Acórdão nº 528/18.6.TXEVR-N.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal de Execução de Penas de Évora foi, em 8 de junho de 2022, proferida decisão que não concedeu a liberdade condicional a AA.

*Inconformado com o assim decidido, recorreu AA, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. Por sentença datada de 08-06-2022, o Juízo de Execução de Penas de Évora não concedeu a liberdade condicional ao recluso AA.

  1. O ora recorrente não se conforma com a decisão recorrida porquanto o tribunal “a quo” deu como provado que: “3.4. No Estabelecimento Prisional (EP) regista 4 (quatro) infracções punidas disciplinarmente, praticadas nas seguintes datas: - 27 de Agosto de 2019; - 11 de Março de 2022 (três infracções);”.

  2. Sendo certo que da decisão que aplicou a medida disciplinar de repreensão escrita, o aqui Recorrente apresentou impugnação nos termos do disposto no artigo 114.º do Código de Execução das penas e das Medidas Privativas da Liberdade, que corre termos por apenso aos presentes autos (apenso M).

  3. O que significa que quando o tribunal “a quo” proferiu a sentença que ora se recorre a decisão disciplinar ainda não havia transitado em julgado, encontrando-se pendente impugnação nos termos do disposto no artigo 114.º do Código de Execução das penas e das Medidas Privativas da Liberdade.

  4. Motivo pelo qual não poderia o tribunal “a quo” dar como provado que o arguido regista quatro infrações disciplinares.

  5. Termos em que e face ao supra exposto deverá o facto dado como provado 3.4 ser parcialmente julgado como não provado.

  6. Sem prescindir, andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não se encontra preenchido o requisito material a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.

  7. Não se compreendendo qual o critério aplicado pelo tribunal “a quo”, pois os dois dos co-arguidos do ora Recorrente condenados pela prática do mesmo crime (tráfico de estupefaciente) encontram-se em liberdade.

  8. O co-arguido BB do ora Recorrente condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se em liberdade condicional.

  9. E o co-arguido CC condenado pela prática do mesmo crime e em pena de prisão efectiva exactamente igual encontra-se em liberdade.

  10. Não estando em causa nenhuma razão elevada de prevenção geral, o condenado ora Recorrente já cumpriu dois terços da pena a que foi condenado, a comunidade compreenderia e aceitaria que o mesmo fosse restituído à liberdade.

  11. Aliás o ora Recorrente tem uma proposta de trabalho e uma vez restituído à liberdade irá começar a laborar de imediato.

  12. A decisão de que ora se recorre viola o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal, não se verificando nenhuma situação de conflito entre as exigências de prevenção especial e as exigências de prevenção geral.

  13. Pese embora o crime de tráfico de droga é em abstrato constitua um crime grave, frequente e gerador de sentimentos sociais negativos, também não podemos ignorar que no caso em apreço o crime cometido não tem esse sinal de gravidade extrema que foi considerado na decisão que ora se recorre.

  14. Neste caso, pelas razões já supra expostas, a gravidade do crime não é de modo algum impeditiva de um prognóstico positivo sobre o factor da prevenção especial.

  15. Caso assim não o fosse o legislador teria criado um catálogo de crimes insuscetíveis de concessão de liberdade condicional ou com requisitos acrescidos.

  16. Não o fez e por isso hoje o crime de tráfico não se distingue neste plano de qualquer outro.

  17. Somos assim do entendimento que tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, que já referimos suficientemente, as razões de prevenção geral não são impeditivas da concessão da liberdade condicional ao recorrente, veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 749/14.0TXPRT-E.P1, datado de 08-02-2017, disponível em www.dgsi.pt.

  18. A decisão que ora se recorre interpretou e aplicou erradamente o artigo 61.º nº 2 als. a) do Código Penal ao negar ao recorrente a concessão de liberdade condicional.

  19. Devendo a decisão recorrida ser revogada por violação do princípio das finalidades das penas, em particular da reintegração do agente na sociedade e do princípio da dignidade da pessoa humana.

  20. E por violação dos artigos 40.º, 56.º, 61.º, n.º 2, alínea b) e 64.º todos do Código Penal e bem assim os artigo 30.º e 32.º da nossa Constituição, e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, e em consequência determinar-se a revogação da sentença recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao recluso ora Recorrente assim se fazendo JUSTIÇA!*O recurso foi admitido.

    *O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, pugnando pela respetiva procedência e formulando as seguintes conclusões: 1. Por douta sentença proferida em 8.6.2022 não foi concedida a liberdade condicional ao recluso AA, o qual cumpre pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

  21. Verificados que estão os pressupostos formais, e já tendo sido atingido em 28.5.2022 o cumprimento de dois terços da pena, a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.

  22. O recorrente impugna o facto 3.4 alegando a pendência de impugnação judicial, mas tal facto respeita à verificação de infrações disciplinares sobre as quais recaiu a aplicação de repreensão, sanção que, não admitindo impugnação judicial (cfr. art. 114º, nº 1 do CEPMPL, a contrario, e em conformidade com o douto despacho de rejeição limiar proferido em 20.6.2022 no apenso M), impunha ao Mmº Juiz “a quo” a decisão fática proferida, a qual não merece qualquer censura.

  23. A decisão recorrida – de não concessão da liberdade condicional – baseou-se nos elementos constantes dos autos, de cuja conjugação resulta a conclusão de que não é possível efetuar um juízo de prognose positivo de que o recorrente, uma vez em liberdade, adote um comportamento conforme às regras penais.

  24. À formulação de tal juízo de prognose estão subjacentes fortes razões de prevenção especial, e só estas, em momento algum se sustentando a douta decisão em razões de prevenção geral, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer.

  25. Por serem absolutamente irrelevantes as razões de prevenção geral, são despiciendas as considerações tecidas sobre as mesmas na peça recursiva, tal como são irrelevantes as comparações feitas com a situação dos co-arguidos já que o que se impõe na formulação do juízo de prognose, aos dois terços do cumprimento da pena, são as razões de prevenção especial que, naturalmente, assentam no percurso individual de cada recluso.

  26. As fortes razões de prevenção especial subjacentes à não concessão da liberdade condicional estão assentes, in casu, numa inadequada consciência crítica do recorrente, fruto da deficiente capacidade de descentração que, ademais, surge aliada à comprovada propensão para o incumprimento de regras.

  27. O Mmº Juiz recorrido não podia ter deixado de valorar negativamente os factos objetivos relacionados com as infrações disciplinares praticadas pelo recorrente, infrações que não podem deixar de significar retrocessos no seu percurso prisional.

  28. O Mmº Juiz recorrido tomou em consideração todos os aspetos positivos verificados no percurso prisional do recorrente–concretamente, o seu comportamento prisional genericamente adequado (excetuando as quatro infrações disciplinares), os hábitos de trabalho, a valorização escolar e profissional, a colocação em RAI, as LSJ’s e LSCD’s gozadas até ao cometimento das infrações de março de 2022, o apoio familiar no exterior e as perspetivas de inserção laboral quando em liberdade; todavia, não considerou tais aspetos suficientes para anular o juízo negativo decorrente da já mencionada inadequada/insuficiente consciência autocrítica e do incumprimento de regras intramuros (incumprimento que levou à inevitável interrupção da aproximação ao meio livre no tocante à concessão de licenças de saída jurisdicionais no futuro, com o inevitável retrocesso que tal e o regresso ao regime comum significa), factos corretamente valorados ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

  29. Após exaustiva enunciação dos aspetos positivos e negativos do percurso prisional do recorrente só poderia o Mmº Juiz recorrido concluir como concluiu que a todos os aspetos negativos mencionados corresponde uma impossibilidade de formular um juízo de prognose positivo – concretamente, que aquele uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes e perfeitamente integrado na comunidade.

  30. O regime da liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende (e excecionando a liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena em certos casos), tem caráter excecional e, quando já tenha sido atingido o cumprimento de dois terços da pena, apenas deverá ter lugar nos casos em que seja patente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

  31. O tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação e aplicação do Direito, não se mostrando violado o disposto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal nem qualquer outro dos preceitos invocados pelo recorrente.

    Face ao exposto, deverão Vªs Exªs negar provimento ao recurso, mantendo a Douta decisão recorrida nos seus precisos termos.

    *No Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

    *Cumprido o disposto no art.417º, nº2...

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