Acórdão nº 318/20.6GBASL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova e à frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica

Foi igualmente condenado na pena acessória de proibição de contacto por qualquer meio com a ofendida, de se aproximar do seu local de trabalho ou da sua residência pelo período de quatro anos, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância

  1. - Circunscrevendo-se este à matéria de direito, em virtude do aqui recorrente considerar que a douta sentença ora em crise fez uma errada qualificação jurídica dos factos que considerou por provados, concluindo como integrantes da prática do crime de violência doméstica pelo arguido

  2. - Salvo o devido respeito e melhor opinião, em face da matéria de facto provada na douta sentença, o arguido não deveria ter sido condenado como autor material de um crime de violência doméstica, mas sim, como autor material de um número indeterminado de crimes de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal, e bem assim, por dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal

  3. - Consequentemente, ao arguido não deveria ter sido aplicada a sanção acessória de proibição de contato por qualquer meio com a ofendida, pelo período de quatro anos, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 152º do Código Penal

  4. - Devendo operar-se a qualificação jurídica nos termos requeridos pelo arguido no presente recurso, sem necessidade de prévia comunicação ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 358º, nº1 e 3 o CPP, uma vez que, ao degradar a acusação por um crime de violência doméstica (do artigo 152º, nº1 do Código Penal) - cometido por meio de condutas que traduzem ameaças e injúrias – em dois crimes de ameaça agravada e vários crimes de injúria, não implica necessidade de nova defesa, não sendo juridicamente relevante, não “surgem vulneradas as garantias de defesa do arguido”

  5. - Há, porém, que apurar se se verificam quanto a esses crimes – injúrias e ameaça agravada -as necessárias condições objetivas de procedibilidade, designadamente quanto à dedução de acusação particular relativamente ao crime de injúrias, já que a ameaça reveste natureza pública

  6. - Quanto ao crime de injúrias, a sua natureza particular atribuída pelo artigo 188º do Código Penal, a dedução de acusação particular, imposta pelo artigo 50º do CPP, constitui pressuposto processual do procedimento criminal respetivo, ou seja, condição positiva daquele mesmo procedimento que, do mesmo modo, condiciona a responsabilidade penal

  7. - No caso vertente não foi deduzida acusação particular, sendo essa falta insuscetível de suprimento; a sua verificação na fase de julgamento ou de recurso impede o prosseguimento do procedimento criminal pelo crime respetivo, se a questão se colocar até ao encerramento da audiência ou a condenação do arguido nas hipóteses em que a questão se coloque depois daquele, nomeadamente em resultado da qualificação jurídica dos factos provados operada na sentença ou no recurso

  8. - Não sendo possível, a falta de acusação particular, carece o MP de legitimidade para o prosseguimento do processo pelo referido crime de injúrias, artigo 50º do CPP, impondo-se o arquivamento dos autos

  9. - Importando realçar que, o crime de violência doméstica é um “crime de relação”, em que releva um certo grau de proximidade ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude do facto, que põem em destaque a especial relação que intercede entre os sujeitos ativo e passivo da conduta criminosa

  10. - Entre as pessoas que se incluem no âmbito de proteção da norma encontram-se o cônjuge ou o ex-cônjuge; a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; o progenitor de descendente comum em 1º grau, entre outras

  11. - Ora, no caso em apreço, como resulta da matéria de facto provada – os atos de agressividade verbal imputados ao arguido e praticados na pessoa da ofendida, sua ex-mulher, não tem a virtualidade de se integrarem na previsão da norma do artigo 152º do Código Penal, por não representarem um potencial de agressão que supere a proteção oferecida pelo crime de injúria simples e de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 181º, 153º e 155º, nº1, alínea a), todos do Código Penal

  12. - Desde logo, porque não se trata de um comportamento repetido, reiterado, humilhante ou vexatório, mas também por não serem factos de gravidade tal que prescindam dessa reiteração para serem qualificados como maus-tratos psíquicos, muito embora se reconheça que possam abalar a tranquilidade moral da pessoa visada e, como tal, constituam factos ilícitos típicos e, como tal, puníveis

  13. - Nos presentes autos, os factos dados por provados e constantes dos pontos 5º a 10º, bem como os pontos 11º a 13º integram os elementos objetivos e subjetivos da prática pelo arguido de pelo crime de injúria simples e de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 181º, 153º e 155º, nº1, alínea a), todos do Código Penal

  14. - Isto porque, é entendimento pacífico na Jurisprudência que nem todas as ofensas à integridade física, à honra e consideração ou à liberdade de determinação de outrem, constituem um crime de violência doméstica, apenas por ocorrerem no seio duma relação conjugal ou equiparada

  15. -É o que acontece na situação em apreço! 17º-Para poder concluir-se pela verificação do tipo legal do crime de violência doméstica pelo arguido, teria de existir uma relação de domínio ou de poder, entre o arguido e assistente, ou do arguido para com a assistente e vice-versa, relação de domínio que o caso dos autos não espelha, na medida em que, o arguido e assistente encontram-se divorciados desde …/2017, tal como decorre do ponto 2º- 17º da lista dos factos provados: “O divórcio do casal foi decretado por sentença transitada em julgado em … 2017, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Família e Menores ..., J...

  16. -O arguido e a assistente fazem vidas totalmente autónomas, não dependendo a assistente daquele economicamente, visto que cada um exerce a sua própria atividade laboral, conforme decorre do ponto 15º da lista dos factos provados, e bem assim, cada um vive em casas separadas, vivendo aliás a assistente na moradia principal e o arguido num anexo

  17. -Nenhumas das ocorrências se passou no interior das habitações, nem do arguido, nem da assistente; mas sim no exterior

  18. -O mesmo é dizer, neste concreto aspeto, a assistente está até numa posição de superioridade e primazia relativamente ao arguido

  19. -De igual modo, a assistente já há muito refez a sua vida afetiva, o que também se extrai dos factos provados, tendo aliás o seu marido sido a única testemunha dos factos nestes autos, o qual ao que parece, sempre esteve presente em todas as ocorrências. Estando, pois, em termos emocionais e afetivos a assistente sem qualquer dependência do arguido

  20. -Acresce ainda que, como decorre da lista dos factos provados, no ponto 3º, decorre que: “ No dia …2020, no âmbito do processo nº239/19...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi proferida sentença na qual se decidiu absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica.” Sendo os fatos então em apreciação praticamente iguais aos que estiveram em causa nos presentes autos

  21. -E, o Tribunal a quo considerado que no período temporal compreendido entre o dia 15/08/2019 e o dia 18/12/2019, não se verificou uma qualquer relação de domínio ou poder entre o arguido e a ofendida

  22. -Logo, se tal relação em momento anterior ao dos fatos em causa nestes autos não existia, não poderá afirmar-se que no período temporal compreendido entre o dia 16/12/2020 e o dia 02/05/2021 a sobredita relação de domínio ou poder tenha voltado a existir, na medida em que o arguido e a ofendida não estreitaram as suas relações; pelo contrário, mais se distanciaram. A aludida sentença foi até objeto de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, vindo a ser confirmada

  23. -Acresce quinda que, o arguido é doente …, conforme decorre do ponto 18º dos factos provados, auferindo por via disso uma reforma, conforme decorre do ponto 20º dos factos provados, pelo que também por este motivo não se encontra numa posição de domínio e/superioridade face à assistente, ao invés, é um homem debilitado

  24. - Ora, o crime de violência doméstica pressupõe uma especial relação entre o agente e o sujeito passivo, pautada pela união matrimonial, pela união de facto, pela relação de namorou ou ainda em virtude da de a vítima ser progenitor (a) de...

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