Acórdão nº 148/18.5GBSTC.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório

  1. No Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e Tribunal singular de AA, …, …, nascido a … de 1983, natural do …, residente na Rua de …, em …, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, §1.º, al. b) e § 2.º, al. a) do Código Penal (CP)

    Realizada a audiência de julgamento o Tribunal veio a proferir sentença, na qual absolveu o arguido da prática do crime pelo qual havia sido acusado, por se não terem provado os factos que dele seriam integradores

    Foi interposto recurso pelo Ministério Público e pela assistente, vindo este Tribunal da Relação a anular a decisão proferida por falta de fundamentação

    Em consequência baixaram os autos à 1.ª instância onde foi proferida nova sentença, igualmente absolutória e com os mesmos fundamentos

    Este Tribunal de Relação voltou a anular a sentença recorrida, por omissão de pronúncia relativamente a uma parte essencial do objeto do processo – concretamente da factualidade imputada pela acusação ao arguido - e respetiva motivação

    O Tribunal recorrido elaborou nova sentença

  2. Inconformado ainda com esta nova decisão recorreu a assistente, finalizando a sua motivação, com o que denomina «conclusões» (que em verdade o não são). As conclusões preconizadas pela lei (artigo 412.º CPP) devem, por boas razões, «ser concisas, precisas e claras (…)» (1). Não devendo, naturalmente, constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas devendo ser uma síntese essencial dos fundamentos do recurso»(2)

    Não obstante, não se poderá dizer que se não compreendem os pontos e posição sustentada pela recorrente, e só por isso - tendo também em conta as já muitas (demais) delongas do processo - se aceitam tais «conclusões»

    E são as seguintes: «Nulidade da sentença A. O Tribunal a quo optou por não se pronunciar, e ignorar, provas absolutamente essenciais para a ponderação dos factos

    B. Por norma os crimes de violência doméstica não têm testemunhas, nomeadamente, segundo um estudo da Associação de Apoio à Vítima, datado de 2018, 87% dos casos de violência doméstica ocorrem sem a presença de testemunhas

    C. Por essa razão, o Tribunal a quo vê-se obrigado a ter de construir um raciocínio lógico, com as provas de que dispõe, para poder tomar uma decisão justa e adequada ao caso concreto

    D. Contudo, o que se pode retirar da decisão do Tribunal a quo é que sem testemunhas nunca haverá condenação de nenhum arguido pelo crime de violência doméstica, ou seja, todas as mulheres/homens vítimas de violência doméstica que forem agredidos sem testemunhas, escusam de recorrer ao tribunais porque não haverá condenação, ou seja, 87% das vitimas de violência doméstica não podem recorrer os tribunais ou, se recorrerem, já sabem de antemão que não servirá para nada

    E. O Tribunal a quo, pela segunda vez, opta por ignorar provas essenciais, designadamente, volta a não se pronunciar sobre duas provas fundamentais neste caso: a porta do quarto arrombada e ensanguentada e a fotografia da agressão que o arguido imputou à ora Recorrente

    F. Relativamente à primeira, os Guardas da Guarda Nacional Republicana (GNR) que acorreram ao local, e que foram testemunhas no presente processo, confirmaram que a porta do quarto estava danificada e que tinha sido por arrombamento

    G. Aliás, chegou a ser referido pelo Guarda BB que foi usada a força necessária para partir o trinco da porta (audiência de julgamento de dia 10.01.2020, gravação entre o minuto 09:20 e 10:10)

    H. Sobre esta prova fundamental para a construção de um raciocínio lógico, o Tribunal a quo optou por não fazer qualquer referência, ignorando-a por completo

    I.Assim, nos termos do disposto no artigo 379, n.º1, alínea c), do Cód.Proc.Penal, a sentença é nula visto que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre matéria que deveria ter pronunciado

    J. Relativamente à segunda questão – a fotografia da marca da agressão – sempre diremos que esta até é mais grave que a primeira porque o Tribunal a quo opta por escusar-se a avaliar devidamente esta prova

    K. Não é só a fotografia da perna da ora Recorrente que está em questão – são também as declarações dos Guardas da GNR ouvidos em audiência de julgamento, que confirmam que a perna tinha aquelas marcas

    L.Se por um lado, a fotografia poderia não ser taxativa por alguma razão, a verdade é que os Guardas da GNR que foram testemunhas, confirmaram as lesões na perna

    M. Mas mais, o Tribunal a quo não se pode escudar numa eventualidade como “a fotografia estar a preto e branco (…)” (itálico nosso)

    N. No século xxi já poucas são as máquinas que tiram fotografias a preto e branco e, ainda para mais, a fotografia foi tirada com um telemóvel, o qual não tira fotografias a preto e branco

    O. Mais, nos autos encontra-se a fotografia a cores e, mesmo que não estivesse, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, deveria tomar todas as medidas para obter a fotografia a cores, designadamente, oficiar junto da GNR para que a fotografia fosse reproduzida a cores

    P. Contudo, o Tribunal a quo permitiu-se a não fazer nada disto – aliás, permitiu-se ignorar a existência desta fotografia, com um mero “está a preto e branco” (itálico nosso)

    Q. Mas mais, caso não fosse possível, por qualquer razão, obter esta fotografia a cores, então o Tribunal a quo deveria ter atenção ao que foi dito por quem tirou a própria da fotografia, ou seja, os Guardas da GNR que foram testemunhas (audiência de julgamento de dia 10.01.2020, gravação entre o minuto 03:10 e 08:08 e 09:20 e 10:10)

    R. Os próprios Guardas da GNR confirmam que a perna da ora Recorrente tinha marcas de agressão

    S. Como é que é possível o Tribunal a quo ignorar, pela segunda vez, esta prova e nem se pronunciar sobre o testemunho dos Guardas da GNR conjugados com a prova fotográfica? T. Esta opção do Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 340º e no artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Penal, constitui uma nulidade da sentença

    U. Aliás, veja-se o que foi descrito no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06.04.2019, “O principio da investigação exige que o Tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais (principalmente, o Ministério Público e o arguido) lhe proponham, mas também independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure essencial ou necessário à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa (…).” (itálico e sublinhado nossos)

    V. Era, e é, uma obrigação clara doTribunal a quo pronunciar-se sobre as questões supra descritas e não ignorá-las como se não fizessem parte deste processo

    W. Mais grave, foi a segunda vez que o Tribunal a quo se eximiu de fazer uma apreciação devida das provas em apreço, o que é de uma gravidade extrema para a vítima em concreto, para as vítimas de violência doméstica em geral, mas também para o bom julgamento deste processo em particular

    X. Repete-se, as decisões dos tribunais não são importantes apenas para os processos sobre que versam – principalmente em processo penal, elas são de extrema relevância para minimizar o risco de voltarem a acontecer e de passar uma mensagem clara, por um lado, para as vitimas que podem encontrar nos tribunais um porto de abrigo seguro e justo e, por outro lado, para os criminosos que não gozam de uma impunibilidade quando perpetram os crimes

    Recurso da matéria de facto Y. Se o ponto acima é claro que houve um erro do Tribunal a quo, a análise da matéria de facto e das provas exigiam, e exigem, uma apreciação cuidada, lógica e com sentido, que o Tribunal a quo, mais uma vez, salvo o devido respeito e na opinião da ora Recorrente, optou por não fazer

    Z. Vejamos o primeiro caso que, apesar de não ser relevante para a decisão de fundo do caso em apreço, é, sem dúvida alguma, sintomático desta opção tomada pelo Tribunal

    AA. Ponto 6. Dos Factos Provados: “O arguido e assistente decidiram construir no monte uma casa de madeira com intenção de a arrendarem; as despesas de construção foram divididas por ambos; as despesas de manutenção foram assumidas pela assistente; era o arguido que geria as reservas e as receitas.” (itálico nosso)

    BB. Ao longo da prestação de declarações da assistente, foi referido em todas as ocasiões que o monte era seu, tinha sido sua a decisão de construir uma casa de madeira para arrendar para fazer face ao investimento no monte, que as despesas de construção foram pagas por si na totalidade, que as despesas de manutenção, bem como as domésticas, eram pagas por si integralmente; que a gestão das reservas era feita entre ambos

    CC. Ao longo das declarações do arguido, este limitou-se apenas a negar que isto fosse verdade, sem nunca ter demonstrado de alguma maneira, ou explicado, porque contrariava a versão da assistente

    DD. Ao longo das declarações das testemunhas que acompanharam o processo de aquisição do monte e consequentes construções/modificações, CC, DD, EE, FF, sempre foi confirmado que as despesas de construção, de manutenção, bem como as domésticas, foram inteiramente pagas pela ora Recorrente

    EE. Contudo, ao arrepio de todas as regras processuais, o Tribunal a quo, vem dar este facto como provado

    FF. O Tribunal a quo tinha duas soluções simples – ou dava as declarações da assistente como provadas, caso estas merecessem credibilidade, que merecem tendo em consideração a longa explicação deste processo e a confirmação do mesmo pelas testemunhas; ou dava o facto como não provado por serem duas versões contraditórias

    GG. No entanto, o Tribunal a quo opta por uma terceira via – dá como provada a versão do arguido, sem que haja razão para tal, o que ilustra que o Tribunal a quo valorizou mais as declarações do arguido em detrimento das da...

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