguinte, a nosso ver, como o arguido e a ofendida coabitavam no mesmo espaço, o Tribunal a quo deveria ter aplicado a agravação prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal.

  9. Em face do exposto, e considerando a factualidade provada, o arguido cometeu o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, alínea a), do Código Penal.

  10. Da conjugação dos artigos 40.º, n.ºs 1e 2, e 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal decorre que na operação de escolha da pena e de graduação da pena o julgador deve atender à culpa e às exigências de prevenção, geral e especial, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.

  11. No caso dos autos, devem ser sopesados: o grau de ilicitude dos factos que se afigura elevado, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, a situação pessoal do arguido que resulta das suas declarações, a conduta anterior ao facto e posterior a este, a ausência de antecedentes criminais, as exigências de prevenção geral, traduzida na necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas, são elevadas atento o facto do crime de violência doméstica ser sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, um dos valores mais preciosos; as exigências de prevenção especial, as quais assumem menor relevância uma vez que o arguido é primário.

  12. Assim, consideramos adequado e suficiente aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e subordinada à condição de o arguido ser sujeito a um acompanhamento médico-psiquiátrico (frequentar consultas de psiquiatria e sujeitar-se a eventual tratamento para a dependência e qualquer outro que venha a revelar-se medicamente adequado, a desenvolver em coordenação com a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais).” Termina pedindo a revogação parcial da sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene o arguido pela prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, al. a) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

    *O recurso foi admitido.

    Na 1.ª instância, tenho o arguido sido notificado da sua admissão, não apresentou qualquer resposta no prazo legal.

    *O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

    *Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, nada tendo o arguido respondido.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    ***II – Fundamentação.

    II.

    I Delimitação do objeto do recurso.

    Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

    Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

    No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber: A) - Apreciar se a factualidade considerada provada deveria ter sido subsumida à agravação constante do n.º 2, al. a) do 152.ºdo Código Penal e, consequentemente, se o arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, al. a), do Código Penal.

    1. - Caso se conclua pela agravação, reapreciar a medida concreta da pena.

    *II.

    II - A decisão recorrida.

    Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados, com...

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