Acórdão nº 294/18.5JALRA-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Inquérito supra numerados que corre termos no Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Santarém, na sequência de despacho de arquivamento pelo Ministério Público, o assistente AA requereu a abertura da instrução ao abrigo do disposto no artigo 287º do Código de Processo Penal, pretendendo imputar a prática de dois crimes à arguida BB.

Tal pretensão foi rejeitada pelo despacho da Mmº Juíza que: Não pronunciou a arguida BB pelos factos e incriminações que constam do RAI deduzido nos autos nº 477/19...., e remeto ao abrigo do Artigo 307º, nº 3 e 1 do C.P.P., pela prática de um crime de denuncia caluniosa p. e p. pelo Artigo 365º, nº 1 do C.P. e de um crime de difamação qualificada p. e p. pelo Artigo 180º, nº 1, 182º e 184º, por referência à al. l) do nº 2 do Artigo 132º, todos do C.P., Pronunciou o arguido AA, a fim de ser julgado em processo comum e com a intervenção do tribunal singular, pela prática de Incorrendo, assim, o arguido em autoria material e em concurso verdadeiro e efectivo, na prática de um crime de abuso sexual de adolescente, na forma tentada, p. e p. pelos Artigos 22º, 23º, 73º, nº 1, al. a) e b) e 173º, nº 1 e nº 3, do C.P. (mormente, factos 4º a 8º) e de um crime de importunação sexual, na forma consumada p. e p. pelo Artigo 170º, nº 1 do C.P. (mormente, factos 9º a 23º).

* Inconformado, interpôs o assistente interpôs recurso do despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal, com as seguintes conclusões:

A) O presente recurso é apresentado por AA, na qualidade de assistente nos autos suprarreferidos, por não se conformar nem concordar com o Despacho de 20.09.2021 nem com a Decisão de Não Pronúncia de 08.10.2021.

B) No Despacho de 20.09.2021 o Juiz de Instrução Criminal (JIC) apreciou a nulidade arguida pelo aqui Recorrente no dia 09.07.2021, e que consiste na insuficiência da instrução por não ter sido praticado ato obrigatório, determinado pelo próprio JIC, que se revela necessário e adequado a aferir a existência ou não existência de indícios da prática dos crimes em causa (em particular, os imputados à arguida), tendo concluído pela inexistência de nulidade nos termos do disposto no art. art. 120.º, al. d) do CPP.

C) O disposto no art. art. 120.º, al. d) do CPP deve ser interpretado no sentido de se considerar como atos legalmente obrigatórios aqueles que tiverem sido ordenados pelo JIC e aqueles que tiverem sido ordenados pelo JIC com a concordância do Ministério Público e do ora Recorrente.

D) Em causa está a não realização da diligência de tomada de esclarecimentos da Dra. CC, autora do “Relatório Pericial” de 30.07.2019, tal como foi ordenado inicialmente por Despacho de 02.03.2021 – em que se determinou a realização da referida diligência no dia 23.03.2021 – e por decisão tomada nesse mesmo dia 23.03.2021, em que se ordenou que a referida perita, no prazo de 20 dias, (além de analisar a documentação e ponderar se manteria ou não o seu parecer) respondesse por escrito aos pedidos de esclarecimentos apresentados pelo Assistente – os mesmo esclarecimentos que o JIC decidiu seguir no inicio da referida diligência de 23.03.2021 e que o Assistente remeteu por email ao Tribunal nesse dia, a fim de serem remetidos à referida perita (para que pudesse responder aos mesmos).

E) Ao ter ordenado que se realizasse da diligência de tomada de esclarecimentos à Dra. CC, o JIC fez com que a realização de tal diligência (oral e depois por escrito) passasse a ser legalmente obrigatória nos termos e para efeitos do disposto art. 120.º, al. d) do CPP.

F) Ao contrário do que é dito no Despacho recorrido, à Perita não foi dada, em alternativa, duas possibilidades à escolha: analisar os documentos e decidir se mantém a sua análise ou conclusões ou responder por escrito às questões.

G) As alternativas ou liberdade que o JIC concedeu residia apenas na metodologia a adotar e na eventual modificação do parecer.

H) A perita teria sempre que responder por escrito aos esclarecimentos apresentados pelo Recorrente de modo a evitar a repetição da diligência de tomada de esclarecimentos de forma oral.

I) O que estava em causa era, por um lado, a modificação ou não do relatório pericial, repetindo, se necessário, a entrevista, e, por outro lado, a resposta aos pedidos de esclarecimento.

J) Nem poderia ser de outro modo porque estão em causa coisas distintas: uma coisa é o relatório pericial e a sua eventual modificação; coisa diferente é a diligência de resposta às questões sobre o relatório pericial.

K) A realização da diligência de tomada de esclarecimentos da Dra. CC é importante e até mesmo essencial para aferir a existência ou inexistência de indícios uma vez que incide sobre o “Relatório Pericial” de 30.07.2019 que tinha por objeto, fundamentalmente, aferir a credibilidade das declarações da Arguida BB.

L) Como os factos em apreço resultam essencialmente nas declarações da Arguida o “Relatório Pericial” de 30.07.2019 assume uma importância acrescida.

M) A tomada de esclarecimentos da perita ou a resposta por escrito aos esclarecimentos constitui um importante instrumento que auxiliará(auxiliaria) o Tribunal a aferir e concluir, por um lado, que o relatório pericial elaborado pela Dra. CC não tem credibilidade científica (porque padece de erros científicos graves) e, por outro lado, que o depoimento da Arguida não é credível por conter várias contradições e incongruências graves, que não se justificam com problemas de memória ou com a alegada ingenuidade e imaturidade da Arguida.

N) O JIC tem ao seu dispor todos os meios para ordenar que a Perita CC responda, por escrito ou verbalmente, aos pedidos de esclarecimento supra referidos, tal como foi ordenado por Despacho de 02.03.2021 e na diligência de 23.03.2021.

O) A não realização da diligência de tomada de esclarecimentos nos termos em que foi ordenado por Despacho de 02.03.2021 e na diligência de 23.03.2021 constitui nulidade nos termos do disposto no art. art. 120.º, al. d) do CPP, por estar em causa uma insuficiência da instrução, tal como previsto no art. 120.º, al. d) do CPP), que deve ser interpretado no sentido de se considerar como atos legalmente obrigatórios aqueles que tiverem sido ordenados pelo JIC e aqueles que tiverem sido ordenados pelo JIC com a concordância do Ministério Público e do ora Recorrente.

P) A decisão instrutória é recorrível na medida ou na parte em que não pronuncia a Arguida BB pelos factos constantes na queixa-crime que deu origem ao inquérito nº 477/19.... e que levou o Assistente a apresentar requerimento para abertura de instrução, tendo sido posteriormente os autos cumulados/agregados ao inquérito Nr. 294/18....

Q) Estão em causa um crime de denuncia caluniosa p. e p. pelo Artigo 365º, nº 1 do C.P. e um crime de difamação qualificada p. e p. pelo Artigo 180º, nº 1, 182º e 184º, por referência à al. l) do nº 2 do Artigo 132º, todos do C.P. (autos nº 477/19....) R) A decisão recorrida assenta numa convicção puramente subjetiva quanto à veracidade das declarações da Arguida BB, tudo desculpando quanto às evidentes e manifestas contradições de discurso, devido a “problemas de memória”, que a própria diz ter em declarações para memória futura, e devido à suposta “ingenuidade, imaturidade e limitação” cognitiva da mesma.

S) A factualidade carreada para os autos e a prova existente permitem concluir, com forte probabilidade, que a Arguida praticou os crimes que lhe são imputados.

T) Existem indícios suficientes que evidenciam que, muito provavelmente, estamos perante factos falsos e fantasiados pela Arguida, difamatórios da honra, dignidade e profissionalismo do Assistente/Recorrente, difundidos perante terceiros (a amiga DD, os Professores EE e FF, a GG) e perante autoridade (Polícia Judiciária), lançando sobre este (Assistente/Recorrente) a suspeita da prática de crimes de abuso sexual de adolescente, na forma tentada, e de importunação sexual.

U) O JIC baseia a sua decisão unicamente nas declarações da Arguida BB dizendo que, apesar das manifestas e várias discrepâncias, as mesmas merecem credibilidade!!! V) Além disso, refere que os depoimentos indiretos de algumas testemunhas (GG e EE) e o (putativo) relatório pericial da autoria de CC corroboram tal credibilidade.

W) Nenhum daqueles argumentos tem o mínimo de sustentação.

X) As declarações da Arguida BB são manifestamente incongruentes, fantasiosas, inverosímeis e os relatos indiretos e o (putativo) relatório pericial só vem confirmar isso.

Y) Por estar em causa um tipo de prova (declarações da Arguida BB) essencialmente marca pela subjetividade, despida de elementos probatórias exteriores e objetivos, é imprescindível que se adicionem critérios rigorosos e claros que permitam aferir a sua credibilidade.

Z) Como ensina Cavaleiro de Ferreira, o princípio da livre apreciação das provas, se não for acompanhado de critérios objetivos, lógicos, baseados na experiência comum e também nas melhores regras de ciência, leva a um “puro subjetivismo na apreciação das provas” [1].

A

A) Esta exigência de prova de natureza objetiva, que seja compreensível e controlável por terceiros, visa salvaguardar o valor da confiança nas decisões dos tribunais e prevenir o risco de erro judicial.

BB) No Ac. do TRE de 24.06.2008, Proc. 437/08-1 (António João Latas), apontam-se três critérios cumulativos que conferem a objetividade e o rigor necessários, a saber: (1) Ausência de um móbil de ressentimento, inimizade, vingança, afrontamento, interesse, ou de qualquer outra índole, que prive a declaração da aptidão necessária para gerar certeza; (2) verosimilhança, ou seja, constatação de corroborações periféricas de carácter objetivo que avalizem a sua declaração; (3) Persistência na incriminação, que deve ser prolongada no tempo, plural, sem ambiguidades nem contradições.

CC) As declarações Arguida BB falham em todos aqueles critérios: (1) existe um claro móbil de ressentimento, vingança...

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